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Eduardo Suplicy

Eduardo Suplicy é senador (PT/SP)

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Volta às aulas: qual resposta a prefeitura poderia oferecer a pais e professores na reabertura das escolas?

Acho fundamental pedir que todos tenhamos compreensão para os dois lados: os que estão angustiados pela volta às aulas e os que são absolutamente contrários a esta decisão

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Quando eu era ainda menino, todo primeiro dia de aula era dia de frio na barriga, de dormir com a mochila do lado da cama e acordar ansioso por saber como seriam os próximos (e mais incríveis) meses da minha vida. Hoje, lamento que nossas crianças e jovens estejam também ansiosos com o retorno das aulas, não pelos desafios, aprendizados e oportunidades de socialização que encontrarão nas salas e corredores escolares, mas por um futuro incerto e pelo medo de contrair o novo coronavírus que segue, especialmente para os mais pobres, ainda muito presente. Nesta semana, aqui na cidade de São Paulo, foi autorizada a volta para atividades extracurriculares, com 20% dos alunos, por turno, e permanência limitada a duas horas diárias. A decisão de retorno é facultativa e pode ser tomada pelos Conselhos Escolares de cada unidade, compostos por professores, direção, estudantes e famílias.

Segundo o Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo), 80% das escolas particulares da cidade reabriram, o que equivale a cerca de 3,2 mil estabelecimentos. Na rede municipal de ensino, apenas uma das 4 mil unidades educacionais retomou as atividade. A desigualdade social que já incidiu de forma aguda  no acesso ao ensino à distância, prossegue e se aprofunda nessa volta às aulas. 

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Acho fundamental pedir que todos tenhamos compreensão para os dois lados: os que estão angustiados pela volta às aulas e os que são absolutamente contrários a esta decisão. Afinal, esse debate vem sendo construído de forma que nos coloca como responsáveis por fazer escolhas paradoxais: trabalhar e correr risco de contaminar toda a família ou permanecer em casa e correr o risco de perder o emprego? 

Recentemente, vi uma reportagem da BBC News Brasil sobre as mães que perderam seus empregos durante a pandemia, sofrendo um retrocesso de 30 anos da participação feminina no mercado de trabalho. Seja porque foram expressamente demitidas ou porque tiveram que abrir mão de seus empregos para dar conta da jornada com filhos fora das creches e escolas, a pandemia afastou ainda mais as mulheres da oportunidade de garantir sustento para a família e independência financeira. Em meu livro Renda de Cidadania: a saída é pela porta, publicado em 2002, já mencionava que a mulher tem o direito de participar da riqueza da nação, uma vez que é parte fundamental de sua construção.

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Ao mesmo tempo, como conduzir todo o nosso corpo de profissionais da Educação para a volta às aulas sem amparo e sem materiais e recursos que garantam a preservação de cada vida? Como garantir os direitos de bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos, profissionais de educação e de toda a comunidade escolar se especialistas de saúde renomados são quase unânimes em afirmar os riscos de ampliação do contágio e adoecimento com a volta às aulas?

Para responder a essa contradição, destaco a ausência de políticas públicas como o Renda Básica de Cidadania, uma política que certamente reduziria a angústia dos paulistanos que, expostos às contradições do retorno de suas atividades escolares e laborais, precisam, de alguma forma, fazer com que a comida chegue em suas mesas. 

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Na justificativa do PL n° 207/2020, projeto de lei de minha autoria que dispõe sobre a criação do Programa de Renda Básica Emergencial Municipal, em decorrência da pandemia de Covid-19, contextualizo que, “com o impacto da pandemia na vida das pessoas que já estavam em situação de vulnerabilidade, bem como as que possivelmente também estão entrando nessa condição, fica evidente que a resposta da Câmara frente às ações a serem tomadas é a de complementarmos o a renda familiar, para que esta fique mais adequado à realidade da população paulistana”.

