CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Eric Nepomuceno avatar

Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

416 artigos

blog

Um argentino chamado Rodolfo Walsh

"Ler Walsh é essencial não apenas para saber da Argentina: para saber da vida", escreve o jornalista Eric Nepomuceno

(Foto: Reprodução)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia 

No dia 25 de março de 1977 – exatamente um ano e um dia depois do sangrento golpe encabeçado pelo general Jorge Videla, que instaurou no país uma ditadura genocida – o jornalista Rodolfo Walsh foi visto com vida pela última vez na plaza Constitución, no centro de Buenos Aires.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Ele havia sido cercado por homens da Marinha comandados pelo tenente Alfredo Astiz. Para não ser apanhado vivo, sacou uma pequena pistola calibre 22 e disparou. Foi atingido por uma rajada de metralhadora e levado, ainda com vida, para a Escola de Mecânica da Armada, o mais tenebroso centro de torturas da ditadura. Morreu lá dentro, e seu corpo desapareceu para sempre.

Pouco antes ele havia distribuído em diversas caixas de correio – sim, sim: na Argentina daquele tempo, você escrevia uma carta, punha num envelope, selava e colocava numa caixa de correio, onde a correspondência era depois recolhida e distribuída – seu derradeiro texto. Era a “Carta de um escritor à Junta Miliar”, que Gabriel García Márquez considerou como sendo “uma obra prima do jornalismo”.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O texto de Walsh é de uma contundência ilimitada. Dirigindo-se aos membros da Junta em primeira pessoa, ele fala de sua filha Maria Victoria, a Vicki para os amigos, que meses antes havia morrido num combate com um bando para-policial. Fala também do “quadro de extermínio”, do “terror mais profundo que a sociedade argentina conheceu, fala dos “desaparecidos” – militantes ou cidadãos que eram sequestrados e mortos sem que seus corpos jamais aparecessem –, dos campos de concentração, da “tortura absoluta, atemporal, metafísica”. E segue adiante mencionando os massacres, a coordenação da repressão com outros países sul-americanos e com os Estados Unidos, fala da ilegitimidade do governo e da política antipopular que havia sido implantada.

Walsh fechava o texto com um pedido à Junta e uma advertência. Pediu, antecipando que sabia que não seria atendido, “aos senhores Comandantes Chefes das Três Armas que meditassem sobre o abismo ao qual conduzem o país após a ilusão de que ganhar uma guerra que, mesmo se matassem o último guerrilheiro, não faria mais do que começar sob novas formas, porque as causas que há mais de vinte anos movem a resistência do povo argentino não terão desaparecido e sim agravadas pela lembrança do estrago causado e a revelação das atrocidades cometidas”.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Muito mais que um grande jornalista da sua geração, Rodolfo Walsh foi um imenso jornalista da segunda metade do século passado. Foi um dos fundadores da agência cubana de notícias “Prensa Latina”, ao lado de García Márquez e de seus compatriotas Jorge Masseti e Rogelio García Lupo.  

Depois do golpe de Videla, criou a ANCLA – Agência de Notícias Clandestina – que emitiu mais de duzentos telegramas que circulavam de mão em mão, rompendo a censura. A propósito: em castelhano, “ancla” significa âncora.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Saiu da “Prensa Latina” e voltou para a Argentina em 1961. E começou a escrever um livro que virou um exemplo absoluto de romance de não ficção e se transformaria num clássico permanente.  

Trata-se de “Operação Massacre”, editado no Brasil pela Companhia das Letras.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Walsh conta de um fuzilamento coletivo – foram nove mortos – ocorrido em 1956, depois de uma tentativa de levante militar contra a ditadura implantada após o golpe que expulsou Juan Domingo Perón da presidência. Ele descobriu que havia um sobrevivente. Foi atrás dele e soube então que havia outros. As revelações do livro tiveram um efeito imediato na opinião pública.

Quatro anos mais tarde, outra lição de Walsh – mas desta vez na ficção. No livro de contos “Os ofícios terrestres” aparece uma pequena maravilha chamada “Essa Mulher”.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Estive com Walsh uma única vez, num café da rua Corrientes. Já com sua filha Vicki tive bastante mais contato.  

Tudo isso num período muito curto de tempo, naquele 1973. Logo depois, em 1974 os dois passaram para a clandestinidade, e nunca mais.

Hoje, a estação de metrô em que ele foi baleado em Buenos Aires leva o seu nome, para que ninguém se esqueça dele.

Ler Walsh é essencial não apenas para saber da Argentina: para saber da vida.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO