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João Antonio

João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito e atualmente preside o Tribunal de Contas do município de São Paulo

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Zanin, o STF, as drogas, o crime e a maconha

Não faz sentido criminalizar os usuários de drogas

Cristiano Zanin Martins (Foto: Reuters I Carlos Moura/SCO/STF)
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O STF tem cinco votos para afastar criminalização do porte de maconha para consumo próprio. O pedido de vista do ministro André Mendonça suspendeu o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), em que se discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio e um voto que considera válida a previsão do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

Na sessão desta quinta-feira (24), o relator do recurso, ministro Gilmar Mendes, reajustou seu voto, que descriminalizava todas as drogas para uso próprio, para restringir a declaração de inconstitucionalidade às apreensões de maconha. Ele incorporou os parâmetros sugeridos pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de presumir como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.

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Divergência - O ministro Cristiano Zanin reconhece discrepâncias na aplicação judicial do artigo 28, que leva ao encarceramento em massa de pessoas pobres, negras e de baixa escolarização. Contudo, entende que a mera descriminalização contraria a razão de ser da lei, pois contribuirá para agravar problemas de saúde relacionados ao vício.

De acordo com o ministro, a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo retiraria do mundo jurídico os únicos parâmetros objetivos existentes para diferenciar usuário do traficante. Ele sugeriu, contudo, a fixação, como parâmetro adicional para configuração de usuário da substância, a quantidade de 25 gramas ou seis plantas fêmeas.” (Texto extraído do site do STF)

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O QUE PENSO SOBRE ESSA MATÉRIA

Sinceramente, não faz sentido criminalizar os usuários de drogas quando os verdadeiros responsáveis pela sua proliferação — os grandes traficantes — frequentam os belos salões sociais e moram em bairros ricos onde reside também a elite econômica do país.

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O gênero “Mercado das Drogas” é composto por cinco espécies determinantes:

a) Grandes traficantes

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b) intermediários médios

c) agentes do Estado cooptados

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d) passadores de drogas (pequenos traficantes)

e) usuários

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O que presenciamos com frequência é o Estado policial reprimindo a ponta, ou seja, prendendo “passadores” e usuários de droga, fingindo eficiência apenas para alimentar o discurso do governo de plantão. Há décadas que a política de combate às drogas é a mesma, sem nenhum resultado prático. Pelo contrário, em se tratando dos grandes traficantes o que assistimos ano após ano é a sua proliferação associada a uma rede de sustentação que se consolida com fortes ramificações nas fileiras do próprio Estado (agentes do Estado cooptados).

Quando o Estado se contamina com a prática de um crime o seu combate torna-se mais complexo e dificultoso. Digo sem medo de errar: prender os “coitados do passadores”, uns tipos de “operários” usados como instrumento dos grandes traficantes e médios, não resolve. É enxugar gelo.

Uma política eficiente de combate às drogas passa em primeiro lugar pela descontaminação do Estado. Quero dizer, impedir que o tráfico financie a política e compre aqueles que deveriam combatê-los, o Estado policial. Por outro lado é preciso usar a inteligência e a força do Estado depurado para combater sem trégua os verdadeiros responsáveis — os grandes traficantes e seus intermediários médios.

Quanto aos passadores que sobrevivem de “trocados”, por vezes explorados pela indústria das drogas, em regra pegos como verdadeiros bodes expiatórios, devem ser punidos de acordo com dosimetria do seu crime, mas nunca ocupando o lugar dos verdadeiros responsáveis — a elite do tráfico. Como diz o ditado: “A cada burro a sua carga.” Puni-los sim, dando a eles a possibilidade de se redimir. Em regra, eles não estão nessa modalidade criminosa pelo prazer e sim por uma questão de sobrevivência. Ao Estado cabe oferecer-lhes oportunidades de emprego, impedindo assim sua cooptação pelo tráfico.

Quanto aos usuários, em se tratando de drogas mais pesadas, Cocaína entre outras, é função do Estado fazer campanhas publicitárias educativas, palestras em escolas e igrejas, ONGS etc explicando os malefícios causados pelo seu consumo. Estas iniciativas do Estado, articuladas com a sociedade civil, especialmente com o núcleo familiar são fundamentais para impedir a proliferação do uso, principalmente no seio da juventude.

No que se refere aos usuários, os já tomados pelo vício, mesmo conscientes de que são eles que alimentam o mercado da droga, reprimi-los não resolve. Cabe ao Estado, seja em ações diretas ou por meio de parcerias com entidades diversas, interessadas e especializadas no assunto, dar-lhes assistência psicológica/psiquiátrica, oportunidades profissionais e educacionais, oferecendo-lhes novas perspectivas de vida. Reinseri-los no mercado de trabalho é o caminho mais eficaz para sua recuperação.

No que se refere ao uso da maconha, legalizá-la não faria mal algum à sociedade. Hoje, seu uso está disseminado em todas as classes sociais. Fechar os olhos para esta realidade é fazer como avestruz que, diante de uma provável ameaça, prefere enfiar a cabeça sob o chão, fechando os olhos para realidade. Por que não legalizá-la?

Em relação ao julgamento do STF, ao estabelecer uma quantidade para qualificar os usuários, pretendem os ministros estabelecer uma fórmula objetiva para diferenciá-los do tráfico. Quem pode afirmar que um indivíduo pego com mais de 25 ou 60 gramas, tipo 100 ou 200 gramas deixa de ser somente usuário? Acho que a questão, como escrevi acima, é mais complexa. Esta definição quantitativa, como pretendem os ministros, pode até funcionar como um fator de intimidação para os usuários, mas não combate a causa: a força da grana que movimenta os grandes cartéis. São eles que compram todos os envolvidos nessa roda viva que movimenta esse mercado. Inclusive agentes dos próprio Estado.

A decisão e os parâmetros quantitativos, qualquer que sejam eles, amedrontam os usuários, ou no máximo tornarão a ação dos “passadores” (pequenos traficantes) um pouco dificultosa. Esta tipificação específica, sem uma política mais eficaz de combate às organizações criminosas responsáveis pelos grandes cartéis, ajuda, mas não resolve. Insistir nela é enxugar gelo.

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