“Brasil deve ser líder da agropecuária sustentável no mundo”, diz especialista
Como mecanismos de mercado podem fortalecer a agenda ambiental, apoiar catadores e conter o desmatamento
Beatriz Bevilaqua, 247 - Em meio à crise climática e à crescente pressão internacional sobre o desempenho ambiental do Brasil, o financiamento ambiental surge como um dos principais gargalos e também como uma das maiores oportunidades para conciliar preservação, justiça social e desenvolvimento econômico. Esse foi o tema central do programa “Brasil Sustentável”, na TV 247, com Maurício de Moura Costa, advogado, especialista em mercado de carbono e cofundador do Instituto BVRio, organização criada para desenvolver mecanismos financeiros capazes de tornar efetivas as leis e políticas ambientais no país.
Maurício construiu sua atuação a partir do diálogo entre mercado, regulação e sustentabilidade. “Minha formação é em advocacia empresarial. A virada veio quando passei a atuar no mercado de carbono e percebi a força que os mecanismos de mercado podem ter para gerar benefícios ambientais reais”, explica.
Fundado em 2011, o Instituto BVRio nasce da percepção de usar instrumentos econômicos para transformar obrigações legais em oportunidades de impacto positivo. A organização atua principalmente em duas frentes estratégicas: a agenda urbana e a agenda rural, ambas centrais para os desafios ambientais brasileiros.
No ambiente urbano, o foco está na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, uma das legislações ambientais mais importantes do país, mas ainda longe de ser plenamente cumprida. A lei estabelece que empresas são responsáveis pela destinação correta dos resíduos pós-consumo, como embalagens.
A proposta do BVRio foi criar uma solução que conecta essa obrigação legal a quem já realiza, historicamente, esse trabalho: os catadores e cooperativas de reciclagem. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas atuem nesse setor no Brasil, muitas vezes em condições precárias.
“O catador não está apenas recolhendo material reciclável. Ele está prestando um serviço ambiental que deveria ser responsabilidade das empresas”, afirma Maurício. Ao estruturar mecanismos que remuneram esse serviço ambiental, o modelo cria um ciclo de ganha-ganha: empresas cumprem a lei de forma eficiente, enquanto catadores recebem uma remuneração adicional, inclusive por materiais de baixo valor comercial.
O Instituto também atua em projetos de recolhimento de resíduos em corpos hídricos, com destaque para iniciativas na Baía da Guanabara, articulando financiamento internacional, cooperativas locais e impacto ambiental direto.
Já na agenda rural, o desafio se amplia. O Brasil é, ao mesmo tempo, potência ambiental e um dos maiores produtores agropecuários do mundo. Essa contradição se reflete na pressão internacional sobre commodities brasileiras, frequentemente associadas ao desmatamento.
“A questão não é negar a produção, mas limitar o desmatamento. O Brasil pode e deve ser líder da agropecuária sustentável global, ditando a agenda climática, e não sendo submetido a ela”, defende Maurício.
Foi nesse contexto que o Instituto BVRio participou das discussões que levaram ao “Manifesto do Cerrado”, estudo que demonstra que não é necessário abrir novas áreas para expandir a produção de soja. A repercussão internacional do manifesto mobilizou grandes empresas europeias e lideranças globais.
A partir desse diálogo, surgiu uma proposta inovadora: oferecer linhas de crédito com juros mais baixos para produtores rurais que se comprometam voluntariamente a não desmatar áreas legalmente passíveis de supressão vegetal.
Em vez de pagamentos diretos por serviços ambientais, modelo que depende de doações contínuas, a solução cria um incentivo financeiro estrutural e sustentável no tempo. “O produtor já opera com crédito agrícola todos os anos. A lógica foi incorporar a conservação ambiental a esse ciclo financeiro”, explica Maurício.
O projeto foi lançado em 2022 com um aporte inicial de 11 milhões de dólares, financiado por redes de supermercados europeus. O sucesso do piloto atraiu rapidamente o interesse do mercado financeiro internacional. No segundo ano, o fundo já movimentou mais de 50 milhões de dólares.
Para Maurício de Moura Costa, a experiência mostra que não há sustentabilidade sem financiamento. “Sem dinheiro, não há política ambiental que se sustente”, afirma. Mas ele ressalta que o papel do mercado deve caminhar junto com políticas públicas, regulação forte e compromisso social.
Em um cenário global de emergência climática, o caso do Instituto BVRio aponta caminhos possíveis para um Brasil que alia conservação ambiental, inclusão social e desenvolvimento econômico não como concessão ao mercado, mas como estratégia de soberania e justiça ambiental.
Assista na íntegra aqui:
