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Virtus in medium est - entre o equilíbrio da bandeja de garçom e a luta de classes

Foi um choque de realidade vivenciar a luta de classes em estado bruto, e se jogando nela como subserviente

Virtus in medium est - entre o equilíbrio da bandeja de garçom e a luta de classes
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Foi um evento para a classe média alta, a formatura de um rapaz que se tornara engenheiro civil.

Evento para 90 convidados, realizado numa cobertura na Cidade Baixa, bairro tradicional em Porto Alegre.

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Chovia a cântaros, e eu fui de moto. Minha casa dista 25 quilômetros do local onde aconteceu o evento.
Cheguei ensopado, aos trancos e barrancos. Porque ninguém teve ainda a ideia de projetar tipo um limpador de parabrisas para óculos?

Moto guardada no estacionamento, (pago por mim) fui me trocar.

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Camisa preta, calça preta, avental preto, sapato social, preto.
A calça eu tinha, aliás risca de giz, de um terno que ganhei dos tempos do sindicato, mas que nunca usei.
As demais peças o organizador do evento me emprestou.
Gentes, eu calço 37 e o sapato era 42, daqueles "de matar barata no canto da parede", o bico vai afinando e termina quadrado.
42. E eu calço 37.
Pois bem, como eu tive a experiência de usar pés de pato, dos meus tempos de caiçara, tive menos dificuldade para caminhar sem chamar tanto a atenção.

Até porque garçom não existe, e tem de ser o mais discreto possível para manter essa dinâmica de mimetismo compulsório.
O garçom, reitero, não existe.
Ele é nada. O garçom é o que ele serve, ele é o que ele faz ou o que pode fazer pelos convidados.

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Minha tarefa foi a de servir água e refrigerante aos convidados.
"Boa noite, sejam bem vindos. Vocês aceitariam algo para beber? Temos espumante, chopp, água mineral com e sem gás, Coca Cola e Guaraná."

As outras tarefas eram manter os copos cheios, recolher os vazios, o lixo das mesas, encher jarras e com elas circular de quando em vez, sendo "de quando em vez" a cada 2 minutos.
É impressionante a sede que tem a classe média, dominante.

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O desafio foi, evidente! equilibrar a bandeja. Porque gentes, tu pões um, dois, três, quatro copos na bandeja e vai. Torcendo para não tropeçar com o pé de pato, mas vai.

Mas aí tu chegas na mesa e o convidado tira o copo da bandeja, e o eixo de gravidade do Planeta Terra se altera imediatamente, e a bandeja "bluuuupp", como diria meu bebezinho Fidel.
(Que saudades do meu bebezinho Fidel.)

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E tem também a questão futebolística. Eu nunca joguei futebol na vida, e o único drible que aprendi foi o drible nas dificuldades da vida.
Ora, como driblar os convidados, que passam a ser obstáculos móveis, usando pés de pato e sem nunca ter jogado futebol, nem equilibrado uma bandeja nas mãos?

Aos 15 minutos do primeiro tempo eu já me sentia Sócrates.
Nos dribles com o corpo e a bandeja o jogador, e nos pensamentos que me invadiam a mente, o filósofo.

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Os olhares, de cima para baixo.
Carregados de desprezo, uma soberba inexplicável.

Mas eu estava inabalável.
"Epa peralá muita calma ladrão, cadê o espírito imortal do Capão?
Lave o rosto nas águas sagradas da pia, nada como um dia após outro dia"

Mas nem todos tinham esse olhar, e eu quero acreditar que não tinham.

Teve o tiozão da Coca Cola que, espertamente, fez "amizade" comigo.
O copo dele nunca ficou vazio, e sempre com gelo. Fazia calor, né?
"Mas Dio não tinha ar condicionado lá não?"
Tinha mas o cara era meu amigo, pô.

Teve a moça a quem servi uma Coca Cola em um copo de Coca Cola, oras bolas.
Mas a moça só tomava Coca Cola em taças, daquelas de haste comprida, e eu não sabia, mas fiquei sabendo, e aprendi.

Teve a moça que meteu a mão no meu peito, como que barrando a minha passagem, a quem eu dei meu melhor sorriso, e ela devolveu depositando elegantemente sua taça na bandeja que eu com dificuldades mil equilibrava.
Por coincidência era ela, a moça que só tomava Coca Cola em taças de compridas hastes.

"Eu só registrei né, não era de lá..." cantava eu mentalmente a música do poeta Mano Brown que, assim como eu, carrega na alma o espírito imortal do Capão.

Gentes, conclusão... eu aprendi tanta coisa! Foi um choque de realidade vivenciar a luta de classes em estado bruto, e se jogando nela como subserviente.
A sensação é de oferecer sua dignidade numa bandeja, a cada mesa servida, a cada copo recolhido, a cada pedido de "com licença" solenemente desprezado.
O garçom não existe.

Só meu amigo, o tio da Coca Cola, foi diferente.
Talvez ele tenha sido pobre um dia, ou simplesmente ele é um cara bacana mesmo, por si só, sendo quem é e tendo a posição social que tem.

O que eu sei é que eu gostei dele.
E talvez ele de mim.
Ou da Coca Cola com gelo que nunca lhe faltou.
Vai saber!

*** A virtude está no equilíbrio

Servir é uma arte!
Escrever também.

Eu dedico essa crônica para a guerreira incansável, Marcia Rosa Mendonça. Marcia, receba-o juntamente com toda a admiração e o carinho que sinto por ti.

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