Um trem fantasma desgovernado ameaça o mundo
'Analistas já preveem desastres antecipados, quer no clima, quer nas relações comerciais, em nome da supremacia do Império"
Durante a II Grande Guerra e em seguida, os norte-americanos se transformaram no povo mais querido do planeta. Não espanta. Haviam tido uma participação importante no conflito e na libertação contra a opressão nazista. Além disso, se destacavam pela figura de um presidente notável. Um líder autêntico, dotado de generosidade e cultura, com uma inclinação no sentido dos oprimidos e suas dificuldades, internas, dentro das fronteiras nacionais, e externamente. Franklin Delano Roosevelt é lembrando, entre muitas outras coisas, por ter recebido Thomas Mann, o genial escritor alemão, na Casa Branca, homenageando-o com uma refeição digna de figuras extraordinárias. O autor de A montanha Mágica, ganhador do Prêmio Nobel em 1933, vinha se refugiar nos Estados Unidos, escapando da perseguição hitlerista a ele e a sua família.
Nada mais contrastante, em relação a ontem, do que o grande império de hoje, com a reeleição de Donald Trump e sua posse repleta de bravatas, como se, acima de tudo, desejasse ameaçar e intimidar. Em torno dele, movimentavam-se milionários, com Elon Musk e sua saudação nazista à frente, tomados pela vaidade e vestindo o manto da arrogância nas suas exibições. Cabe lembrar que dinheiro apenas não engrandece ninguém. Enche a pessoa de ilusões, enquanto o resto da humanidade prossegue em seu caminho, vencendo obstáculos. Por isso, o que era para se constituir numa cerimônia de prestígio, se transformou numa proliferação de equívocos. Tarifas contra o Canadá, os europeus e o restante do universo garantem, na verdade, pouca coisa, além do mero narcisismo maligno, diagnosticado por psiquiatras diante da enfermidade claramente manifestada. Isso e o menosprezo por seus contemporâneos, brasileiros ou não, assegura mal o véu de pânico com que imaginou se sobrepor aos velhos aliados, de norte a sul. Roosevelt, se assistisse a esse espetáculo se dobraria de aflição. Não é o povo que governou com sabedoria e sensatez o que, desta feita, elegeu o Presidente.
Nas hecatombes de iniciativas tomadas no primeiro dia de mandato, por decretos, algumas saltam aos olhos. Escandalizam pela impiedade e a ilegalidade de seus propósitos. No culto a que compareceu na Catedral Anglicana, em Washington DC, não se pôde deixar de anotar o sermão da Bispa, solidária com gays, lésbicas e imigrantes, elevados, de uma hora para outra, à condição de bodes expiatórios. O dissabor do mandatário, ouvindo calado as admoestações, gerou respostas ainda mais estapafúrdias contra a religiosa que somente defendia a ideia de misericórdia.
Mas os desmandos continuam. Um trem fantasma desgovernado ameaça, com seus desvarios, a dignidade do planeta. Analistas já preveem desastres antecipados, quer no clima (ele rompeu com as iniciativas internacionais em favor da natureza), quer nas relações comerciais, em nome da supremacia do Império. No entanto, está às voltas com uma economia decadente e dívidas impagáveis. Ou seja, cedo ou tarde, encarnará a figura do tigre de papel, resfolegante e extenuado. Sua vítima prioritária? O próprio povo norte-americano. É para ter saudade de Roosevelt!
* Ronaldo Lima Lins é escritor e Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

