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Brasília é patrimônio brasileiro

São 25 anos de transgressões ao tombamento, por empresários ávidos de lucros com o apoio de deputados e juízes, a conivência de governos distritais e a omissão de autoridades federais

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Uma missão da Unesco esteve em Brasília este mês para verificar se o Plano Piloto, inscrito na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade, está sendo protegido. Alguns alarmistas, diante das inúmeras violações ao tombamento verificadas ao longo dos últimos anos, chegaram a dizer que Brasília, que vai completar agora 52 anos, poderia perder o título concedido pela Unesco em 1987. Exagero. A situação é ruim, mas não chega a tanto.

Defender o tombamento do Plano Piloto pensado por Lúcio Costa e enriquecido pela arquitetura de Oscar Niemeyer nos anos 1950 não pode ser considerada uma questão meramente brasiliense. É uma questão nacional, de todos os brasileiros. Brasília é a única cidade moderna tombada pela Unesco e qualquer país se orgulha de ter cidades tombadas pela Unesco.

Não é difícil entender porque tanto se desrespeita o tombamento do Plano Piloto como Patrimônio Cultural da Humanidade. Basta entender como funciona o poder político no Distrito Federal. Desde 1987, são 25 anos de transgressões cometidas por empresários ávidos de lucros, com o apoio de deputados distritais (os vereadores do Distrito Federal) e juízes, a conivência de sucessivos governos distritais e a omissão de autoridades federais.

O problema é tão velho quanto Brasília, e desrespeitos ao projeto urbanístico de Lucio Costa existem desde a inauguração da cidade. E já eram muitos na década de 1980, o que chamou a atenção do então governador José Aparecido de Oliveira que, com muito trabalho, conseguiu o reconhecimento como Patrimônio da Humanidade. Não fosse isso, as Asas Sul e Norte já teriam blocos de 20 andares, em vez de seis, e o Parque da Cidade já teria sido loteado entre as construtoras e incorporadoras.

Mas as coisas pioraram a partir de 1990, quando o governador passou a ser eleito e foi constituída a Câmara Legislativa. Quem defende a democracia defende eleições, mas é preciso reconhecer que o problema das violações ao patrimônio começa nelas. Infelizmente. A busca pelos votos a qualquer custo e o financiamento de campanhas eleitorais estão na base de praticamente todo o desrespeito ao tombamento do Plano Piloto.

Não há governador do DF que tenha sido eleito sem a ajuda financeira de empresários da construção civil, legalmente ou pelo caixa dois. Todo mundo sabe disso e alguns empresários arrotam esse apoio sempre que têm oportunidade. O mesmo acontece com deputados distritais. E muitos deputados que não recebem dinheiro desses empresários antes da eleição, recebem durante o mandato, especialmente quando se votam questões urbanísticas. E isso não aconteceu só no governo de Arruda, não.

Por isso os empresários da construção civil de Brasília fazem o que querem: mudam normas de gabarito, constroem blocos com sétimo andar disfarçado, adensam áreas já saturadas, inventam quadras e superquadras onde elas não deveriam existir, alteram a destinação de lotes, invadem áreas públicas e assim por diante. Conseguem aprovar leis na Câmara que são sancionadas pelos governadores, cometem irregularidades e ilegalidades sem serem incomodados por ninguém. Grandes empresários subornam altos funcionários, pequenos empresários subornam fiscais. Têm sido assim e continua sendo assim.

A livre movimentação dos empresários da construção explica, por exemplo, os espigões de Águas Claras e do Guará, a transformação das já conturbadas margens da via Epia em áreas residenciais, o adensamento irresponsável nas vias W4 e na W5, o projeto de torres na 901 Norte, os apartamentos disfarçados de hoteis na orla do Lago, o aumento do número de superquadras previstas para os setores Sudoeste e Noroeste, a quadra 500 no Eixo Monumental, o centro administrativo em Taguatinga e até o estádio de dispensáveis 70 mil lugares.

O dinheiro dos empresários traz os votos, mas não basta isso. Os candidatos precisam dos votos dos que invadiram terras públicas ou compraram terras de grileiros para construir condomínios, para aumentar a área de suas lojas, para construir quadras esportivas e piscinas em suas casas, para aumentar seus lotes e protegê-los com grades e muros. Precisam dos votos dos que impunemente deformam as quadras 700 e a Vila Planalto.

Mas a teia não para por aí. Quando o governo ou o Ministério Público agem, ou procuram agir, sempre há alguns juízes para conceder liminares protegendo as ilegalidades e irregularidades. O tombamento do Plano Piloto tem inimigos nos três poderes e no poder principal: o econômico.

Defender o tombamento não é engessar a cidade, ao contrário do que alguns alegam de má-fé e outros pensam de boa-fé. É preservar suas escalas e o espírito que norteou o projeto de Lucio Costa. E isso não pode, infelizmente, ser deixado por conta apenas dos brasilienses e de seus políticos dominados por interesses empresariais e paroquiais. É assunto para todo o Brasil.

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