E o que isto tem a ver com educação? Tudo. De acordo com o Dieese, a cesta básica na cidade de São Paulo em maio de 2019 era de R$507,07 e comprometia 55,23% do salário mínimo líquido. O valor da cesta em fevereiro deste ano, com aumento de 2,5%, já apresentava um valor de R$519,76. Ainda, de acordo com pesquisas da FIPE, a cidade de São Paulo é a mais cara do país para se viver, com índice de moradia mais de 50% maior que o custo médio do Brasil. E basta retomar A Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, para  relembrar como a miséria e a desigualdade social desnivelam as oportunidades de ampliar saberes e alcançar a liberdade.

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Meu gabinete tem acompanhado as discussões do Comitê Emergencial de Crise da Educação, instalado em 16 de junho de 2020, no âmbito da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal de São Paulo.  Além de mim, os parlamentares que atuam ativamente no Comitê são Eliseu Gabriel, Jair Tatto e Toninho Vespoli. Quatorze entidades também fazem parte. O Comitê Emergencial vem questionando a falta de diálogo da pasta da Educação para construir as melhores formas de lidar com as vulnerabilidades do ensino municipal durante a pandemia. Isso porque, especialmente para os mais pobres, o risco é gritante: de acordo com a pesquisa sorológica entre os alunos da rede municipal de ensino, 64% dos contaminados estão nas classes C e D; entre eles, obviamente, crianças atendidas pela escola pública municipal e pelos nossos profissionais da educação.

Note que não ousaria propor, aqui, a manutenção prolongada do ensino remoto como vem sendo feito. Compreendo a dificuldade de pais e mães que não conseguem estudar junto com os filhos, mesmo com as aulas remotas, porque precisam dar conta da jornada de trabalho, que agora é dupla, tripla, quádrupla…E sabemos que professores, de forma heroica, seguem fazendo o possível e o impossível para manter vínculos com seus alunos, superando as dificuldades do trabalho à distância. Mas é fato que o acesso prejudicado às tecnologias dificulta a aprendizagem e, consequentemente, aumenta as desigualdades sociais.

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A pesquisa TIC Domicílios de 2019 apontava, por exemplo, que, naquela época, 43% dos domicílios urbanos brasileiros e apenas 18% dos rurais tinham computador em casa. Assim, nos deparamos com milhares de casos de alunos sem boa conexão para fazer as aulas e/ou compartilhando um único computador para toda a família - quando há. Pode parecer algo simples, mas bom acesso à internet e um aparelho - seja computador ou celular - ainda é para quem é mais privilegiado e isso deve ser ponto primordial na discussão sobre distribuição de renda e ensino em tempos de pandemia, evitando, assim, a evasão escolar. 

Venho refletindo como o Estado tem atribuído a nós decisões que implicam em renúncias de direitos básicos: se quero educação, devo colocar minha saúde em risco; se quero saúde, talvez deva abrir mão de minha renda; se quero renda, é preciso considerar um ensino prejudicado, e por aí vai. 

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É preciso, sim, pensar a educação com o viés de preservação de vidas, para que o retorno tão aguardado por todos seja seguro e não deixe nenhuma criança ou jovem para trás. A Renda Básica, por exemplo, pode transformar a vida familiar em uma vida mais digna, uma vez que não tira o direito de trabalhar, mas aumenta a liberdade de escolha e de oportunidades.

Referências

Documento com as principais demandas do Comitê de Crise da Educação é aprovado em reunião. Link:https://www.saopaulo.sp.leg.br/wp-content/uploads/2020/08/Texto-final-Comit%C3%AA-Emergencial-de-Crise-2.pdf. Veiculado em 25 de agosto de 2020. Idoeta, Paula Adamo. As mães demitidas durante a pandemia: "Tentei conciliar trabalho com meu bebê, mas perdi o emprego". Link: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54329694. Veiculado em 5 de outubro de 2020.

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. são paulo: paz e terra, 2011.

Projeto de Lei 01-00207/2020 do Vereador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT)  - http://documentacao.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/projeto/PL0207-2020.pdf. Veiculado em abril de 2020.

Suplicy, Eduardo. Renda de Cidadania: a saída é pela porta. Fundação Perseu Abramo e Cortez Ed. São Paulo, 2002.

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