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“Qual o sentido de desmatar áreas preservadas para implementar energia limpa?”, questionam pesquisadoras

Em vez de desenvolvimento sustentável, megaprojetos renováveis chegam com dinamite, desmatamento e ausência de consulta às comunidades

Hyally Carvalho e Mikaelle Farias (Foto: Divulgação)

Beatriz Bevilaqua, 247 - A transição energética brasileira avança em ritmo acelerado, porém para muitas comunidades do Nordeste, ela tem chegado como mais uma forma de violação de direitos, e não como promessa de futuro sustentável. Essa é a denúncia das pesquisadoras e ativistas ambientais Mikaelle Farias e Hyally Carvalho, entrevistadas na TV 247 e que alertam para a expansão desordenada de parques eólicos, solares e projetos associados ao hidrogênio verde em territórios tradicionais.

“As empresas chegam falando em energia limpa, mas o que vemos é desmatamento, dinamite em serras, cisternas destruídas e violações de direitos mínimos. Para quem é essa transição?”, questiona Mikaelle.

As duas ativistas começaram sua trajetória impulsionadas pela indignação diante de crimes ambientais recentes, como o derramamento de petróleo que atingiu o litoral do Nordeste em 2019 e o rompimento das barragens da Vale em Mariana e Brumadinho.

Mikaelle, paraibana, relembra que sua consciência ambiental surgiu a partir da vivência em um bairro vulnerável de Campina Grande, onde cresceu ao lado de um lixão a céu aberto. “A gente normalizava brincar no lixão porque não sabia que aquilo era violência ambiental. Só percebi depois que saí de lá”, conta.

Hyally, de Caicó (RN), cita as temperaturas extremas e a seca constante como fatores que a despertaram para a crise climática. “Temos dias de 40 ou 41 graus, umidade de 12%. É muito difícil viver assim. E mesmo nesse cenário querem destruir nossas serras para construir parques eólicos.”

Transição energética ou novo ciclo de colonialismo?

O discurso oficial sobre energias renováveis promete desenvolvimento, empregos e redução das emissões. Mas, nos territórios, a realidade tem sido outra. No Rio Grande do Norte, empresas disputam a instalação de parques eólicos em serras preservadas, algumas com processos de licenciamento já em andamento. E o Estado se prepara para receber também usinas eólicas offshore, próximas de comunidades pesqueiras.

“Qual é o sentido de destruir uma serra inteira para construir um parque eólico? Como falar em mitigação climática devastando vegetação nativa para instalar placas solares?”, questiona Hyally. “Isso se chama contradição.”

Na Paraíba, Mikaelle denuncia violações em comunidades quilombolas afetadas por megaprojetos. Em um deles, durante a pandemia, empresas usaram dinamite para abrir estradas e erguer torres, provocando rachaduras em casas e destruindo cisternas que garantiam o abastecimento familiar.

“Elas ficaram mais de dois anos sem acesso à água. E só agora a empresa apareceu com caixas d’água de plástico para substituir o que elas mesmas destruíram. Isso é transição energética?”, critica.

As pesquisadoras reforçam que a maior fragilidade está na ausência de políticas públicas, especialmente no cumprimento dos protocolos de consulta prévia, livre e informada, direito garantido pela Convenção 169 da OIT que protegeria os direitos dos povos indígenas e tribais.

“Os processos acontecem de forma atropelada, sem escuta das comunidades, sem estudo de impacto ambiental adequado e sem retorno econômico local. Isso é imposição, não é transição”, afirma Mikaelle.

Em vários municípios, a construção dos parques exige infraestrutura pesada: reformulação de estradas, uso intensivo de água, circulação de caminhões e maquinário de grande porte. A conta ambiental e social fica para comunidades que já enfrentam seca, falta de serviços públicos e desigualdades históricas.

Universidades e resistência comunitária

Apesar do cenário adverso, as pesquisadoras destacam caminhos de resistência. Em Caicó, parcerias entre a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, grupos de pesquisa e organizações como a Cáritas têm levado informação às comunidades afetadas, promovendo debates sobre impactos, direitos e alternativas.

“O conhecimento é uma ferramenta de defesa. Quando a comunidade entende o processo, ela pode se posicionar, denunciar e exigir mudanças”, explica Hyally.

O objetivo é garantir que a transição energética aconteça de forma justa, participativa e baseada na proteção dos territórios e dos modos de vida tradicionais. “Não existe urgência climática que justifique violar direitos humanos”, resume Mikaelle.

Assista a entrevista na íntegra: