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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Versão Trump da Doutrina Monroe mostra que o imperialismo americano quer sobreviver

A “democracia” americana preserva sua essência medieval

O presidente dos EUA, Donald Trump - 03/12/2025 (Foto: REUTERS/Brian Snyder)

Noticia-se com bastante comedimento a nova diretiva da política internacional dos Estados Unidos, que se volta à América Latina como freio de arrumação para posterior superação da influência chinesa e recuperação da hoje relativa predominância global americana. Por tudo que tal estratégia significa, a única palavra que pode descrevê-la ainda é “imperialismo”, este movido por um sentimento de superioridade sobre as demais nações que autorizaria intromissões, invasões e saques.

A História da América Latina é repleta de interferências americanas. Do Brasil nem se fale, vítimas que fomos de 21 anos de uma ditadura assegurada pelos Estados Unidos desde o golpe que a deflagrou. Por que eles deduziram que desejávamos importar seu modelo fajuto de democracia, em que campeia a desigualdade social?

Não se sabe no que vai dar a versão Trump da Doutrina Monroe, mas a primeira versão, de 1823, gerou o chamado Destino Manifesto, em 1845, síntese de uma ideologia expansionista justificada por uma imaginária superioridade moral e política dos Estados Unidos.

A primeira consequência dessa fantasia ideológica foi a Guerra Hispano-Americana (1898), em que Estados Unidos derrotaram a Espanha e passaram a controlar Cuba, Porto Rico e Filipinas, consagrando-se pela primeira vez como potência imperial formal. No contexto pós-conflito, pela Emenda Platt, que vigorou de 1901 a 1934, Cuba tornava-se um protetorado de fato cuja Constituição fora imposta pelos americanos. Surgia a base de Guantánamo, palco de horrores existente até hoje.

Os Estados Unidos ocuparam militarmente a Nicarágua, de 1912 a1933; o Haiti, de 1915 a 1934; e a República Dominicana, 1916 a1924 – nesse país, nova intervenção ocorreria em 1965 –, controlando suas alfândegas, forças armadas e finanças. A United Fruit Company, nessa mesma época, exerceu forte influência sobre Guatemala, Honduras, Costa Rica e Colômbia, que adquiram a alcunha de “repúblicas bananeiras”. A política do Big Stick autorizava intervenções armadas ou financeiras para garantir pagamento de dívidas e acesso a mercados. Bancos e empresas americanas atuavam acima da soberania nacional de países latino-americanos.

No contexto da Guerra Fria, foram organizados ou apoiados pelos Estados Unidos golpes de Estado na Guatemala (1954), no Brasil (1964), no Chile (1963), na Bolívia (1971), no Uruguai (1973) e na Argentina (1976). A Operação Condor, nos anos 1970, ação multinacional para sequestros, torturas e assassinatos de opositores dos regimes ditatoriais, contou com apoio dos Estados Unidos, notadamente por intermédio da CIA.

O encerramento oficial da Guerra Fria, contudo, não pôs fim ao imperialismo americano na América Latina. Em 1989, os Estados Unidos invadiram o Panamá para capturar Manuel Noriega. Em 2004, eles apoiaram a deposição do presidente do Haiti Jean-Bertrand Aristide.  Já o affair americano com a Venezuela, que ganha novo capítulo agora, começou em 2002, quando do golpe fracasso contra Hugo Chávez.

A única justificativa não-fantasiosa para uma Doutrina Monroe trumpista, na terceira década do século XXI, é a persistência de um imperialismo travestido de política internacional construtiva. A “democracia” americana preserva sua essência medieval.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.