Um Congresso que não se emenda! Mas há muito mais!
País afundado em privilégios: enquanto o povo amarga salários miseráveis, Congresso, militares e Judiciário seguem esbanjando recursos públicos impunemente
No dia 18 de junho passado, o UOL divulgou matéria redigida pelas jornalistas Leticia Casado, Julia Affonso e Carolina Nogueira sobre o Congresso Nacional, como parte da série “Brasil dos Privilégios”.
Lendo o texto, ocorreu-me pesquisar e fazer um pequeno resumo sobre o parlamento da Suécia, que está entre os países com maior PIB per capita da União Europeia, país em que vivo parte do ano, a cada ano, há 15 anos.
No início do mandato, os 349 deputados e o presidente do parlamento recebem um cartão anual para usar o transporte público. Os deputados que possuem base eleitoral fora da capital e precisam trabalhar no parlamento fazem jus a uma diária de 110 coroas suecas.
O salário bruto de um deputado na Suécia é de 66 mil coroas suecas, o equivalente hoje a R$ 37.725,60, segundo o Conversor de Moedas do Banco Central. Descontados os impostos, o salário líquido passa a ser de aproximadamente 22.864 coroas, pouco mais de R$ 13 mil.
Somente os parlamentares com base eleitoral fora da capital, que não possuem imóvel próprio, têm direito a viver nos apartamentos, que têm, em média, 45 metros quadrados, ou nas quitinetes de apenas 16 m². Nestes imóveis há uma mesa, um sofá-cama, uma minicopa com fogão e frigobar, um pequeno armário e um banheiro.
Nos prédios de apartamentos funcionais, os deputados precisam marcar hora para lavar suas roupas nas lavanderias comunitárias. A exemplo da imensa maioria das famílias suecas, são os próprios parlamentares que devem cozinhar e cuidar da limpeza.
Nenhum parlamentar possui secretária particular ou pode contratar assessores. Cada partido recebe uma verba para contratar um grupo de assistentes e assessores, e esses funcionários atendem coletivamente a todos os deputados da sigla.
A Suécia foi o primeiro país a instituir, em 1776, uma lei de transparência que permite que todos os registros políticos de parlamentares possam ser acessados por qualquer cidadão, excluindo-se dados médicos. Isso inclui e-mails, correspondências oficiais e até mesmo a declaração de Imposto de Renda (IR).
Aqui, emendas parlamentares são propostas de alteração a projetos de lei ou outras propostas em discussão no parlamento. Os parlamentares não podem aumentar seus próprios salários.
Se os deputados não têm direito a carro, o primeiro-ministro é o único a ter direito a carro permanente, sendo que seus ministros podem requisitar veículos "quando têm fortes razões para precisar de um", segundo um assessor do governo, "por exemplo, quando vão fazer um discurso em um subúrbio distante".
Quarenta e oito por cento do parlamento são mulheres, e não é incomum encontrar o primeiro-ministro em aeroportos, sem séquito, trabalhando em seu laptop enquanto espera o voo.
Imunidade parlamentar é um conceito que não existe na Suécia.
O conteúdo do artigo do UOL, comparado ou não ao que existe na Suécia, é um soco no estômago da classe trabalhadora brasileira. Aliás, deveria ser, pois informações dessa natureza e dessa importância ficam sempre restritas a quem minimamente se interessa por esse tipo de debate ou a quem pode assinar o site, sendo talvez inacessíveis a quem sai de casa às 5h da manhã para trabalhar e, quando volta, à noite, mal consegue ouvir — quem dirá analisar — a avalanche de mentiras e de meias-verdades veiculadas em horário nobre pelos superstars da notícia.
Quem rala para ganhar os suados R$ 1.518,00 não tem tempo, ânimo ou interesse para coisas que vão além de tentar o milagre de sustentar a família com esse salário de fome.
