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“Despoluir a Baía de Guanabara é enfrentar a desigualdade", diz pesquisador

Emanuel Alencar fala sobre a importância da educação ambiental e o papel das cidades na construção de um futuro mais verde e justo

Ativista e pesquisador ambiental Emanuel Alencar e Baía de Guanabara (Foto: Divulgação | Agência Brasil )

Beatriz Bevilaqua, 247 - A Baía de Guanabara é, há séculos, um espelho do Brasil por sua rica biodiversidade e beleza, mas marcada por camadas de desigualdade, poluição e descaso. Para o jornalista e ambientalista Emanuel Alencar, pesquisador há mais de 20 anos do ecossistema fluminense, o destino da baía está diretamente ligado ao modo como o país encara seus próprios limites sociais e ambientais.

“O futuro da nossa Guanabara depende do respeito às comunidades quilombolas, ribeirinhas e ao povo preto que vive na região metropolitana do Rio. São essas populações que mais sofrem e ainda vão sofrer com os efeitos da emergência climática”, explicou.

Emanuel é autor dos livros “Baía de Guanabara -Descaso e Resistência” e “Histórias do Mangue da Guanabara”. Filho do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) e da professora Ângela Dias, cresceu em um ambiente de forte engajamento social. “Aprendi em casa que política não é profissão, é exercício de cidadania. E o ambientalismo, pra mim, é isso: a luta cotidiana por cidades mais justas e sustentáveis.”

Integrante do Grupo Ação Ecológica (GAE) e do Conselho Consultivo do Bosque da Barra, Emanuel também fundou o movimento Respira, Rio!, criado em 2020, que propõe ações de arborização urbana, plantio coletivo e sensibilização ambiental nas periferias cariocas. “Quando falamos em árvores, falamos de dignidade. As regiões mais pobres do Rio são também as que têm menos áreas verdes, menos drenagem urbana e mais calor extremo. Debater arborização é debater desigualdade”, defende.

Desde que começou a investigar a Baía de Guanabara, Emanuel acompanhou o fracasso de diversos planos de despoluição. Segundo ele, o problema não é apenas técnico, mas estrutural e envolve falta de continuidade política, desigualdade social e um histórico de racismo ambiental.

“Há mais de 30 anos se fala em despoluir a Baía de Guanabara, mas não se enfrenta a raiz do problema: a ausência de saneamento básico nas áreas mais pobres e a lógica de cidade partida. A poluição é o sintoma de uma estrutura desigual.”

No livro mais recente, “Histórias do Mangue da Guanabara”, Emanuel dá voz aos trabalhadores do mangue, pescadores e guardiões de territórios ameaçados pelo avanço da especulação e da degradação ambiental. Ele considera o manguezal um símbolo de resistência.

“O mangue é um berçário de vida e, ao mesmo tempo, um retrato do abandono. Mas também é o lugar da esperança. Em Guapimirim, por exemplo, políticas públicas consistentes conseguiram recuperar 1.600 hectares de manguezal. É uma das poucas histórias de sucesso da Baía e mostra que é possível restaurar o que foi perdido.”

Educação ambiental como ferramenta de transformação

Emanuel enfatiza que não existe recuperação ambiental sem educação ambiental. Para ele, as novas gerações precisam se reconectar com o território em que vivem e isso só ocorre quando há emoção e pertencimento.

“Durante muito tempo, eu foquei nas más notícias. Mas percebi que é preciso emocionar para educar. Ninguém aprende sem se emocionar e, para isso, precisamos falar também de esperança.”

Ele lamenta que muitos jovens da Região Metropolitana do Rio sequer saibam que a Baía ainda abriga áreas de manguezal vivo e rica fauna marinha. “Se não conhecem, não conseguem defender. E sem pressão popular, não há governança ambiental possível.”

Por isso, o movimento Respira, Rio! investe na participação comunitária e no plantio coletivo como forma de sensibilização. “Não somos uma ONG nem uma empresa. Somos cidadãos que colocam tempo e energia para transformar concreto em verde. Plantar árvores é também plantar cidadania.”

Emergência climática e justiça social

O ambientalista alerta que o Rio de Janeiro é uma das cidades brasileiras mais vulneráveis à crise climática, especialmente nas zonas Norte e Oeste, onde o calor extremo e a precariedade urbana se combinam com a ausência de áreas verdes.

“As ilhas de calor do Rio têm cor e CEP. As pessoas mais afetadas pelo aumento da temperatura são as que vivem nas favelas e periferias, onde há menos sombra e mais concreto. É o racismo ambiental na prática.”

Ele defende a retomada do Plano Municipal de Arborização Urbana, engavetado desde 2016, como uma medida essencial de adaptação climática. “Uma cidade melhor é uma cidade que respira. E o direito de respirar ar puro, de caminhar à sombra de uma árvore, deve ser de todos e não um privilégio de poucos.”

Com uma trajetória que combina ciência, ativismo e comunicação, Emanuel acredita que o maior desafio do ambientalismo brasileiro hoje é reencantar as pessoas pela natureza.

“Durante séculos, o meio ambiente foi visto como algo separado da cidade, distante das pessoas. Mas a ecologia começa na esquina, na praça, no córrego do bairro. O futuro está em conectar o local ao global.”

Para ele, a Baía de Guanabara é o símbolo perfeito dessa conexão. “A floresta da Tijuca é uma floresta replantada. Isso mostra que é possível restaurar o que foi devastado. A Baía também pode renascer, mas precisamos mudar a forma como tratamos quem vive em volta dela.”

Emanuel encerra com um convite à ação e à esperança: “Não dá pra esperar que o poder público resolva tudo. A mudança começa com cada um de nós, na maneira como olhamos o território e cuidamos do que está à nossa volta. Respirar é um ato político. E o Rio precisa voltar a respirar.” Assista na íntegra aqui: