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“Crise climática aumenta casamento infantil e violência contra a mulher”, alerta líder do Latinas por el Clima

Quando há deslocamento forçado, perda de moradia e instabilidade social, as mulheres se tornam ainda mais vulneráveis a abusos

Luisa Santi, ativista socioambiental e coordenadora global da Latinas por el Clima (Foto: Divulgação )

Beatriz Bevilaqua, 247 - A crise climática não afeta todas as pessoas da mesma maneira, e mulheres, meninas e dissidências de gênero estão entre os grupos mais vulneráveis. A avaliação é de Luisa Santi, ativista socioambiental e coordenadora global da Latinas por el Clima, rede que atua em 17 países da América Latina e Caribe. Em entrevista, ela detalha como gênero, desigualdade e clima estão profundamente interligados e alerta: “80% das pessoas deslocadas por eventos climáticos extremos são mulheres, meninas ou crianças.”

Segundo Luisa, a emergência climática se manifesta dentro de um sistema político e social já marcado por desigualdades. “As mudanças climáticas se sobrepõem a dinâmicas pré-existentes de opressão de raça, gênero, classe e etnia. Por isso, seus impactos são desproporcionais”, explica.

Um dos exemplos mais graves é o aumento do casamento infantil em regiões severamente afetadas por secas, enchentes ou desastres ambientais. “Famílias que perdem renda e estabilidade acabam vendo o casamento precoce como alternativa de sobrevivência. São meninas impedidas de estudar, obrigadas a assumir responsabilidades adultas e expostas a mais violência”, afirma.

A violência de gênero também cresce nesses contextos. “Quando há deslocamento forçado, perda de moradia e instabilidade social, as mulheres se tornam ainda mais vulneráveis a abusos. Muitas perdem redes de apoio, documentos e autonomia.”

Luisa destaca ainda um ponto pouco discutido nas grandes conferências climáticas: o impacto de gênero da mineração e do extrativismo, ampliados pela corrida global por minerais estratégicos da transição energética. “Placas solares, baterias de veículos elétricos e novas tecnologias dependem de minérios como cobre e lítio, muito presentes na América Latina. O aumento da extração significa mais militarização, mais conflitos territoriais, mais violência sobretudo contra mulheres de regiões rurais, indígenas e campesinas”, afirma.

Países como Chile, Peru e Bolívia, além de estados brasileiros como Minas Gerais, estão no centro dessa disputa. “Uma transição energética que reproduz desigualdades não pode ser chamada de solução”, enfatiza.

A atuação do Latinas por el Clima

A rede coordenada por Luisa reúne mulheres jovens e dissidências para discutir justiça climática sob uma perspectiva interseccional. No Brasil, o grupo desenvolve pesquisas, ações de educação climática em escolas, produção de conteúdo e articulação política.

Um dos projetos recentes é o Latinas pela Educação Climática, que leva discussões sobre gênero e clima a estudantes de vários estados, como Acre, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pará. “A diversidade de mulheres importa. Não existe uma experiência única. Trabalhamos para que políticas públicas levem em conta essas diferenças”, afirma.

Na COP30, realizada em Belém, Luisa acompanhou negociações na Zona Azul, atividades da sociedade civil na Zona Verde e a Cúpula dos Povos. A participação de organizações feministas e latino-americanas foi, segundo ela, fundamental.

“Demorou 20 anos para que a ONU reconhecesse que gênero é uma questão central das mudanças climáticas”, lembra, citando o Gender Action Plan (GAP), plano internacional que busca orientar políticas climáticas sensíveis às desigualdades de gênero. “Os avanços existem, mas ainda enfrentamos resistência de países e grupos políticos que tentam barrar ações mais ambiciosas.”

Luisa destaca a importância histórica da elaboração do Plano Clima brasileiro, que contou com ampla participação social em conferências municipais, estaduais e na Conferência Nacional de Meio Ambiente. “É um exemplo emblemático para o mundo. Participação popular é essencial para que políticas climáticas incluam perspectivas de gênero”, afirma.

Sustentabilidade é política 

Para a ativista, parte das dificuldades em comunicar a pauta climática vem da tentativa de despolitizar o debate. “Algumas empresas tratam sustentabilidade de forma apolítica, como se fosse apenas consumo verde. Isso esvazia questões fundamentais: direitos humanos, desigualdade, racismo ambiental, violência”, analisa.

Luisa alerta que setores conservadores e de extrema direita se articulam para barrar avanços socioambientais. “Falar de sustentabilidade é falar de reduzir desigualdades, fortalecer a economia brasileira e defender territórios. É uma pauta transversal que deveria ser central para movimentos progressistas.”

Apesar dos desafios, Luisa vê potência na região. “A América Latina sempre resistiu ao colonialismo, às ditaduras, às desigualdades históricas. Agora enfrenta a crise climática. O futuro depende de fortalecer a sociedade civil, abrir espaços de participação e garantir que gênero seja parte estrutural das soluções.”

Assista a entrevista na íntegra aqui: