Um país criado no chicote segue mostrando sua cara
"Mesmo após anos de esforços, o Brasil, fundado na violência, ainda carrega esse traço em sua estrutura, refletindo um passado que persiste no presente"
Tem sido estarrecedor acompanhar o noticiário, desde a deflagração da operação da Polícia Federal, que resultou na prisão de agentes de segurança pública e o indiciamento de mais de 30 pessoas, incluindo o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro e integrantes das Forças Armadas e outras instâncias de segurança pública. Eles são investigados golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de integrar organização criminosa que inclusive planejava o assassinato do presidente da República, do vice-presidente e de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Curiosamente, no caso das prisões, essas pessoas estavam em serviço durante a cúpula de chefes de Estado do G20, que, dias antes, havia recebido o C20, um evento repleto de proposições voltadas para questões econômicas e também sociais.
As prisões e os indiciamentos nos remetem imediatamente ao 8 de janeiro de 2023, quando a Presidência da República, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso foram invadidos e depredados. A operação da da Polícia Federal, ainda que tenha como objetivo investigar sobre o ocorrido nos primeiros dias daquele ano, também nos coloca frente a cinco séculos de história que podem, em alguma medida, ajudar a compreender por que o Brasil do carnaval, do futebol e da hospitalidade ainda não superou suas contradições mais profundas.
Apesar dos esforços realizados ao longo de tantos anos, parece que o chicote que fundou esta nação, controversa, segue estalando. Em outras palavras, um país, como tantos outros, criado na base da violência ainda reflete esse traço em sua estrutura atual.
O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, um sistema que desumanizava sistematicamente a população negra escravizada. Empreendeu campanhas que quase aniquilaram a população indígena e usou o estupro como arma de guerra.
Experimentou regimes autoritários, repressivos e violentos entre 1964 e 1985, que contabilizaram mais de 400 mortos e desaparecidos em todo o território nacional.
Mais recentemente,o Brasil se tornou-se o país que mais mata pessoas trans e promove ações violentas contra a população LGBTQIA+, além de registrar números alarmantes de mortes causadas pela atuação violenta de forças policiais.
Como se não bastasse, agora nos deparamos com agentes de segurança do Estado — aqueles que deveriam proteger os cidadãos, a nação, o território e a soberania nacional — sendo suspeitos de planejar um golpe de Estado e o assassinato do presidente, Luis Inácio Lula da Silva, do vice-presidente, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
O chicote, que por tanto tempo sustentou a monarquia, agora estala no lombo da democracia.
* Rachel Quintiliano é comentarista do Giro das Onze na TV 247, jornalista, escritora e autora do livro "Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

