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      Lelê Teles

      Jornalista, publicitário e roteirista

      396 artigos

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      Violência na escola, o recorte midiático

      A agressão sofrida pela professora foge a qualquer tipo de medida de segurança, o adolescente tem histórico de violência, já foi punido pelo estado, tem passagem; mas não lhe podiam negar o direito à escola

      depois de me lambuzar com um picolé de graviola, deite-me na areia da praia de Atalaia - sem canga porque não sou de frescuras - deixando o sol me fustigar à vontade.

      uma jornalista conhecida passou, perguntou se podia se sentar, sentou-se, abriu o guarda-sol que trazia a tiracolo, sacou um celular, ligou o dispositivo de gravação de voz e me fez uma breve entrevista.

      queria saber a minha opinião sobre o caso do garoto que espancou a professora em uma escola em Aracaju, provocando-lhe traumatismos físicos e traumas psicológicos.

      lembro de ter visto a professora na TV, com a cabeça enfaixada, o rosto inchado e desfigurado, dizendo ter recebido golpes de caneta no pescoço.

      quase morreu, um horror.

      o problema da jornalista foi o exórdio. ela começou perguntando por que o estado não fez nada para defender essa professora.

      com mil diabos, eu respondi, aonde a senhora quer chegar com isso?

      pelo que vi na TV, o agressor atacou a professora dentro da direção da escola, no ato em que seria advertido por ter soltado uma bombinha de São João dentro do banheiro.

      a senhorita queria que o governador, o secretário de segurança, o secretário de educação, os pais do menino, o bedel da escola e todo aparato de segurança possível estivesse de prontidão na sala da direção, prontos para agir, esperando apenas que o jovem agressor levantasse a mão?

      sei que você é uma moça religiosa. deve estar contaminada por aquela pegadinha de Deus com Abraão, quando o Senhor pediu para o pai matar o filho.

      Um anjo, esse é o ponto, apareceu do nada e segurou a mão do assassino no ato do golpe fatal.

      o menino ficou vivo e essa história não morre nunca.

      mas estamos na vida real, senhorita. aqui, neste mundo, cobras não falam.

      sentei-me em posição de lótus e fiz a ela um relato pessoal.

      o sol me fustigando, ela à sombra.

      quando eu entrei para a escola, querida, havia em todas as escolas públicas de Brasília um alambrado de pouco mais de metro e meio de altura, apenas para delimitar a área.

      já na quinta série, as escolas passaram a ter muros de alvenaria e porteiros, para impedir que não-alunos entrassem na escola.

      na sétima série, os muros receberam cacos de vidro ou arames farpados, e já tentavam proibir, também, que os alunos saíssem da escola.

      de forma bisonha e atabalhoada, tentavam coibir a evasão e a invasão escolar ao mesmo tempo.

      e nessa de vigiar e punir, a escola deixou de ser um ambiente agradável para educar. é quase uma prisão.

      a sociedade ficou muito violenta do lado de fora dos muros.

      e os alunos, veja que coisa, vivem do lado de fora dos muros escolares, só entram para ter aulas.

      então, mesmo com muros e porteiros, a violência entrou. porque ela está dentro dos indivíduos.

      por isso, as escolas agora estão a adotar novos critérios de segurança, que são a conversa com pais, professores e alunos sobre o tipo de escola e sociedade que queremos.

      a agressão sofrida pela professora foge a qualquer tipo de medida de segurança, o adolescente tem histórico de violência, já foi punido pelo estado, tem passagem; mas não lhe podiam negar o direito à escola.

      ele agiu impulsivamente e com brutalidade, o que deixou a agredida atônita e sem condição de defesa.

      vi na mesma matéria da TV que a secretaria de educação do estado ofereceu tratamento psicológico para a educadora e tomou todas as medidas para que ela tivesse um bom tratamento de saúde.

      o que mais se podia fazer?

      quando Deus mandou um anjo segurar a mão de Abraão, com o cutelo já no pescoço do menino Isaque, Ele sabia o que Abraão iria fazer, nem Deus, pego de surpresa, teria tempo de agir.

      a violência, que teve como consequência a brutal agressão à professora, tem como causa a rua. veio de fora do muro, talvez de dentro de casa.

      educar é um processo compartilhado.

      a escola que a gente imagina hoje, é a escola da minha infância, sem muros.

      mas a escola de hoje tem uma outra realidade.

      no entanto, o professor só tem formação para educar, e é bom que se saiba, vigiar e punir não é um papel da escola.

      e oh, minha adorável repórter - fui gentil porque ela estava a trabalhar em um sábado de sol - falando em encontrar facilmente um culpado, tenho uma boa ideia pra você: por quê não culpamos São João.

      é para o santo que se fazem festas e se vendem bombinhas.

      se não estivéssemos nos festejos juninos, o menino não teria onde comprar uma bomba para soltar no banheiro da escola.

      disse isso e mais não disse, nem ela me perguntou.

      o sol continuou a me bronzear, deitei de braços e pernas abertas a imitar uma estrela, como o louco visto por Simão Bacamarte.

      ela pôs um sombrero na cabeça e saiu pela praia de calça jeans e tênis.

      no outro dia abri o jornal e a entrevista não foi publicada.

      suspeitei desde o princípio, como diria o mestre gafanhoto.

      não queriam ouvir o que eu tinha a dizer, queriam que eu dissesse o que eles queriam ouvir.

      palavra da salvação.

       

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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