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Físico propõe educação “suleada” para enfrentar a crise ambiental e cultural

Márcio D’Olne Campos propõe inverter referências geográficas para desafiar centralidades históricas e reconstruir nossa relação com o planeta

Físico e antropólogo Márcio D’Olne Campos (Foto: Divulgação )

Beatriz Bevilaqua, 247 - No último episódio do programa “Brasil Sustentável”, da TV 247, o físico e antropólogo Márcio D’Olne Campos, ex-professor da Unicamp e criador do conceito de “sulear”, propõe uma virada radical na forma como percebemos o mundo. Inspirado pela pedagogia freireana e por décadas de convivência com comunidades indígenas, caiçaras e populações tradicionais, o pesquisador defende que é preciso deslocar o eixo do pensamento global: não se trata apenas de virar o mapa, mas de inverter os modos de sentir, aprender, criar e se relacionar com a natureza.

Durante a entrevista, Márcio enfatizou que a educação ambiental não pode ser tratada como um complemento escolar, mas como essência de todo processo educativo. “Educação que não é ambiental não é educação”, afirmou, citando Paulo Freire, com quem conviveu de perto e de quem herdou a noção de “leitura do mundo” como ponto de partida para qualquer construção do saber. Para ele, crianças leem o mundo muito antes de lerem palavras, e é nesse território sensível, entre cores, ventos, cheiros, água, terreno, árvores e céu, que nasce a educação verdadeiramente transformadora.

O conceito de sulear surgiu ainda nos anos 1980, em atividades com professores e estudantes do ensino fundamental em Campinas, quando Márcio convidava docentes a olhar para o entorno antes de abrir um livro didático. “O mundo não está no livro; o livro é que deveria estar dentro do mundo”, diz. A filosofia do sul, explica ele, busca romper com a centralidade histórica do Norte como referência de modernidade, racionalidade e progresso. Sulear significa reinterpretar território, tempo, clima e cultura a partir das experiências dos povos do Sul global, sejam indígenas, ribeirinhos, caiçaras, agricultores, populações periféricas ou migrantes.

Márcio narra suas primeiras experiências de pesquisa de campo na Ilha dos Búzios, no litoral paulista, nos anos 60, quando mergulhou na convivência com pescadores caiçaras e desenvolveu seu primeiro estudo publicado: “Saber mágico, saber empírico e outros saberes da Ilha dos Búzios”. A partir dali, seu trabalho se consolidou na intersecção entre ciência, cultura e ecologia, sempre orientado pela percepção dos ritmos da natureza. Ele também apresenta durante a entrevista um ciclo etnoastronômico elaborado a partir do conhecimento Kayapó, no qual festas, rituais e práticas agrícolas se organizam conforme as posições das estrelas e as mudanças das estações. “Eles olham o céu para entender a terra”, descreve.

Ao comentar a ascensão das telas e o avanço da inteligência artificial, o pesquisador alerta para o risco de um mundo completamente mediado por superfícies bidimensionais. A transição entre ler o mundo real e navegar em interfaces digitais pode, segundo ele, criar gerações menos conectadas às materialidades da vida. Por isso, defende um currículo “suleado” no ensino fundamental, orientado por diálogo, reflexão, território e sensibilidade ecológica e não apenas por metas, avaliações e conteúdos engessados. “O professor precisa ser estratégico e tático: planeja, mas também abre espaço para o que surge do encontro com os alunos. Sem diálogo, não há educação.”

Ao longo da conversa, Márcio revisita sua história com a educação popular, comenta a influência de Paulo Freire, critica a rigidez das escolas cívico-militares e reforça que o enfrentamento da crise socioambiental depende de um reencontro coletivo com o mundo sensível, aquele que está nas ruas, nas florestas, no vento, nas águas e nas relações humanas. Para ele, sustentabilidade não é uma agenda técnica, mas uma prática cotidiana de convivência ética e leitura crítica da realidade.

A entrevista completa está disponível no canal da TV 247: