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Itaipu capacita técnicos em cirurgia de peixes para monitoramento inédito

Treinamento prepara equipe para implantar marcadores eletrônicos que registram dados fisiológicos e comportamentais de espécies migradoras

Vista aérea de um trecho do Canal da Piracema. (Foto: William Brisida/Itaipu Binacional)

247 - A Itaipu Binacional deu um novo passo no monitoramento ambiental do reservatório ao capacitar técnicos em cirurgia de peixes para a implantação de marcadores eletrônicos avançados. A iniciativa amplia o acompanhamento científico das espécies migratórias que utilizam o Canal da Piracema, estrutura criada para restabelecer a conectividade do Rio Paraná após a construção da barragem da usina.

O Canal da Piracema funciona como um corredor ecológico essencial para que os peixes completem seus ciclos reprodutivos, permitindo a migração interrompida pela usina hidrelétrica. Segundo informações divulgadas pela Itaipu Binacional, o acompanhamento sistemático do local tem revelado variações naturais na abundância das espécies ao longo dos anos, sem indícios de comprometimento das populações.

Os dados coletados mostram episódios marcantes, como a migração recorde de pintados em 2022, a presença de grandes cardumes de piracanjubas — espécie classificada como criticamente ameaçada — em anos seguintes e, mais recentemente, a intensa movimentação de dourados jovens. As marcações eletrônicas já permitiram observar comportamentos distintos dentro de uma mesma espécie: alguns curimbas permanecem por até sete anos em áreas próximas ao canal, enquanto outros migram rapidamente. Em um dos registros, um dourado percorreu mais de dez quilômetros do canal em apenas quatro dias.

Essas descobertas são resultado de um programa de monitoramento iniciado em 2004, que vem incorporando tecnologias cada vez mais sofisticadas. No início de dezembro, entre os dias 1º e 5, cerca de 15 técnicos das divisões de Reservatório e de Áreas Protegidas participaram de um treinamento especializado em cirurgia de peixes, realizado no laboratório do Canal da Piracema, nas proximidades da usina. A capacitação os habilitou a utilizar, pela primeira vez no Brasil, marcadores capazes de registrar batimentos cardíacos e níveis de estresse dos peixes durante seus deslocamentos.

O curso foi ministrado pela bióloga Lisiane Hahn, diretora técnica da Neotropical Consultoria Ambiental, e incluiu desde técnicas de captura e manuseio até procedimentos cirúrgicos para a implantação dos dispositivos. Nos dois primeiros dias, os participantes receberam formação teórica e realizaram treinamentos de sutura em materiais alternativos, como bananas. Na sequência, aplicaram os procedimentos diretamente em peixes, sempre sob supervisão especializada.

“Itaipu tem sido pioneira em trazer essas altas tecnologias para o monitoramento dos peixes na sua área de atuação. Elas fornecem informações muito importantes e relevantes para o manejo e para a conservação das espécies”, afirmou Lisiane Hahn.

A hidrelétrica adquiriu dois modelos de marcadores eletrônicos. Um deles registra a frequência cardíaca associada ao deslocamento, permitindo avaliar o esforço dos peixes ao atravessar o Canal da Piracema. O outro armazena informações sobre profundidade e temperatura, indicando como as espécies utilizam o ambiente do reservatório. Ambos são implantados cirurgicamente e não transmitem dados em tempo real, exigindo a recuperação do equipamento para a leitura das informações.

“Essa tecnologia é inédita no Brasil para avaliar o grau de estresse que os peixes estão submetidos durante os seus deslocamentos, principalmente aquelas espécies migradoras que precisam subir os rios todos os anos para concluir o seu processo de reprodução”, explicou a bióloga Caroline Henn, da Divisão de Reservatórios da Itaipu e coordenadora do projeto.

Tecnologia depende da colaboração de pescadores

Os marcadores utilizados, conhecidos como biologgers cardíacos, são pequenos dispositivos implantados próximos ao coração dos peixes. Como o acesso aos dados depende da recaptura, a colaboração dos pescadores é considerada estratégica para o sucesso da pesquisa.

A Itaipu informou que pescadores que capturarem peixes marcados e devolverem os dispositivos receberão um kit de brindes, composto por camisa, capa de chuva e bolsa térmica. A ação será divulgada por meio de cartazes e redes sociais, em parceria com o Instituto Neotropical de Pesquisas Ambientais, que mantém convênio com a usina até 2028 para o monitoramento da pesca junto às colônias de pescadores.

A soltura dos peixes marcados está prevista para ocorrer após o período da piracema, quando a pesca volta a ser autorizada. A expectativa é que os primeiros dados coletados sejam analisados no primeiro semestre de 2026.

Bem-estar animal e ética em pesquisa

Todo o protocolo do estudo passa pela avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com Animais da Itaipu Binacional, criado em janeiro de 2023. Um dos objetivos do treinamento foi justamente capacitar integrantes do comitê, incluindo médicos-veterinários, para uma análise técnica criteriosa das metodologias aplicadas em pesquisas com peixes.

Domingo Rodrigues Fernandez, responsável técnico pela área de peixes de água doce do Aquário de Foz do Iguaçu e membro do comitê, ressalta que as pesquisas devem assegurar que os animais não sejam submetidos a condições mais severas do que aquelas encontradas no ambiente natural. Todos os peixes são anestesiados antes dos procedimentos, têm tempo adequado de recuperação e só são soltos quando apresentam plenas condições de sobrevivência.

Para a médica-veterinária da Divisão de Áreas Protegidas, Aline Konell, a participação no curso reforça o compromisso institucional com a fauna aquática. “Conhecer mais de perto o trabalho dos colegas e conseguir apoiar e melhorar o cuidado da fauna aquática do reservatório foi engrandecedor”, afirmou.

Conservação que sustenta a pesca

As informações obtidas com o monitoramento têm impacto direto na conservação das espécies e na sustentabilidade da pesca. De acordo com Lisiane Hahn, compreender os níveis de estresse dos peixes ao utilizarem o sistema de transposição pode subsidiar melhorias estruturais, facilitando a passagem e aumentando as chances de sucesso reprodutivo.

“Sem peixe não tem pesca. O foco de Itaipu sempre foi e será em manter populações saudáveis dos peixes e com isso garantir a pesca. Para isso, a gente precisa conhecer, monitorar e eventualmente propor medidas de manejo”, destacou Caroline Henn.

Os novos equipamentos também contribuem para enfrentar um dos desafios centrais da pesquisa atual: garantir o retorno genético dos peixes do reservatório para as áreas a jusante, localizadas abaixo da barragem. Hoje, estima-se que o movimento seja predominantemente rio acima, e os dados obtidos podem indicar caminhos para melhorar esse equilíbrio.

Cooperação internacional

O projeto conta ainda com a colaboração do lado paraguaio da Itaipu. Pela primeira vez, peixes cultivados na estação de aquicultura da margem direita foram marcados com PIT tags — microchips eletrônicos — antes da soltura no reservatório, permitindo verificar se utilizam o Canal da Piracema. A troca permanente de informações fortalece o caráter binacional do monitoramento e se soma à cooperação técnica mantida com outras hidrelétricas da bacia do Paraná, que utilizam a mesma tecnologia.