Vamos olhar além dos números na COP30: o futuro é a adaptação
É hora de os países do Sul Global se apoiarem mutuamente – e não em promessas vazias
Por muitos anos, cientistas do clima e formuladores de políticas concentraram quase toda a atenção em uma única variável: as emissões. Monitorar carbono é, sem dúvida, essencial para a governança climática. Com metodologias sofisticadas e modelagens avançadas, conseguimos quantificar o desempenho de países, setores e indústrias com precisão decimal.
Essas métricas também pautam manchetes mundo afora. As negociações climáticas costumam girar em torno do quanto os países prometem cortar – ou de quão pouco acabam entregando. Mas, dez anos depois do Acordo de Paris, a contabilidade meticulosa do carbono não nos impediu de colidir de frente com a realidade climática: tufões mais intensos, secas mais severas, invernos mais rigorosos e verões abrasadores já estão redesenhando – e, em alguns casos, apagando – vidas inteiras.
É hora de admitir: números sobre emissões contam apenas uma parte da história.
A estratégia de adaptação da China
Na COP30, em Belém, a China apresentou formalmente sua nova meta nacional de adaptação. Segundo análise do World Resources Institute, o mais recente NDC chinês inclui, pela primeira vez, o compromisso de “construir uma sociedade adaptada ao clima até 2035”. Não é retórica: o país já está testando 39 cidades adaptativas e consolidando um sistema de governança em três níveis – nacional, provincial e local.
Chongqing é um exemplo claro. Alvo frequente de ondas de calor, secas, incêndios florestais e enchentes, a cidade do sudoeste chinês está expandindo rapidamente seus sistemas de monitoramento climático para fortalecer alertas precoces de eventos extremos. Investe também na restauração de florestas e áreas úmidas – em 2022, sua cobertura florestal atingiu 55%, quase 10 pontos percentuais a mais do que em 2015. A infraestrutura hídrica está sendo modernizada, sistemas de “cidades-esponja” estão se multiplicando, e a adaptação passou a orientar planejamento urbano, agricultura, energia e transporte.
Outro caso é o de Jinhua, na província de Zhejiang. Para garantir um turismo seguro e adaptado às condições climáticas no Monte Jinhua, o departamento meteorológico local construiu uma rede densa de estações automáticas capazes de captar as nuances do microclima. Hoje, produz índices específicos para camping, resfriamento, cobertura de nuvens e condições de escalada – uma demonstração de como dados hiperlocalizados podem apoiar turismo, lazer e gestão de riscos.
No centro de tudo isso está a essência da adaptação: sistemas inteligentes e locais que protegem vidas e mantêm economias funcionando.
Cooperação Sul–Sul: o conhecimento chinês vai além de suas fronteiras
Na COP29, a China reportou ter mobilizado 1,77 trilhão de yuans (cerca de US$ 250 bilhões) desde 2016, por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, para financiar ações de mitigação e adaptação em mais de 40 países em desenvolvimento.
Em 2024, ampliou essa atuação com cooperação Sul–Sul voltada para infraestrutura verde, transporte de baixo carbono e restauração ecológica, combinando financiamentos públicos e investimentos privados.
Em novembro, a Universidade Agrícola de Qingdao e o Instituto Nacional de Pesquisa Agropecuária do Uruguai assinaram um memorando de entendimento para aprofundar pesquisas sobre sistemas de pastagem e criar um laboratório conjunto dedicado ao desenvolvimento de modelos de criação de baixo carbono adaptados aos campos naturais uruguaios.
No início de outubro, saiu da linha de montagem, em Camaçari (Bahia), o 14º milhão de veículos de nova energia da BYD – um marco na industrialização do setor na região. Em março, Quito incorporou 60 trólebus elétricos da Yutong à sua frota de transporte público.
Desde 2023, universidades e empresas chinesas e brasileiras conduzem o programa de Recuperação de Solos Degradados da Amazônia e Proteção da Floresta Tropical. O foco é restaurar áreas agrícolas degradadas e desenvolver modelos sustentáveis para zonas de floresta.
A China também avança em soluções de fronteira. A planta de hidrogênio e amônia verde da Envision Energy, em Chifeng (Mongólia Interior) – com capacidade de produzir 320 mil toneladas de amônia verde por ano – marca a transição do país dos projetos-piloto para a implantação comercial em escala.
Em Guangdong, laboratórios experimentam com turbinas eólicas flutuantes gigantes capazes de suportar – e aproveitar – a força dos tufões. Ao mesmo tempo, na Mongólia Interior, engenheiros testam pipas geradoras de energia, projetadas para capturar ventos de alta altitude.
Por que priorizar a adaptação
Esses projetos reais entregam aquilo que metas de emissões, por si só, não podem oferecer: resiliência, segurança humana e proteção imediata. Sistemas de alerta precoce, por exemplo, podem não ser glamorosos, mas salvam vidas quando chuvas extremas atingem uma região. Sistemas de energia solar com baterias mantêm comunidades operando durante falhas na rede, ondas de calor e choques energéticos.
Enquanto isso, promessas de cortes de emissão frequentemente vacilam. Países desenvolvidos seguem prometendo financiamento climático, mas rotineiramente falham ou atrasam sua entrega. Mudanças políticas reduzem ambições. Com grandes potências agora recuando em compromissos climáticos, depender de promessas futuras se torna cada vez mais arriscado.
A constatação necessária: não esperar pelos outros
O Sul Global não pode depender de financiamentos incertos ou da volatilidade política do Norte Global. Na COP30, as fissuras na liderança climática mundial estão mais visíveis do que nunca.
É hora de os países do Sul Global se apoiarem mutuamente – e não em promessas vazias. A experiência chinesa oferece lições importantes: investir em infraestrutura resiliente, compartilhar tecnologias verdes, fortalecer capacidades locais e priorizar soluções práticas em vez de metas distantes de neutralidade de carbono.
Se a governança climática global continuar priorizando a contabilidade de emissões em detrimento da resiliência, corre o risco de abandonar justamente as populações mais expostas aos impactos climáticos. O planeta não precisa apenas de menos moléculas de carbono – precisa de comunidades mais fortes.
Neste momento decisivo da COP30, o Sul Global deveria inspirar-se no caminho chinês: apostar na adaptação, escalar a inovação local e intensificar a cooperação Sul–Sul. Quando a mudança climática se manifesta, o que realmente importa não é quanto CO₂ você deixou de emitir, mas o quanto estava preparado para sobreviver.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

