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Jairo Cabral

Mestre em História pela Unicap e ex-diretor da Ceroula de Olinda

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Um Carnaval a menos

Uma janela do tempo se fecha para o tempo doente e outra se abre para a esperança e para a recordação dos felizes carnavais

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No calendário festivo brasileiro, o tão aguardado mês de fevereiro do ano de 2021, finalmente chegou. Infelizmente sob o impacto da pandemia aterrorizante que ceifa vidas, soprada pelo vento malfazejo que emana do planalto central do Brasil. É uma bafagem quente e excrescente que se espalha e que afugenta a alegria, exalada pelo Messias do mal. 

No Rio de Janeiro, surdos, repiques e tamborins silenciados, no sambódromo sem Escolas e sem o esplendor vermelho e branco do Salgueiro. 

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Em Salvador, o canto afro do Ilê Aiyê, o batuque estilizado do Olodum e o frevo eletrificado dos trios, emudecidos e sem banho de cheiro no ar. 

Em Pernambuco, terra do frevo e do maracatu, não se ouvirá a chamada frevística dos metais estridentes, nem o ribombar das alfaias ancestrais, no toque do baque virado libertário do povo negro. 

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Nos canaviais e nas matas pernambucanas, o caboclo de lança de flor na boca não dançará e o mestre do maracatu rural não dirá loas à Jurema Sagrada. 

No Recife das revoluções históricas e das lutas emancipacionistas, o imponente Clube de Máscara Galo da Madrugada, não reunirá um milhão de pessoas na celebração do carnaval. 

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As ruas vazias, sem adereços coloridos, sem passistas de sombrinha na mão, sem casas enfeitadas de alegria, sem fantasias dependuradas no Mercado da Ribeira, sem o alarido contagiante da folia momesca, sem os pregões dos barraqueiros da Praça da Preguiça e das tapioqueiras do Alto da Sé, denunciam pelos Quatro Cantos de Olinda, que neste ano da triste era da obscuridade política e sanitária, não haverá carnaval. 

O cordão da saideira, do compositor quase pernambucano Edu Lobo, lembra nos versos da canção “que hoje não tem frevo, tem gente que passa com medo e na praça ninguém prá cantar”. 

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Não aparecerá o casal folião, regado a cerveja, perambulando Sem Rumo e Sem Direção, a procura da Última Troça. 

Não se verá o fanfarrão pilhérico dizendo Tá’ Qui Pr’Ocês, porque Eu Acho É Pouco. 

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Enquanto isso na Sala de Justiça, improváveis super-heróis não farão a felicidade da criançada, nem a crítica bem-humorada aos poderes vigentes. 

Na Rua de São Bento, os palhaços batendo castanholas não dançarão ao luar, debaixo da chuva de confete e serpentina. 

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No Largo do Varadouro, os foliões debochados e suas fantasias hilariantes – o morto carregando o vivo e o homem frevando com a boneca de pano - não serão vistos. 

Não terá o brinde amigável de cachaça com Caranguejo no Caçuá, no Bar de Gel, na Praça João Lapa, à espera da Troça Ceroula de Olinda. 

O Homem da Meia Noite, calunga gigante de fraque e colete, ser encantado da mitologia carnavalesca olindense, passeará virtualmente pelas ruas da memória e pelo becos da recordação, sem a enorme multidão reverente a lhe acompanhar e o encontro com a Mulher do Dia e o Menino da Tarde, também não acontecerá. 

Não terá o acorda povo da centenária Troça Cariri, às 5 horas da manhã no Alto do Guadalupe, nem o desfile dos Clubes Lenhadores e Vassourinhas, endoidecendo o Largo do Amparo, com o frevo rasgado de suas potentes orquestras. 

Não terá o bate-bate com doce da magistral Pitombeira dos 4 Cantos, a maior Troça de Olinda, berço de feitos republicanos e do primeiro grito de independência do Brasil. 

O Elefante não exaltará suas tradições, entoando o seu famoso hino pelas ladeiras da cidade. 

O Bloco da Saudade não exibirá o seu bonito flabelo e não cantará as glórias e as reminiscências do passado no momento presente, como dito nos versos de Edgard Moraes: “A dor de uma saudade vive sempre em meu coração, ao relembrar alguém que partiu deixando a recordação, nunca mais hão de voltar os tempos felizes que passei em outros carnavais”. 

Os foliões das novas gerações, não desfrutarão dos animados arrastões do Boi Frevado da Macuca, de Rudá e da juventude dourada, “fazendo o que os seus avós fizeram em tempos passados, ao som do frevo bem quente, o passo sem preconceito”, como disse Capiba. 

O mês de fevereiro chegou, mas não trouxe consigo a desejada folia carnavalesca. 

Para o pernambucano, Luiz Bandeira que o diga, que “espera um ano e se mete na brincadeira e esquece tudo quando cai no frevo”, é um momento de desgosto e desapontamento existencial. 

Uma janela do tempo se fecha para o tempo doente e outra se abre para a esperança e para a recordação dos felizes carnavais, passados com Edson Cafezinho, Cabela e Chico de Dona Júlia. 

Nas asas da imaginação, junto com Yara, sou transportado para o meio da multidão e sigo o cortejo cantando os versos de Nelson Ferreira “um carnaval a mais que beleza, no entanto, um carnaval a menos que tristeza, vida não foge tão depressa, ainda quero viver muitos carnavais. Sei que um dia deste mundo partirei e não voltarei jamais. Vida, pra frente mais um pouco, dá-me ainda lindos carnavais”. 

Enfim, um carnaval a menos será sempre uma tristeza, superável apenas pela frevolência louca, arrebatadora e indomável de um novo carnaval, que virá sob o signo de peixes e as bênçãos de Momo, em fevereiro e março de 2022. Evoé.

.x.x.x.x.

NOTAS

1 – Maracatu de baque virado, também chamado de maracatu nação e maracatu rural ou de baque solto;

2 – Mercado da Ribeira, Praça da Preguiça, Alto da Sé, Quatro Cantos, Rua de São Bento, Largo do Varadouro, Praça João Lapa, Alto do Guadalupe e Largo do Amparo, são logradouros do sítio histórico de Olinda;

3 – Sem Rumo e Sem Direção, Tá’Qui Pr’Ocês, Eu Acho é Pouco, Boi da Macuca, enquanto isso na Sala de Justiça, são Troças olindenses. Caranguejo no Caçuá, é uma Troça recifense. As agremiações citadas a seguir, são todas de Olinda: Mulher do Dia e Menino da Tarde, são Troças de Boneco. Homem da Meia Noite, Lenhadores e Vassourinhas, são clubes, Pitombeira dos 4 Cantos e Elefante, são Troças especiais;

4 – Última Troça é um frevo de rua de Levino Fereira. Um gigante nesse tipo de composição;

5 – Bate-bate com doce é um trecho da letra do hino da Pitombeira dos 4 Cantos;

6 – Bloco da Saudade é um bloco lírico do Recife;

7 – Edgard Moraes é um dos maiores compositores de frevo de bloco. O trecho citado é da composição A Dor de uma Saudade;

8 – Juventude Dourada é um frevo canção, do grande Lourenço da Fonseca Barbosa ( Capiba );

9 – Luiz Bandeira é outro compositor pernambucano. O trecho citado é da música Quarta-feira Ingrata;

10-Nelson Ferreira, é o maior compositor de Pernambuco, englobando as modalidades frevo de rua, frevo canção e frevo de bloco.

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