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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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“Vou passar na Casa Campos e depois na Piccolotto, é rapidinho”

Os passeios da Vó Maria na 13 de maio estão longe do que é conhecido hoje como “consumismo”

(Foto: Reprodução)
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 Minha avó Maria dizia ao meu avô, em tom de justificativa: “Vou passar na Casa Campos e depois na Piccolotto, é rapidinho...”, ele sabia que seriam horas pela rua 13 de maio e que compras, sempre necessárias, aconteceriam e novos carnezinhos seriam incluídos nas despesas mensais.  

 Ela nunca ia sozinha; estava sempre acompanhada por um dos netos ou netas; ela sabia o que cada um precisava e quando precisava; mas não realizava compras ou despesas desnecessárias, procurava as liquidações, as ofertas

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 Minha avó nasceu em 1917, de família pobre, imigrantes italianos, semianalfabetos e a Piccolotto, fundada em 1924, representava para a menina nascida na Fazenda Santa Elisa “um sonho”, contudo, frequentar a loja não estava ao alcance das posses da família.  

 Uma curiosidade sobre a Casa Piccolotto, em 1939, ano em que iniciava a Segunda Guerra Mundial, José Piccolotto no comando dos negócios, inaugurou a Casa Piccolotto na rua 13 de maio e na fachada da loja fez uma homenagem à FEB (Força Expedicionária Brasileira).

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 E havia também a Casa Campos, fundada em 1935 em Tanabi e São José do Rio Preto, chegou a Campinas em 1951. Posteriormente, o filho do fundador, o senhor Guilherme Campos deu o impulso necessário ao progresso dos negócios.  

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 Minha avó achava “tudo caro” na Casa Campos, mas era lá que ela ia quando o objetivo era comprar um presente “fino”, as vezes optava pela loja “Bittar Presentes Finos”.  

 Eu me lembro bem do senhor Guilherme Campos, andando entre as bancas de oferta e gentil com os clientes. Como morei com meus avós, muitas vezes eu a acompanhava nas compras, nas suas idas à “Piccolotto”, à “Casa Campos”, à “Para Todos”.

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 As vezes ela apenas ia “passear na 13, para ver vitrines”; quase sempre esses passeios terminavam nas Lojas Americanas, onde tomávamos um soco de laranja e comíamos um misto quente., nada além disso.

 Apesar de ter cursado apenas até o “4º ano do grupo”, a Vó Maria poderia ser apresentada como a melhor economista do mundo, pois, sempre gastou menos do que arrecadava e, mensalmente, produzia superávit primário, em razão do qual mantinha reservas de tal monta que sempre investiu, comprou alguns imóveis e ainda acudia a família, com prudência e nunca esperou o retorno da ajuda, apesar de muito severa ela era também generosa.

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 A renda familiar era composta do salário do meu avô – funcionário público do IAC – e o fruto do trabalho da minha avó como excelente modista.

 Você não sabe o que é uma modista? “Modista” é a profissional que desenha e confecciona roupa feminina ou que dirige um ateliê de costura para senhoras. Ela não tinha um “ateliê de costura”; atendia, desenhava e confeccionava em casa, no Taquaral e depois da Vila Nova. Parou de costurar quando mudaram-se para o centro da cidade.

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 Ela seria a melhor Ministra da Fazenda para qualquer governo.  

 Os passeios da Vó Maria na 13 de maio estão longe do que é conhecido hoje como “consumismo”.

 Hoje, vivemos numa organização social baseada puramente no consumo, na qual as pessoas se tornaram elas próprias mercadorias descartáveis que precisam se remodelar continuamente para não ficarem obsoletas.  

 Nas palavras de Bauman: “Numa sociedade marcada pela agitação, pela ansiedade e acima de tudo pela incapacidade de obter uma experiência profunda de felicidade e bem-estar, a disposição consumista desponta como uma forma  do indivíduo vir a obter um razoável nível de prazer em sua vida cotidiana.”.

 Bauman afirma que caráter, valores e personalidade estão sendo colonizados pela lógica de mercado, e as pessoas constantemente criam imagens de si mesmas com o principal objetivo de se venderem, como produtos a serem consumidos, vide o Instagram, o Tik Tok e outros espaços virtuais. Vivemos a fantasia estupida de que nossas vidas têm que ser uma obra de arte, por isso, há sempre a comparação com a vida dos outros e a busca incessante para alcançar aquilo que não se tem.   

 É uma vida de consumo, precária, vivida em condições de incerteza constante; “Um tipo de vida que alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo”, diz Bauman, ou seja, consumir (e ser consumido) se tornou não apenas o verdadeiro propósito de existência para muitas pessoas, mas também uma condição de reprodução do nosso modelo social, em que tudo se transforma em moeda de troca simbólica (incluindo a juventude, a beleza, a sexualidade etc.) e gastos aparentemente inúteis e irracionais se tornaram, mais que virtudes, são um novo motor na existência.   

 É em razão do vazio da lógica do consumo e da busca irracional para apresentar ao mundo uma vida perfeita, que tenho saudades da simplicidade e verdade daqueles passeios pela 13 de maio com a minha avó Maria, nossas idas à Piccolotto, à Casa Campos, ou apenas para ver vitrines.  

 Essas são as reflexões de hoje.

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