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Alexandre Aragão de Albuquerque

Escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

119 artigos

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Unidade alienada

A julgar pelas suas manifestações e atos em favor da extrema-direita, o cristianismo deles é bem diferente daquele que eu entendo

Ato Fora Bolsonaro (Foto: Oliven Rai/Mídia Ninja)
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Passada uma semana da eleição presidencial, uma das lições importantes retiradas deste penoso processo de resistência aos ataques disparados nesses quatro anos pela extrema-direita no governo federal foi o fato de a vitória do campo democrático haver sido conquistada sem disparar tiro algum contra os adversários. A disputa foi ganha no voto, respeitando plenamente os valores, princípios e regras democráticas. 

Sem respeito ao conjunto de princípios e regras que demarcam uma democracia, cai-se na ditadura, no arbítrio totalitário da força bruta em detrimento do bem comum, como ficou notória por meio da publicização dos atos terroristas anteriores ao pleito, executados pelas granadas de Roberto Jefferson; pelas tentativas inescrupulosas de burlar a eleição, do ministro da Comunicação, Fábio Faria, em sua falsa denúncia sobre veiculações nas rádios; pela criminosa caçada armada pelas alamedas do bairro Jardins perpetrada por Carla Zambelli contra um jornalista eleitor de Lula; na ação de intimidação executada pela Polícia Rodoviária Federal contra eleitores do Nordeste brasileiro. Como também no desespero autoritário dos atos posteriores ao resultado, seja no bloqueio das estradas; nas saudações bandidas nazistas em Santa Catarina; no assassinato de adolescente por bolsonarista; no estrangulamento de uma criança de seis anos por um militar reformado de Minas Gerais.

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Esse clima de ódio e violência ativa da extrema-direita é alimentado nas mídias digitais, ferramenta estratégica desenvolvida pelos teóricos da guerra híbrida (Pentágono estadunidense) para os quais as redes sociais funcionam como o equivalente bélico do que era o terreno físico nas guerras clássicas. A chave mais importante para ganhar uma guerra nos dias de hoje é o ataque à cognição a partir de operações que visam impor reações premeditadas no córtex do alvo (o gado humano). As redes sociais servem perfeitamente para a execução de tal estratégia por conta da análise dos parâmetros (dados algoritmos) e principalmente porque disseminam bombas cognitivas por meio de um padrão de efeito manada ou enxame. (Korybko, Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes, 2018). Como afirmou Steve Bannon – guru da extrema-direita mundial – na Folha de São Paulo (29/10/2018), “se não fosse as mídias sociais, teria sido mil vezes mais difícil para a extrema-direita ascender ao poder”.

Duas exemplificações. Pelo lado evangélico, no dia 27 de setembro, véspera do primeiro turno da eleição, a Igreja Universal usou seu espaço na TV Record, por meio do assim dito bispo Adilson Silva, genro de Edir Macedo, para atacar a esquerda e pedir votos para candidatos da direita afirmando, entre outras coisas, que “a esquerda tinha 1.600 projetos para desestruturar a família brasileira”. Já pelo lado católico, o frade franciscano alemão Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança, no altar de uma missa celebrada na capela matriz, em Guaratinguetá - SP, e transmitida para todo o Brasil pela Rede Vida de Televisão, em 08 de outubro, logo após o resultado do primeiro turno, na homilia afirmou que “para os negócios da Fazenda o mais interessante é o voto na direita”, ou seja, em Bolsonaro.

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Outro espaço de produção de bombas cognitivas no Brasil, em virtude da composição de líderes religiosos com o consórcio golpista de 2016, são os ritos e celebrações nos templos cristãos – evangélicos e católicos – passando a funcionar como espaços de doutrinação e repressão (assédio moral ou espiritual) aos fiéis por meio dos sacerdotes e pastores. Conforme publicação de O Globo, em 03.11, 41% da população católica e 69% da população evangélica votaram na extrema-direita no pleito presidencial, indicando o avanço de concepções cristofascistas, cristocapitalistas e cristoherodianas no celeiro das igrejas cristãs. 

Duas exemplificações. Pelo lado evangélico, no dia 27 de setembro, véspera do primeiro turno da eleição, a Igreja Universal usou seu espaço na TV Record, por meio do assim dito bispo Adilson Silva, genro de Edir Macedo, para atacar a esquerda e pedir votos para candidatos da direita afirmando, entre outras coisas, que “a esquerda tinha 1.600 projetos para desestruturar a família brasileira”. Já pelo lado católico, o frade franciscano alemão Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança, no altar de uma missa celebrada na capela matriz, em Guaratinguetá - SP, e transmitida para todo o Brasil pela Rede Vida de Televisão, em 08 de outubro, logo após o resultado do primeiro turno, na homilia afirmou que “para os negócios da Fazenda o mais interessante é o voto na direita”, ou seja, em Bolsonaro.

