Pedro Benedito Maciel Neto avatar

Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

134 artigos

HOME > blog

Você vê as caravelas?

"E, por falar em incivilidades, quando os assuntos são as mentiras e a polarização rasa da política, o meu bom humor vai a zero, pois a estupidez é vicejante"

Nelson Hossri (Foto: Reprodução/Instagram)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Recebemos alguns amigos no último sábado para um almoço; a Celinha preparou uma “galinhada”, prato que, como me alertou o Vicente Vilella, é típico de São Paulo, do Triângulo Mineiro e de Goiás, com origem nas Bandeiras.

Pontepretanos, bugrinos, uma são-paulina e um santista; católicos, protestantes e um ateu; hegelianos, marxistas e liberais, todos conversaram, sob a luxuosa coordenação etílico-pedagógica do professor Lejeune Mirhan, sem ofensas ou gritos sobre temas pouco polêmicos: política, religião e futebol, ou seja, é possivel viver e conviver com o diferente, basta respeito.

Durante o almoço fui duramente cobrado a “responder” o “injusto” conteúdo do artigo do vereador Nelson Hossri fez publicar no jornal aqui de Campinas, o Correio Popular; um dos amigos me disse “você tem que ‘dar um coro’ redacional no seu amigo bolsonarista”. Pensei: “por que eu?”, não sou filiado ao PT, não tenho procuração do Presidente Lula, portanto, em tese, não teria “lugar de fala”.De fato, gosto do Nelsinho, mas os conteúdos dos seus artigos não têm merecido minha atenção, pois, na minha opinião, ele passou a usar o espaço que o CORREIO lhe concede como um panfleto bolsonarista e para marcar posição em relação ao governo federal, à esquerda, ao PT e ao presidente Lula; ele, como a maioria dos bolsonaristas, não propõe o debate, apenas marca sua posição; contudo, como o vereador faz uma proposta que diz respeito à cidade onde nasci, creio que posso comentar a sua ideia de declarar Lula persona non grata : a proposta não faz qualquer sentido, apenas busca likes e votos em outubro..

Lanço mão do que o professor, e ex-reitor da Universidade de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior disse à deputada bolsonarista Carolina de Toni durante uma CPI, para explicar por que não adiante responder aos bolsonaristas, o que serve para o vereador Nelson Hossri; o Edil, assim como os nativos dos povos originários, não vê as caravelas.

Explico. O professor José Geraldo, citando Octavio Paz - escritor, poeta e ensaista vencedor do Prêmio Nobel -, e a obra “Labirinto da Solidão”, lembrou que quando Cristóvão Colombo desembarcou na ilha, Guanahani, onde atualmente se localiza as Bahamas, os povos originários não viram as caravelas; as caravelas estavam ali fundeadas, mas não havia cognição para poder representar cerebralmente uma imagem que era incompatível com o quadro mental de uma cultura que não tinha elementos para visualizar; a gente só vê o que tem cognição para ver. Os bolsonaristas são, ou canalhas ou imbecis e, obviamente, não adianta conversar com eles, temos que conversar com as pessoas que estão intoxicadas pelas suas mentiras, essa é a tarefa.

Por essas razões não há como discutir com o vereador Nelson Hossri, pelo menos no CORREIO; afinal, a sua cosmovisão só lhe permite enxergar o que ele tem escrito na sua cognição, então ele só vê o que ele recorta da realidade, não a realidade; a sua realidade é recortada por um processo cognitivo de historialização, então é impossível debater com ele, ou mesmo responder o artigo.

Mas me permito três comentários, em homenagem ao debate.

O primeiro: em relação ao PT e ao Lula, minha opinião é amplamente conhecida, já escrevi muito, e de forma substantiva (o leitor pode consultar meu artigo “Esse PT não me serve mais” - https://www.brasil247.com/blog/esse-pt-nao-me-serve-mais , que o CORREIO também publicou).

O segundo comentário: entre a extrema-direita neofascista, hipócrita, teocrática e incivilizada, representada pelo bolsonarismo, e a frente ampla que elegeu Lula e Alckmin, apenas quem não vê as caravelas optou pela barbárie neofascista.

O terceiro: apesar da chuva de bobagens e mentiras que circulam nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais o governo federal pode ser avaliado como “bom” na maioria das áreas; “muito bom” em algumas, com especial destaque para a Economia que com Haddad e Simone Tebet vão bem; há algumas áreas em que o desempenho é, de fato, fraco, como como disse Gilberto Gil “a perfeição é uma meta, defendida pelo goleiro”.

E, por falar em incivilidades, quando os assuntos são as mentiras e a polarização rasa da política, o meu bom humor vai a zero, pois a estupidez é vicejante.

O pessoal da extrema-direita não se cansa de produzir e divulgar toda sorte de mentiras ou versões; buscam desqualificar todas as instituições e poderes, buscam pavimentar o caminho para voltar ao Planalto; não me irrita menos a incompetência dos próceres da esquerda, que se deixam pautar pelas estultices produzidas pelo bolsonarismo, vide o show de horrores que testemunhamos no congresso nacional especialmente nas comissões.

A gritaria histérica de ambos os lados, salvo honradas exceções, apenas agrava a tensão institucional existente e deixa de lado o debate realmente importante. Por exemplo, temos de um lado um Congresso que se porta como o filho mais irresponsável da república, custa 15 bilhões de reais ao ano, além de ser “ordenador de despesas” de outros 50 bilhões de reais ao ano, referente às diversas emendas.

Isso precisa ser discutido, pois essa farra prejudica o planejamento estratégico do Executivo (e essa gente ainda tem coragem de falar em “responsabilidade fiscal” e exigir déficit zero).

Lira e Pacheco portam-se como primeiros-ministros e usurpam funções do Executivo e ameaçam o Judiciário; os dois bolsonaristas inventaram um parlamentarismo maroto, no qual o Executivo não pode desfazer o parlamento, como ocorre em países que têm regime parlamentarista.

Apenas o STF poderia frear os abusos da dupla, mas Lira e Pacheco mantém os ministros da suprema corte sob a ameaça de impeachment, de diminuição de seus poderes; é um movimento de inspiração autoritária, é “PEC pra lá e PEC pra cá”; some-se a isso a forte campanha de desqualificação do Supremo pelas redes sociais.

Nós democratas temos ainda que enfrentar a aliança entre ultraliberais, com os fanáticos das teologias do domínio e da prosperidade e com as viúvas da Escola Superior de Guerra, gente que encontrou em Bolsonaro a voz para suas ideias autoritárias e de destruição da institucionalidade de 1988.

O momento é delicado, não dá para perder tempo com quem não vê as caravelas; precisamos de debate democrático e de líderes que conversem com a sociedade, não de gente gritando no Congresso, na ALESP, nas câmaras de vereadores, nem nas páginas do CORREIO.

Essas são as reflexões.

e.t. além da tradicional mousse de chocolate, paçoquinha e pé-de-moleque (em homenagem às festas juninas) a Celinha fez especialmente para o Mario Orlando um arroz doce português, ela faz com arroz arbóreo, ele um grande fã.Pedro Benedito Maciel Neto, 60. Advogado, pontepretano, pai e avô –autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi, 2007 e “Tensão entre os poderes”, ed. Apparte, 2024, dentre outros – www.macielneto.adv.brpedromaciel@macielneto.adv.br

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: