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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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Uma casa portuguesa, sem certeza

Portugal passou por várias mudanças de governo, de ideologia no poder, de alterações no seu equilíbrio migratório e na estagnação de sua economia, diz Paiva

Uma casa portuguesa (Foto: Miguel Paiva )

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Portugal sempre foi minha segunda casa, junto com a Itália onde morei. Nunca morei em Lisboa, mas frequento o país há muitos anos. Estive em Portugal durante o salazarismo, assisti ao renascimento do país depois da Revolução dos Cravos e testemunhei, perplexo, o crescimento do país depois dos investimentos europeus na entrada de Portugal na zona do euro.

Portugal passou por várias mudanças de governo, de ideologia no poder, de alterações no seu equilíbrio migratório e na estagnação de sua economia. A tendência ao turismo é clara e a ausência de indústrias no país acaba criando outros problemas. A xenofobia cresceu junto com o aumento da imigração. Muitos brasileiros foram viver por lá. A maioria é gente de dinheiro que aproveitava as facilidades para quem decidia investir no país. Ultimamente muita gente optou por viver na terrinha fugindo da extrema direita por aqui. Afinal Portugal tinha um governo socialista. Tinha, eu disse. Duvido que agora volte a ter.

Os ventos da direita sopram livremente na Europa. Ventos que a democracia, que eles tanto querem destruir, facilita a entrada. A direita que votou domingo em Portugal é a que não quer imigrantes no país, ignorando que são os imigrantes que fazem o serviço que os portugueses não querem mais fazer. Muitos brasileiros, por exemplo, trabalham em obras, na limpeza pública, nos serviços de aplicativos. São excelentes trabalhadores que foram para lá em busca de segurança no emprego. Agora o que farão? Preocupo-me por essa gente à deriva no mundo sem saber onde aportar. Hoje temos uma geopolítica que expulsa as pessoas da sua própria terra enquanto deveria ser o contrário. Portugal não quer emigrantes, muito menos brasileiros. Os de direita, talvez. Os países se aproveitam dessa demonização da política e dessa ascensão das igrejas neopentecostais para se firmar. O momento é de alienação. Vi que um brasileiro negro, de direita, foi eleito deputado em Portugal.

Claro que a maioria dos brasileiros que visitam o país nem perceberão a mudança. Lisboa continuará a atrair turismo, o Porto continuará a ser exemplo de cidade cosmopolita e o interior de Portugal seguirá como um dos mais belos do mundo. Mas isso tudo melhorou muito, virou um lugar seguro e procurado por conta também de um governo de esquerda que soube manter a tradições democráticas por lá.

A classe média é parecida no mundo todo e quer sossego. Tudo que garantir o estado das coisas e evitar grandes mudanças será bem vindo. Esse é o panorama que assolou a Itália, que agora ameaça Portugal. Eles atacam a corrupção, mas a economia importa pouco. Uma economia que dá certo acaba favorecendo a população e isso eles não querem. Querem as medidas comportamentais, querem que o povo se comporte, não crie caso, ore e fique em casa vendo TV ou olhando para o celular e acreditando em todas as fake news que recebem. Esse é o povo que interessa à direita e em Portugal isso pode acontecer. A ameaça vem desse adormecimento geral e não de tanques na rua. Apesar de que, em certos países, isso possa ser uma solução. Que pena que vivemos estes tempos. Em 1968 achava que o mundo poderia mudar. Ainda acho, mas está ficando cada dia mais difícil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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