Viver é perigoso
Ou mudamos o rumo da prosa ou não vamos mais ter prosa, nem verso, nem música para os ouvidos, nem paz, nem inútil paisagem para se contemplar
Andando pelas ruas do Rio de Janeiro, além da paisagem de tirar o fôlego, você vê muitos veículos circulando, carros, ônibus, caminhões, caminhões de caçamba, vans, motos e bicicletas elétricas que aos poucos vão substituindo as tradicionais. É difícil circular pela cidade. As bikes não conseguem andar nas ruas por ameaça constante de atropelamento e nas calçadas não me parece justo com os pedestres. Mas é o que resta. As motos e as bikes não obedecem ao sinal vermelho. Muitos carros também não e avançam no amarelo como se ele quisesse dizer, passar rapidinho que vai fechar.
É uma selva, realmente. Mas também não é para menos. Um país que optou pela indústria automobilística em detrimento das ferrovias, pelo uso do asfalto ao invés dos trilhos e onde o transporte público é tão maltratado normal que tantos automóveis poluam as ruas das cidades. No Rio e em outras cidades do Brasil o abandono é enorme. Prefeitos e governadores só trabalham em obras de impacto que geram ou votos ou dinheiro. Os velhos guardas de trânsito sumiram. Outro dia chamei a atenção de dois PMS que estavam na esquina sobre um carro que tinha acabado de avançar o sinal. Eles olharam pra mim de um jeito que achei melhor seguir viagem. A filosofia atual que foi incrementada nos últimos anos pelo governo Bolsonaro foi a do vale- tudo, do salve-se quem puder e do sou mais eu. Se você reclama corre o risco de apanhar ou morrer.
Isso vem acompanhado de um barulho constante e ensurdecedor estimulado também pela falta de fiscalização. Motos com escapamento aberto (elas alegam que precisam fazer barulho para serem percebidas) kombis aos berros catando ferro-velho ou vendendo camarão cinza e caçambas sendo despejadas nas ruas a qualquer hora sem preocupação. Esta é a Cidade Maravilhosa. O pior é que podia ser muito mais maravilhosa.
Se você parar de olhar para as ruas vai ver também que tem muita gente circulando. Gente demais, gente pra lá e pra cá tentando sobreviver, é claro. O trabalho fixo com a carteira assinada está acabando. Os locais de trabalho, os famosos escritórios estão sumindo. O centro do Rio é uma cidade fantasma, mas as ruas estão cheias. O serviço terceirizado tomou conta e os bicos substituem o trabalho com carteira.
Este é o país que Lula encontrou e que vai tentar melhorar. Enquanto isso o povo circula pelas ruas. Andar de bicicleta entre eles é um risco, como eu disse antes. Além da calçada ser o lugar do pedestre, eles andam olhando para os celulares o tempo todo. Percebi também que ficam nas telas dos joguinhos ou do tik-tok. Se você não gritar, mesmo caminhando, periga atropelar um deles. Os celulares tomaram conta e substituíram os olhares. Ninguém mais olha para ninguém. Seu primeiro olhar é para a tela, o segundo para a frente antes de se chocar com um poste. Não é pra menos. As pessoas ficaram cada dia menos coletivas e mais individualistas. O olhar para o celular significa que você não está olhando para o lado, para o outro. O outro que se dane. Estamos criando uma sociedade egoísta, solitária, motorizada e perigosa.
Ou mudamos o rumo da prosa ou não vamos mais ter prosa, nem verso, nem música para os ouvidos, nem paz, nem inútil paisagem para se contemplar. Para isso é preciso retomar a administração das cidades, dar trabalho para o pessoal, estimular os relacionamentos e a afetividade, eliminar para sempre a ideologia da violência e tentar estabelecer que o melhor caminho para ser feliz é ser feliz, assim, difícil, mas simples como um céu azul.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