“Apenas em 2025, o Congresso vai custar R$ 40,8 milhões por dia — sendo R$ 23,5 milhões para a Câmara funcionar e outros R$ 17,3 milhões para o Senado. São R$ 15 bilhões por ano, somando os dois orçamentos.” (UOL)
Os parlamentares, além do salário de R$ 46 mil, têm direito a carro e gasolina, inclusive de avião; a plano de saúde que lhes permite acesso aos hospitais mais exclusivos do país; a reembolso de despesas médicas; a pagamento de aluguel em Brasília; a passagem de avião; à alimentação no Brasil e no exterior; a assessores em Brasília e nos estados.
Segundo a matéria, os tais reembolsos de saúde somaram 100 milhões de reais nos últimos seis anos. No caso do Senado, fazem jus a essa cobertura — que é vitalícia — não apenas os atuais senadores, mas também 190 ex-senadores e 126 cônjuges.
(Imagine-se uma trabalhadora que há meses — e até há anos — espera por uma cirurgia no sistema público de saúde, tão boicotado pela maioria de tais parlamentares, tendo ciência desse mundo paralelo que é sustentado por gente igual a ela.)
E os gastos vão aumentar com a criação de dezoito novas cadeiras para deputados de sete estados, ao custo inicial de R$ 64,8 milhões. A coisa, vista escrita, preto no branco, no país mais desigual do mundo, é de dar vômito de revolta em pedra.
Não se sabe — espera-se que sim — se o trabalho das jornalistas avançará para informar sobre despesas outras e pouco públicas de parlamentares, como, por exemplo, como vêm sendo usadas as emendas do orçamento secreto por deputados, deputadas, senadoras e senadores.
Orçamento secreto com dinheiro público! Uma piada de péssimo gosto, fruto de histórica impunidade quanto ao mau uso da res publica! Um serviço de utilidade pública urgente seriam matérias informando, por exemplo, quais parlamentares — não importa de que partido sejam — compraram fazendas, casas, apartamentos, carros, aviões y otras cosas más com dinheiro das emendas do orçamento secreto, se o fizeram.
Dessa forma, esta pauta tão importante deveria incluir tornar públicos ainda os privilégios para além dos do Poder Legislativo, como os do Poder Judiciário, do Poder Executivo, os dos militares, os que houver em qualquer poder público.
Seria fundamental que se avançasse nesse tipo de cobrança, pois as almas penadas que povoam o universo obscuro do WhatsApp ou dos templos, sabendo das farras do Congresso, imediatamente chegariam à conclusão de que não precisamos de parlamento ou de democracia, e que o bom mesmo é ditadura.
Em 14 de abril de 2022, o jornal Opção, de Tocantins e Entorno do DF, publicou uma sequência de descobertas sobre gastos públicos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, denunciadas pelo então deputado federal do PSB de Goiás, Elias Vaz, que superariam a casa dos R$ 56 milhões.
Entre os materiais licitados: bisnagas de gel lubrificante íntimo; minoxidil e finasterida — dois dos principais remédios para combater a calvície masculina —; Viagra e prótese peniana, ambos alternativas para casos de impotência e perda de libido. As compras constavam no Portal da Transparência como materiais que seriam usados em procedimentos médicos, mas causaram estranheza por sua destinação a unidades que não tinham relação com hospitais militares ou divisões de saúde das três Forças.
Antes disso, o autor das denúncias já havia apontado o uso de dinheiro público para o Exército comprar leite condensado, filé mignon, picanha, salmão, cerveja, uísque, champanhe, entre outras iguarias que jamais estiveram na mesa da maioria dos brasileiros. Segundo o deputado, na mesma matéria, o Ministério da Defesa, entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022, havia comprado mais de um milhão de quilos de picanha, salmão e filé mignon. Denúncias do tipo “café pequeno”, se formos discutir aposentadorias de viúvas, de filhas de militares, enfim...
Neste mês de julho, o Senado aprovou aumento de 9% nos salários das Forças Armadas — aumento considerado irrisório pelo general Pazuello, aquele ministro da pandemia. O custo do reajuste está estimado em 3 bilhões de reais no primeiro ano e 5,3 bilhões de reais no segundo ano.
