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Marcela Canéro

Jornalista formada pela FACHA, com Especialização em Movimentos Sociais pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ. Áreas de atuação: Cultura, Políticas Públicas e Direitos Humanos.

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“Vão esperar ele me matar para fazer algo”

Violência contra a mulher (Foto: Agência Brasil)

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Esses dias estive na Delegacia da Mulher de Niterói. Em pouco menos de uma hora de espera, duas histórias ao meu redor me chocaram, não somente pelo desespero das vítimas, mas pela ausência de amparo efetivo. Este  texto não é sobre um governador, ou prefeito, presidente, parlamentares, menos ainda sobre gestores. É sobre a falta de escuta da vítima, sobre as limitações das ações de segurança voltadas às mulheres e as escassas políticas públicas que, de fato, sejam capazes de salvar vidas. 

Primeiro ponto de atenção: na Delegacia da Mulher, quase não havia mulheres para o atendimento. Pergunto: uma vítima de estupro seria recebida para narrar os fatos a um homem? É muito importante respeitar esse momento delicado e repensar a forma de acolhimento, levar em conta o estado psicológico da mulher, ao ter que falar a um homem sobre o crime dessa natureza. Só nós, mulheres, sabemos como é difícil esse processo. A Delegacia da Mulher precisa ter mulheres para ouvir mulheres.

No primeiro caso que involuntariamente ouvi  - sim, porque o atendimento estava sendo feito em público -, a vítima já tinha medida protetiva assegurada pela Lei Maria da Penha, mas estava sendo constantemente ameaçada por pessoas ligadas ao ex-companheiro. Mesmo com fotos, prints e áudios comprovando a ligação desses terceiros envolvidos com o também agressor, ela não pôde registrar a quebra da medida protetiva. O argumento foi que “as ameaças não foram feitas pelo autor em questão, que está sob medida restritiva. Logo, ele não fez nada”. Encaminhada para registro de ameaça - sem vínculo com o ex-companheiro -, a vítima, aos prantos, disse: “Vocês vão esperar ele me matar para fazer algo”. 

A frase ecoa na minha cabeça há dias. Quantas mulheres estão com a mesma sensação (espero que não seja a certeza), de que vão morrer, sem nenhuma proteção? Quantas de nós acordam com medo de virar estatística de feminicídio? Essas são as perguntas que governadores, prefeitos, parlamentares, presidente, gestores deveriam fazer todos os dias ao acordarem. A insônia gerada por esse temor constante  precisa acordar também quem tem o poder de decisão e de mudar as coisas. 

No outro caso que testemunhei, uma mãe foi esfaqueada e estrangulada pelo filho adolescente. A partir do que foi relatado durante a conversa, havia menos ainda a ser feito para ajudá-la. Não há medida protetiva para ela, porque o agressor é menor e é seu filho.   Ela fez o registro e retornou para casa, onde o menor estava. Antes, entre um gole e outro de água, na tentativa de se acalmar, dizia: “Vão esperar ele me matar para fazer algo”. Mais uma. A mesma frase, o medo, a angústia e a solidão. Ela saiu de lá e foi trabalhar. Como uma mulher que acaba de ser agredida brutalmente vai trabalhar? Eu me perguntei e rapidamente me respondi: ele vai trabalhar para pôr a comida na mesa do filho, porque, se  não fizer isso, vai presa por negligência e abandono de menor. 

Tampouco me importa o pouco que sei hoje sobre Direito. Pode ser que existam outros caminhos, ações e medidas. O que trago para este texto é a reflexão sobre como alguém sobrevive em um mundo que não atende aos pedidos desesperados de proteção à vida? No Brasil, uma mulher foi assassinada a cada seis horas (feminicídio) em 2022, segundo o Monitor da Violência, do portal G1 e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP). Uma mulher a cada seis horas. Essas duas mulheres que clamavam por socorro ao meu lado, na delegacia, tantas horas depois, já podem ter morrido. Eu como mulher, mãe, cidadã, me desespero. 

E desse desespero, trago um apelo.  Não podemos esperar mulheres morrerem para fazer algo. É urgente, tem que ser prioridade os programas de proteção e de ações contínuas de combate à violência contra a mulheres terem investimentos e serem fortemente acompanhados pelo poder público. Não é só usar lilás em maio e distribuir flores. É necessária uma estratégia assertiva de combate e enfrentamento a todas as violências contra as mulheres. Enquanto escrevia este artigo, uma de nós pode ter morrido. E essa responsabilidade, todos que se calam vão carregar. Até quando o Estado vai deixar as mulheres na mira da morte?

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