“A água não vai acabar, o acesso a ela sim”, diz especialista hídrico
Empresa fundada por Camilo Torquato já evitou o desperdício de quase 2 bilhões de litros de água e aposta em inovação
Beatriz Bevilaqua, 247 - A escassez de água não é um conceito abstrato para Camillo Torquato. Nascido em Mossoró, no Rio Grande do Norte, no coração do semiárido nordestino, ele viveu na infância uma rotina marcada pela falta de água potável, caminhadas longas para buscar o recurso e a necessidade de ferver e filtrar a água antes de consumi-la. Essa experiência concreta, comum a milhões de brasileiros invisibilizados pelas estatísticas, foi o ponto de partida de uma trajetória que hoje conecta tecnologia, sustentabilidade e justiça social.
Fundador da T&D Sustentável, Camillo é um dos nomes à frente de um modelo de negócio que une impacto ambiental mensurável e viabilidade econômica. Criada há sete anos, a empresa atua hoje em 50 cidades brasileiras, em nove estados, com foco na redução do desperdício de água em centros urbanos, justamente onde o consumo excessivo e invisível costuma ser tratado como normalidade. Segundo o empreendedor, a companhia brasileira deve atingir ainda este ano a marca de quase 2 bilhões de litros de água economizados.
A aposta da empresa parte de um diagnóstico claro: quem vive no semiárido ou em comunidades ribeirinhas já nasce poupando água, porque nunca teve acesso abundante ao recurso. O desperdício, por outro lado, se concentra nas grandes cidades, onde a água “sempre esteve lá”, disponível ao abrir a torneira. É nesse cenário que a empresa atua, combinando monitoramento remoto em tempo real, inteligência artificial e padronização de sistemas hidráulicos para identificar vazamentos, desperdícios e distorções tarifárias.
Hospitais, escolas, universidades, hotéis, condomínios e empresas com grandes faturas mensais estão entre os principais clientes da T&D. A tecnologia permite acompanhar o consumo hora a hora, detectar perdas invisíveis e ajustar pressão, vazão e volume em pontos de uso como chuveiros e sanitários. O resultado não é apenas ambiental, a empresa estima que seus clientes tenham evitado, apenas em tarifas de água, quase R$ 70 milhões em custos neste ano, valor que cresce ainda mais quando se somam economia de energia e manutenção.
Para Camillo, a água não vai acabar, mas o acesso a ela será cada vez mais desigual. Tecnologias como dessalinização existem, mas tornam a água progressivamente mais cara, aprofundando a exclusão. “O problema não é a existência da água, é quem consegue pagar por ela”, resume. Por isso, defendemos que sustentabilidade não pode ser privilégio”, disse. Seu modelo de negócio cria o orçamento ambiental a partir da própria economia gerada, democratizando o acesso à eficiência hídrica mesmo para instituições sem recursos iniciais.
A relação com o poder público é outro eixo central do projeto. Após anos de estruturação técnica e jurídica, a empresa começa a atuar diretamente com entidades governamentais, com contratos firmados na área da saúde e negociações em andamento com secretarias estaduais. Estudos preliminares indicam que o desperdício de água no setor público brasileiro pode ultrapassar R$ 70 bilhões por ano.
Camillo se define como fruto das políticas públicas. Formado integralmente em escolas públicas, técnico pelo Cefet e engenheiro por universidade federal, ele rompe a narrativa que opõe empreendedorismo e Estado. Para ele, a transição ecológica exige consenso, planejamento e políticas públicas estruturantes. Leis como o IPTU Verde e normas que estimulam eficiência energética e hídrica são avanços, mas ainda insuficientes diante da crise climática e da pressão crescente sobre os mananciais urbanos.
Para ampliar o impacto, a empresa decidiu abrir seu conhecimento técnico. A empresa criou a Universidade T&D, um programa de formação em gestão hídrica que será disponibilizado para encanadores, técnicos e trabalhadores de todo o país. A ideia é descentralizar o saber, permitindo que pequenas residências, comércios e comunidades também tenham acesso à economia de água e à correção de cobranças indevidas. “Não faz sentido guardar esse conhecimento. Ele precisa circular”, defende.
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