Os professores do DF acabaram de sair de uma greve, com 0% de aumento salarial.
Que tal mostrar tudo isso à população? Que tal o povo saber quem vem financiando, também e por exemplo, as idas de pastores, prefeitos, assessores, parlamentares ao Estado de Israel — a nova bizarrice evangélica? As idas de assessores e parlamentares aos Estados Unidos para conspirar contra a soberania do Brasil?
Quem vem pagando a zorra toda? Os professores e professoras, sem os quais não haveria profissão letrada, mas que ganham uma merreca? Os “emperdedores”? Os motoboys que morrem como moscas no trânsito das cidades grandes? A classe média, tão propensa a achar que é rica e que, quando se fala em taxar grandes fortunas, acha que se está falando dela?
Quem? Vamos continuar ignorando as notícias jocosas sobre a capital do Brasil tomada por profissionais do sexo a cada encontro nacional? E os shows pagos a peso de ouro a direitanejos, por prefeitos de municípios que se queixam de falta de verbas para saneamento, saúde e educação? Quando é que a lavagem descarada de dinheiro público será denunciada e punida?
E vereadores de cidades pequenas se concedendo aumentos de salários e coisas do tipo vale-alimentação, como se não pudessem se deslocar até suas casas, nos poucos dias em que têm sessão, para fazer as refeições?
E os privilégios estão por toda parte: em parlamentos estaduais, em câmaras de vereadores — visíveis, escárnio exibido com desenvoltura, sob céu aberto, indiferente à miséria, à pobreza, ao desemprego, aos baixos salários, à terceirização, à uberização, ao povo nos corredores de hospitais, esperando o socorro que não vem.
Para falar em privilégios do Poder Judiciário — na Suécia, juiz vai trabalhar de transporte público, de bicicleta ou em seu próprio carro —, que alguém escreva um grosso livro. Um auxílio-moradia de um juiz, tendo ele moradia ou não, é muitas vezes maior do que o piso salarial do professor, sem o qual não existiria tal juiz.
Quando foi que naturalizamos tanto abuso?
Voltando ao artigo do UOL, passa da hora de nos dedicarmos a trabalhar incansavelmente para eleger parlamentos infinitamente melhores do que esses inimigos do povo, aumentando espetacularmente o número dos parlamentares que hoje enfrentam essa gente em absoluta posição de inferioridade — entra legislatura, sai legislatura, e a coisa só piora — porque o povo assim votou.
Não bastassem os privilégios absurdos, a maioria trabalha contra o povo, contra as mulheres, contra a educação, a saúde, a civilidade, contra o meio ambiente, contra o país, o tempo todo!
É preciso organização e trabalho para superar o voto suicida que elege maioria de gente sempre disposta a usufruir privilégios; que emperra a chegada do Brasil ao século XXI.
Passa do tempo de aprender a não eleger gente sem escrúpulos; sem compostura; sem compromisso com o bem-estar do povo; sem caráter; sem preparo algum para legislar para além dos interesses de quem lhes pagou a campanha eleitoral; sem noção de soberania ou de pertencimento ao Brasil sofrido que lhes sustenta os inaceitáveis privilégios.
Gente sempre pronta a aprovar leis que desprotejam o meio ambiente, porque pode escolher viver em qualquer lugar do mundo quando o Brasil se tornar um deserto com fuligem. Para tal gente, não há a noção de bem comum. Gente que parece, mas não é, alienada de sua condição servil, colonial, subalterna aos seus patrocinadores, que concebe o Brasil apenas como um grande depósito de matéria-prima a ser vendido aos poucos, ao sabor dos interesses do mercado internacional.
Representantes de grupos que minam a vida de seus contemporâneos com os subprodutos da ganância: enchentes, tragédias ambientais, fome, migração, adoecimento, perda de vínculos, entre outras mazelas.
Gente assassina da vida no futuro, ou seja, gente assassina dos próprios descendentes. Estamos nas mãos de dizimadores do porvir, bancados por bilionários hodiernos.
Cuidemo-nos uns aos outros!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

