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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Vale do Silício tem banquete na Casa Branca, Gaza tem fome de pão e de esperança

Enquanto bilionários brindam à inteligência artificial na Casa Branca, milhões lutam pela sobrevivência em Gaza e no mundo

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante visita ao prédio do Federal Reserve, em Washington, D.C. - 24/07/2025 (Foto: REUTERS/Kent Nishimura)

No coração da Casa Branca, sob o lustre reluzente da Sala de Jantar de Estado, há pouco mais de uma semana, no dia 4 de setembro, Donald Trump orquestrou um espetáculo de poder que entrará para a história da Casa Branca.

Trinta e três gigantes da tecnologia, outrora críticos ferrenhos do magnata, sentaram-se à mesa, não como adversários, mas como súditos em um ritual de submissão disfarçado de jantar. O que era para ser um evento ao ar livre, no idílico Jardim das Rosas, foi confinado pela chuva, mas nem o céu nublado apagou o brilho calculado da noite.

Trump transformou o banquete em um leilão de promessas bilionárias, com a inteligência artificial (IA) como moeda de troca e o futuro dos Estados Unidos como aposta.

À direita de Trump, Mark Zuckerberg, o czar da Meta, sorria constrangido, enquanto Bill Gates, ao lado de Melania, falava à meia voz sobre filantropia. A ausência de Elon Musk, outrora aliado e agora pária, era uma ferida aberta, uma sombra que pairava sobre a mesa farta.

Lá estavam Tim Cook (Apple), Sundar Pichai (Google), Satya Nadella (Microsoft), Sam Altman (OpenAI), Sergey Brin (Google), Safra Catz (Oracle) e David Limp (Amazon), entre outros, todos curvados ante o poder. O que se viu foi um desfile de cifras astronômicas: US$ 1,2 trilhão em compromissos para os EUA, um número que se impunha como trovão de longa duração.

Zuckerberg, com a Meta, prometeu US$ 600 bilhões em IA até 2028, um investimento em data centers e chips que pretende redefinir o futuro. Tim Cook, não menos ambicioso, igualou a aposta, anunciando a repatriação de fábricas da Apple. Pichai, pelo Google, jogou na mesa US$ 250 bilhões, enquanto Nadella, da Microsoft, comprometeu US$ 80 bilhões anuais, além de oferecer o Copilot, sua ferramenta de IA, gratuitamente a universitários.

Bill Gates, alinhado à agenda educacional de Melania, sonha com uma IA que cure HIV e pólio, enquanto Sam Altman, da OpenAI, prometeu capacitar 10 milhões de americanos até 2030, em parceria com o Walmart.

Trump, com seu instinto teatral, batizou a IA de “novo petróleo” e prometeu tarifas para esmagar a concorrência chinesa, enquanto os CEOs, hipnotizados, aplaudiam.

Esses números não são mera retórica. Eles sustentam uma infraestrutura voraz: data centers que consomem energia de cidades inteiras, GPUs, chips e até grids nucleares, como alertam a Associated Press e o Wall Street Journal.

Durante o dia, Melania comandou um fórum sobre IA, em que Pichai doou US$ 150 milhões em bolsas para jovens, ao lado de Arvind Krishna (IBM) e Hadi Partovi (Code.org). Mas foi a noite que revelou a verdadeira coreografia do poder: CEOs que, após 2020, juraram nunca mais apoiar Trump, agora disputavam sua atenção com elogios ensaiados.

A hipocrisia era palpável. Zuckerberg, que baniu Trump do Facebook em 2021, gaguejou ao microfone: “Não sabia o número que você queria”, enquanto louvava a “liderança forte” do presidente. Cook, Pichai e Nadella entoaram hinos à confiança global na tecnologia americana, e Trump, com um sorriso de predador, retribuiu: “Vocês são gênios liderando uma revolução”.

Para a Wired e o Business Insider, o que se viu foi uma rendição forçada: Zuckerberg busca redenção, Gates veste a máscara da filantropia e Nadella tenta brilhar em um palco lotado. Safra Catz, da Oracle, exultou: “Você libertou a inovação”. Melania, com precisão cirúrgica, decretou: “Os robôs estão aqui”. Trump, não resistindo à provocação, cutucou a Índia, lar de Pichai e Nadella.

Mas o elefante na sala era Elon Musk. Ausente, o dono da Tesla e do X tornou-se o espinho no calcanhar de Trump. Em 2023, Musk, furioso com Biden por exaltar a GM nos veículos elétricos (26 mil contra 300 mil da Tesla), doou milhões e comprou o X para combater os democratas. Agora, em 2025, ele ataca Trump, chamando o déficit de US$ 3,8 trilhões de “abominação” em posts incendiários no X.

A Casa Branca, em retaliação, nega tê-lo convidado, ignorando seu “representante”. JD Vance, senador e aliado de Trump, implora: “Volte, Musk!”. O establishment não perdoa rebeldes, e Musk, obcecado por eficiência, isola-se em sua cruzada.

Enquanto isso, sombras crescem no horizonte. O Wall Street Journal alerta para uma bolha de IA, inflada por trilhões em busca de desregulação. O senador Josh Hawley critica a IA descontrolada, mirando a Meta e o ChatGPT. Alex Jones, em seu estilo apocalíptico, berra: “A legião do mal cerca Trump”.

A ausência de figuras como Andy Jassy (Amazon) e Jensen Huang (NVIDIA) sugere acordos nos bastidores. Musk, por sua vez, trama um contra-ataque: uma nova aquisição ou uma campanha solo? No xadrez do poder, só sobrevive quem se curva – ou quem joga melhor.

Enquanto os bilionários do Vale do Silício brindavam na Casa Branca, moldando o futuro com algoritmos e promessas de prosperidade, o mundo real sangrava.

Em Gaza, 2 milhões de palestinos enfrentam um inferno diário, presos sob bombas que caem como a chuva que cancelou o Jardim das Rosas. Morrem de fome se ficam, e de fome e violência se fogem. Esse contraste é uma bofetada moral: enquanto uns planejam impérios digitais, outros lutam por migalhas de sobrevivência, reduzidos a números em relatórios que ninguém lê.

No opulento salão, onde vinhos caros fluem como as promessas de Trump, ignora-se que 2,1 bilhões de pessoas – um quarto da humanidade – não têm acesso a água potável segura, em 106 países onde a dignidade é uma miragem.

Na Etiópia, na Índia, na Nigéria, milhões bebem veneno diariamente, perpetuando ciclos de doença e miséria. O brinde dos CEOs soa oco diante dessa sede global, um lembrete de que fortunas digitais não saciam a humanidade negada.

Com 123 milhões de deslocados forçados no mundo – 42,7 milhões de refugiados e 304 milhões de migrantes fugindo de guerras, fome e perseguições –, o jantar na Casa Branca é um símbolo cruel de indiferença. Da Síria à Ucrânia, esses exilados arriscam tudo por um pão que não vem, enquanto as elites planejam um futuro que os exclui.

No fim, todos – dos salões dourados aos escombros de Gaza – partilhamos o mesmo destino humano: frágeis, interconectados, condenados à empatia ou ao colapso coletivo.

Uns mais humanos, outros menos. Muito menos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.