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Já tivemos a oportunidade de refletir em mais de uma dezena de vezes, em nossos artigos, sobre a importância do fenômeno religioso na formação da alma humana, consequentemente, na ideologia a guiar pessoas e grupos. Maquiavel, leitura obrigatória por ser sempre atual, já havia constatado, 500 anos atrás, a força do poder simbólico-ideológico quando, em seus “Discursos” e em “O Príncipe”, apontou para aspectos da dominação religiosa na vida dos súditos dos principados. Em seus estudos assinalou que o moralismo e a pregação, presentes nos mandamentos de “não roubar”, “não mentir (levantar falso testemunho)” e “não usar o santo nome de Deus em vão”, teriam validade apenas para a população: todos eram descumpridos por diversos detentores do poder – terreno e eclesiástico – a começar pelos príncipes (cardeais) de então, da Igreja Católica, conforme seus interesses.

Ontem, numa conversação temática sobre religião e extrema-direita, pela internet, alguém me solicitou a externar minha compreensão sobre as contradições presentes no cristianismo no tempo recente no Brasil. Disse ao meu interlocutor tratar-se de uma tarefa bastante complexa, mas mesmo assim diria duas breves palavrinhas.

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Primeiramente, no meu entender, importante retornar aos textos evangélicos e aos estudos no campo da história e da sociologia, nos quais Jesus de Nazaré apresenta-se como uma pessoa séria, autêntica, coerente, na medida que o seu falar e o seu agir apresentavam-se como uma unidade concreta diante do mundo ao seu redor. Ele é a fonte do assim chamado cristianismo. Situava-se no seu mundo real com uma convicção central: a realidade do Reino de Deus por ele visualizada não se tratava de uma promessa futura a realizar-se num tempo escatológico, mas de um fato presente e imanente, dinâmico, de real acesso às pessoas e aos grupos dos empobrecidos camponeses para os quais era dirigida prioritariamente a sua mensagem. Sua missão existencial era apresentar o Reino de Deus e as condições pelas quais far-se-iam necessárias à sua construção entre os humanos.

Em segundo lugar, a situação espacial-temporal-social em que Jesus de Nazaré vivia estava repleta de violência, sob o comando tanto dos reis clientes do Império – os herodianos – como pelo governadores gerais romanos na Judeia. Jesus opôs-se ativamente contra essa violência – opressiva (política e econômica), como repressiva (religiosa) – tanto em seus discursos, como na defesa dos mais vulneráveis do seu tempo. Ele criticou e resistiu consistentemente à ordem política, econômica e religiosa estabelecida de sua sociedade: “Ai de vós!”. E interveio decididamente para mitigar ou desfazer os efeitos da violência institucionalizada, seja em seus atos particulares de perdão e de cura, seja ao abrir a porta do Reino de Deus aos empobrecidos e injustiçados pelo sistema de poder: “Bem-aventurados!”. Portanto, é importante perceber que ele não se alienou das situações de conflito e violência, em busca de uma vida acomodada, de uma unidade alienada na relação com seus próximos. Pelo contrário, entrou ativamente em situações de conflito e violência, opondo-se abertamente ao sistema opressivo de então. 

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Em terceiro lugar, “tomar a cruz” é a pré-condição básica ao seguimento de Jesus, implicando uma compreensão da adesão consciente de seus seguidores diante das adversidades que o compromisso com o seu projeto de mudança dos corações e mentes, bem como das instituições políticas e econômicas acarretava. Tomar a cruz indicava que a oposição (a transformação da situação histórica) que Jesus e seus seguidores ofereciam ao sistema violento e opressor era suficientemente séria a ponto de correrem o risco de serem executados como rebeldes (morte de cruz).

Por fim, a crucificação de Jesus de Nazaré não foi um erro, nem aconteceu por acaso. As acusações levantadas contra ele eram verdadeiras. Jesus tinha de fato, durante os três anos de sua missão pública, desenvolvido a conscientização do povo das aldeias por onde andou. O rei cliente Herodes Antipas estava comprovadamente hostil a Jesus, por causa do efeito ameaçador da sua mensagem pedagógica indicando a comunhão socioeconômica local entre os filhos de Israel como caminho de transformação social: “Dai vós mesmos de comer!”. Do ponto de vista da aristocracia leiga e religiosa governante, Jesus era um líder popular perigoso, engajado num projeto de organização social ameaçador da ordem estabelecida. A convicção de Jesus de que o Reino de Deus já se fazia presente, significava um conflito direto com o domínio imperial romano e sumo-sacerdotal judaico. Ele tinha presente que as relações sociais podem ser transformadas. O Reino de Deus tem a ver com pessoas e com povos, significando a integralidade da vida, a partir de relações mais igualitárias e fraternas. E a renovação do povo implicava necessariamente a transformação da estrutura político-econômica, fundamental para uma vivência digna dos camponeses oprimidos do seu tempo. 

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Assim, eu não saberia dizer se os líderes dessas organizações cristãs modernas, como os citados acima, comungam desta visão política cristã por mim apresentada. A julgar pelas suas manifestações e atos em favor da extrema-direita, o cristianismo deles é bem diferente daquele que eu entendo.

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