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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

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Zebra

Na balada despendia algum tempo a observar o entorno, procurando a zebra manca. Havia desenvolvido sua estratégia assistindo documentários sobre a vida selvagem. Os leões, durante as caçadas, não saíam na louca correndo atrás de todas as presas. Buscavam identificar a mais fácil antes de atacar

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A lista dos que o tinham por desafeto terminava em latim, et alli. Um treteiro daqueles. Com o tempo adquirira a mania de ser sincero. E de arrumar inimigos.

Na juventude era diferente. Precisava, desesperadamente de aceitação social. Simpaticão. Copiava as atitudes de quem sabia se portar socialmente e desenvolvera apuradas técnicas de envolvimento. Interessado por uma moça, desdobrava-se em atenção aos pais e irmãos da pretendida antes de dar o bote. Considerava isso essencial, pavimentava o caminho antes de se arvorar.

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Na balada despendia algum tempo a observar o entorno, procurando a zebra manca. Havia desenvolvido sua estratégia assistindo documentários sobre a vida selvagem. Os leões, durante as caçadas, não saíam na louca correndo atrás de todas as presas. Buscavam identificar a mais fácil antes de atacar. Sustentava que toda mulher tem seu dia de vou dar para o primeiro que aparecer, seu dia de zebra manca. Era um homem de tiro-certo, embora não chegasse chegando. Houvesse três amigas juntas, mexendo madeixas de um lado para o outro, fazendo-se presas hipotéticas, não ia na mais bonita, nem na mais feia. Focava na intermediária, mas não dava na vista. Tentava seduzir as três, deitando elogios a todas antes de revelar seu real interesse, convicto de que a aceitação do grupo era essencial à eficácia da empreitada. A mais bonita se sentia feliz pela sorte da amiga; a mais feia pelo menos não havia perdido, como sempre, para a mais bonita, renovando-lhe as esperanças de um dia também ser bafejada pela sorte. Todas ficavam, imaginava, satisfeitas e, mais tarde talvez conseguisse ficar com as outras. Aceitação social para ele, naquela época, era a garantia do sucesso.

Casou-se aos 45. Teve filhos. Progrediu. E foi ficando pouco a pouco mais sincero. Inverteu paulatinamente o comportamento que havia caracterizado sua vida. De bajulador, carente de reconhecimento, passou à boçalidade. Dividiu o que acumulara entre os filhos, reservando para si pequena renda possibilitadora de uma sobrevida com certo conforto. Já não se obsessionava em agradar todo mundo. Bolsonarista, bateu panelas, colou adesivo de apoio à Lava-Jato no carro da família e defendia a intervenção militar constitucional. Brigou com todo mundo. Mesmo em casa não se esforçava para satisfazer a patroa. Cumpria regularmente, como um burocrata, o débito conjugal. E era só. Os filhos já casados tinham a vida deles. À mulher, insaciável na obstinação de mudá-lo, não lhe fazia conta. Deixava-a reclamando. Provinha. Era tudo. Levava a vida do jeito que dava. Uma vez a cunhada segredou-lhe que a consorte pensava deixá-lo, muito chato. Aceitação familiar era tudo. Mesmo agora. Soube que a irmã a aconselhara. Não se separe, boba, vai reclamar de quem depois. E não se divorciaram. Ficaram se infernizando, mutuamente, um implicando com o outro. Havia se tornado um leão banguela, indiferente a tudo. Algumas vezes pensava como teria sido se casado com a mais bonita, ou mesmo com a intermediária. Quis a vida, entretanto, que acabasse com a mais feinha.

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Descobriu as redes sociais e, com elas, acelerou sua mudança de comportamento. Já não buscava a aceitação social. Postava o que lhe dava na telha. Isolara-se do mundo real. Vivia na bolha de feiceamigos, pessoas vagamente conhecidas no passado. Um antissocial nas redes sociais. fomentando discórdias. Todos burros. Ignorantes.

Em um dia luminoso, janela aberta, cortina balançando suavemente, o gato a esticar-se na poltrona, teve um treco. Estrebuchava, gemendo, mãos ao peito. Abanou, sôfrego. Não conseguia falar, dor aguda. Indiferente, ela foi ao banheiro, perfumou-se, ajeitou o cabelo. Olhou-o bem dentro dos olhos esbugalhados e percebeu um fio de saliva escorrendo-lhe no canto da boca. Cruzou a porta da rua sem se voltar.

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Constatou que a megera manquitolava levemente ao sair. E expirou.

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