Visita ao inferno
O dia em que Alex Solnik acordou de um sono tranquilo
Quando Alex Solnik acordou, certa manhã, de um sono tranquilo, um estranho bateu à sua porta, pediu que saísse e o prendeu sem motivo, sob a acusação de ser o “hippie da AP”, uma organização guerrilheira que enfrentava, pelas armas, a ditadura militar que se instalara no país 10 anos antes. Começou ali um pesadelo kafkiano que duraria exatamente 45 dias, e cujas marcas perduraram por 51 anos, até o momento em que o autor decidiu escrever este livro.
Em “A metamorfose”, de Franz Kafka, o personagem acorda transformado em “um monstruoso inseto repulsivo” (ungeheueren ungeziefer, no original). Na história real de Alex Solnik, ele é apenas um jovem de 23 anos que estudava cinema na Universidade de São Paulo – USP. O animal monstruoso e repulsivo, no caso, é quem o prendeu, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que durante anos sequestrou, aterrorizou e torturou presos políticos (entre eles a futura presidente da República Dilma Rousseff) ou inocentes acusados de subversão.
Alex Solnik ficou confinado em uma cela onde estava também um preso político aqui identificado apenas por O. R. e que é torturado barbaramente, dia após dia, no segundo andar. Da cela, Alex ouve os gritos desesperados de O.R. e de outros presos submetidos a espancamentos, choques elétricos e todo tipo de barbaridades em cenas que não são vistas, mas apenas ouvidas, e ainda assim de revirar o estômago.
Aquele jovem descontraído que pretendia ser cineasta tornou-se um grande jornalista e demorou meio século para contar sua história. O que temos aqui não é apenas um desabafo, um vômito escrito de um só jato, num texto que intercala horror, tristeza, poesia, reflexões sobre a bestialidade e a fragilidade humanas, o retrato espantado dos torturadores sádicos que, pensa ele, depois do expediente vão para casa e ali beijam carinhosamente suas mulheres e seus filhos. É mais. É um aviso.
Depois de 45 dias na expectativa de chegar sua vez – sua vez de ser torturado, submetido à degradação que ele testemunhava pelos gritos, gemidos, uivos e ruídos de socos e pontapés, eis que o carcereiro chega e apenas diz: “arruma tuas coisas, você vai mudar de hotel”, e ele é jogado na rua sem qualquer explicação, apenas uma frase: “vá em frente, sempre em frente, não olhe para trás”.
Alex Solnik finalmente olhou para trás e contou essa história que nos diz a cada página: não pode mais acontecer. Não podemos permitir que se repita. Em um país e em um mundo em que a extrema direita fascista ameaça voltar com sua violência e desumanidade, este é um livro necessário pelo que conta e pelo que adverte.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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