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Armando Boito

Armando Boito é professor titular de Ciência Política da Unicamp e autor, entre outros livros, de Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT

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Uma conjuntura ameaçadora

"O STF tem sido muito suscetível à pressão dos militares, um estamento profundamente autoritário", escreve o professor de Ciência Política da Unicamp Armando Boito

Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Por Armando Boito

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Há conexões e comparações a serem feitas entre os acontecimentos dos Estados Unidos e a conjuntura brasileira. Diria que, tanto num caso como no outro, a conjuntura é muito crítica e até ameaçadora. No Brasil e nos Estados Unidos temos duas das maiores lideranças da extrema direita contemporânea. Em minha opinião, ambas devem ser caracterizadas como neofascistas.

O que nós vimos lá foi sim – na minha avaliação – uma ofensiva golpista do presidente Donald Trump. Muitos dizem que não, que ninguém pode dar um golpe de Estado com algumas centenas de aloprados ocupando a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Acontece que não podemos separar esse episódio final do processo em seu conjunto.

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Cabe então lembrar que Donald Trump vem, desde antes das eleições, criticando sistematicamente o processo eleitoral, procurando desacreditá-lo. Após as apurações, ele não aceitou o resultado. Entrou com dezenas de ações judiciais para anular as apurações e próprio processo eleitoral.

Adotou uma série de outras iniciativas e, finalmente, fez uma pressão pesada e sistemática sobre o vice-presidente Mike Pence para que este virasse a mesa na sessão que deveria ser confirmar a vitória do Joe Biden. E, por último, ele próprio estimulou os manifestantes que acabaram ocupando o Capitólio. Manifestantes, aliás, que denominou de “cidadãos de bem”, ao manifestar sua solidariedade para com eles. Então tivemos aí uma ofensiva golpista, uma tentativa de perpetuação no poder, a despeito dos resultados eleitorais.

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No caso do Brasil, alguns acontecimentos recentes são preocupantes. Em junho de 2020 a direita tradicional havia, por intermédio de pressões do STF, do TSE e do Congresso Nacional brecado uma ofensiva política autoritária de Bolsonaro e de seus apoiadores. Mas desde dezembro, Jair Bolsonaro mostra-se disposto a retomar a iniciativa. Ele fez uma peregrinação pelos quartéis – comparecendo em cerca de quinze unidades militares – disseminando sua agitação antidemocrática.

Em janeiro, Bolsonaro passou a dar declarações e adotado iniciativas, no mínimo, preocupantes. Suspendeu a compra de vacinas e depois a compra de seringas. Fez a extravagante declaração de que o Brasil estaria falido e que ele não poderia fazer nada e, mais recentemente, editou a Medida Provisória (MP) que, na prática, impede que algum estado inicie o processo de vacinação contra a Covid-19. Essa mesma MP permite que ele requisite, confisque, vacinas e seringas compradas pelos estados.

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Sete estados já providenciaram a compra ou a encomenda de vacinas e seringas. Esses setes estados ficariam impedidos de dar sequência nas medidas de prevenção contra a epidemia. O alvo principal é o estado de São Paulo, que prevê iniciar a vacinação no dia 25 de janeiro. O governo Doria reagiu, entrando com uma ação no STF, prontamente acolhida pelo ministro Ricardo Lewandowski. Está impedido assim o confisco de vacinas e seringas desse estado da Federação.

O Ministério da Saúde, no entanto, se manifestou afirmando que essa MP concede ao governo o poder de impedir que Doria ou outro governador inicie o processo de vacinação. Temos aí um impasse a ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O STF, por sua vez, é muito suscetível às pressões do estamento militar. Lembremo-nos de abril de 2018, quando o então comandante do Exército, General Eduardo Vilas Boas, se manifestou publicamente exigindo que o STF não concedesse o habeas corpus ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Essa decisão foi um fator decisivo para impedir a candidatura de Lula e garantir, portanto, a vitória do Jair M. Bolsonaro.

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Como o STF tem sido muito suscetível à pressão das Forças Armadas, podemos estar presenciando o início de uma escalada. Nesse momento Bolsonaro adota um discurso demagogicamente popular: quer impedir que um ou outro estado (ele está pensando fundamentalmente em São Paulo) tenha o privilégio de ter sua população vacinada antes do conjunto da população brasileira.

Cabe aqui uma ponderação. Muitos pretendem resolver a complexa equação da probabilidade de um golpe de Estado indagando acerca da posição das Forças Armadas. A maioria entende – sem muita informação confiável penso eu – que as Forças Armadas não estariam dispostas a perpetrar um golpe e deduzem daí que, portanto, o golpe não seria viável. Esse raciocínio não é correto. O processo político não emana meramente da intenção dos agentes nele envolvidos. Muitas vezes ele apresenta desfechos que não foram concebidos ou perseguidos por nenhum dos agentes políticos.

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Os militares podem decidir – sem qualquer intenção golpista –pressionar o STF para revogar a decisão do Ministro Lewandovski favorável a Doria. A motivação poderá ser, simplesmente, salvar a imagem do inepto General Pazuello. Tal iniciativa, todavia, pode desencadear um jogo de ações e reações que os leve a ir muito além daquilo que pretendiam inicialmente. O requisito básico eles possuem: são profundamente autoritários.

As duas conjunturas, como disse, são críticas, preocupantes. A conjuntura brasileira sofre, inclusive, o impacto dos acontecimentos nos Estados Unidos. O principal deles Bolsonaro a tomar medidas autoritárias. Suas ações no primeiro semestre de 2020 permitem inferir que, quando ele se sente cercado, tende a tomar medidas autoritárias e, inclusive, medidas para as quais não possui força suficiente. Mesmo que não tenha força e apoios para desferir um golpe de Estado, Bolsonaro pode tentar fazê-lo porque ele já revelou que, quando se sente cercado, pode iniciar ações voluntaristas.

Bolsonaro está se sentindo cercado. Trump foi derrotado nas urnas, a perspectiva de eleição para presidência da Câmara Federal brasileira lhe é muito desfavorável. Por fim, João Dória evidenciou que o Pazuello é um inepto e que o governo Bolsonaro é, na verdade, contrário à vacinação. Isso somado está configurando uma situação cada vez mais complicada para ele. Sentindo-se cercado, ele pode sim partir para medidas aventureiras, mesmo que não disponha de força para tanto.

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