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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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Zumbi

(Foto: ABr)
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Por Urariano Mota 

Na língua portuguesa, o nome Zumbi significa alma que vagueia a horas mortas, ou fantasma de animal morto, ou tem o sentido último de ser o título do chefe de um quilombo, zambi. Estranho, não? Ou melhor, faz um sentido histórico, porque alma de assombração ou fantasma de animal morto lembra mais uma vingança à memória de um herói na luta contra a escravidão. Mas isso — essa transição raivosa de significados — não é somente uma hipótese deste autor, como veremos.  

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Quando buscamos a etimologia do nome Zumbi, o conflito continua. São duas visões de mundo. Segundo o Dicionário Houaiss, que registra sem comentar qual a mais precisa, a origem vem do “quimbundo nzumbi'espírito; espírito atormentado' ou quicongo mvumbi'alma errante', segundo Castro; Nei Lopes registra que ‘em quimbundo, a raiz nzumbse liga à ideia de imortalidade; e a essa ideia parece estar ligado o nome do Herói de Palmares’". Esse é o registro no Dicionário Houaiss. E quanto ao bairro de nome Zumbi no Recife??  

Os dados históricos mais recentes apontam que o bairro Zumbi veio de um sítio de Constâncio Maranhão, que nos anos de 1920 o arrendou ao major Agenor Pessoa. O arrendatário, esperto, passou a alugar o chão a operários e pessoas sem casa ou de salário pequeno. Mas como o lugar recebeu o nome de Zumbi? Por que o bairro entre o Cordeiro, Prado e Madalena recebeu o nome de Zumbi? Não foi por acaso, pois em história o acaso é uma desculpa para o desconhecimento.  

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Na pesquisa, vem a primeira razão. O bairro foi terra de senhores de engenho, conforme este registro:  

“Localizado no atual bairro do Zumbi, o Engenho de Ambrósio Machado, assim chamado em alusão a seu proprietário, situava-se na margem direita do Rio Capibaribe. Durante a ocupação holandesa, o engenho foi abandonado, tendo seu proprietário se refugiado na Bahia, em 1635. Uma parte das terras do engenho foi, então, incorporada aos bens da Companhia das Índias Ocidentais. A outra parte, após 1654, foi ocupada por João Cordeiro de Mendanha, ajudante de ordens do Governador João Fernandes Vieira”.  

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Esse João Cordeiro Mendanha, por sua vez, foi dono do Engenho Cordeiro, cujo domínio incluía parte das terras de Ambrósio Machado, o dono do que viria ser o Zumbi. Na verdade, ao longo e em torno do que hoje chamamos de Avenida Caxangá, existia uma vasta indústria escravocrata: Engenho de Ambrósio Machado, Engenho da Madalena, Engenho do Cordeiro, Engenho da Torre, Engenho Casa Forte, Engenho de Apipucos, Engenho de São Pantaleão Monteiro, Engenho Dois Irmãos, Engenho Brum-Brum, Engenho do Meio, Engenho Poeta, Engenho Santo Antonio, Engenho São João. Esse último, desde o século dezenove pertencente à família Brennand.  

Com essa origem, começamos a ter pistas de onde vem o nome Zumbi.  Para melhor compreender de onde veio, e não escrever por hipótese, ouvimos um depoimento vivo, original e inédito. Acompanhem as palavras do sociólogo e jornalista José Amaro Correia, ex-morador do bairro:  

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“Diziam para as crianças: ‘Zumbi vai te pegar’. O medo que havia nos senhores de engenho foi transferido para os explorados. O explorado repetia à sua maneira a consciência do explorador. Até os meus 14 anos de idade, para mim e para todos os meninos, o Zumbi não era coisa boa. Esse nome era associado ao bairro. Para as pessoas de fora, nós dizíamos que morávamos na Madalena.  

Em um Sítio perto, havia uma árvore. Debaixo dela se enterravam os escravos. Para os lados da Torre, havia um tronco para a tortura. Havia postes fixos onde os escravos eram amarrados com correntes. Esses postes estavam lá até 1953. O povo dizia que Zumbi morou ali. Diziam que Zumbi ia voltar, como se fosse uma ameaça. Que Zumbi, quando morou lá, era protegido de um padre abolicionista na Torre. Era o comentário, era o aviso na infância: ‘Zumbi vai voltar’. As mães do bairro diziam para os filhos: ‘não volte tarde, porque Zumbi pode te pegar’”.  

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Creio que assim vai explicada a origem histórica do bairro e do seu nome. De lugar de escravos, de terras de senhor de engenho, a lugar onde voltava Zumbi, desta vez como uma ameaça aos proprietários, e para os descendentes dos explorados, até hoje, como uma assombração, no registro dos dicionários.  

No entanto, Joaquim Cardozo, o grande poeta e calculista de Brasília, nasceu ali. E de tal modo possuía orgulho dessa origem, que na maioria dos resumos biográficos do poeta aparece “Recife, bairro do Zumbi, 1897”. Outro brasileiro ilustre é o próprio José Amaro Correia, Maro, ou Mário, como os amigos o chamamos. O Zumbi se tornou para ele a origem de militância política, nos terríveis anos da ditadura. No texto “Final de Copa do Mundo” me referi a esse bairro, porque lá comemoramos o tricampeonato da seleção brasileira em 1970.  

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O que foi uma história cruel, depois se tornou motivo de festa para nós. Penso, ao fim, que cabe aos moradores do Zumbi, e a todos os brasileiros, o orgulho sereno dessa história.   

(Publicado no Dicionário Amoroso do Recife)

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