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Jurista explica por que acordos de leniência devem ser revistos

Melhor seria que os acordos de leniência firmados fossem renegociados com ampla transparência, escreve o jurista Maurício Ferro

(Foto: ABr | USP)
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Por Maurício Ferro - Depois que o PSOL e o PCdoB entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a anulação das multas de todos os acordos de leniência já fechados no Brasil, apareceram manifestações da imprensa brasileira contrárias à anulação dos acordos fechados, com argumento de que isto significaria ataque a democracia e apoio a corrupção. Sustentam que os empresários confessaram a corrupção e que, portanto, nada poderia ser revisto. Afirma-se que os acordo de leniências não quebraram as empresas. Esta alegação se baseia somente na multa aplicada e não leva em considerações outros fatores que levaram as empresas a derrocada.

O argumento usado na inicial da ação de Estado de Coisa Inconstitucional é a de que todos os acordos foram feitos sob coação dos empresários pelo Ministério Publico Federal, sob coordenação do Juízo de Curitiba. E, segundo o inciso II, do artigo 171 do Código Civil é anulável o negócio jurídico por vicio resultante do erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Os fatos revelados posteriormente, através do acesso às mensagens dos agentes públicos, nos dão a certeza de que houve uma coordenação ilegal das ações judiciais contra as empresas e seus empresários, escutas clandestinas, enorme abuso de autoridade, manipulação dos fatos, prisões ilegais e excessivas, além de grampos ilegais contra autoridades publicas, advogados e ameaças a familiares dos réus. Delatores foram obrigados a confessar o que não fizeram e relatos como doação de campanha por caixa 2, foram deliberadamente transformados em corrupção ativa, cuja tipificação penal é mais onerosa e de maior compreensão popular. Todos estes fatos, públicos e notórios, já seriam suficientes para uma análise mais detida e crítica pelo judiciário de tudo que foi feito nestes acordos. Porém, entendo que existe ainda uma análise sobre outro foco. Refiro-me às condutas do Estado pós acordo de leniência.

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O acordo de leniência é um instrumento de natureza contratual sinalagmático – bilateral, com obrigações recíprocas para as partes – firmado pela pessoa jurídica e pelo representante do Estado, cuja natureza é possibilitar que a empresa, dada a sua função social, estabelecida no inciso II, do artigo 170 da constituição federal, sobreviva de forma igualitária as demais empresas do setor, mediante confissão e cessação de práticas ilegais, garantia de que tais práticas não voltarão a ocorrer, estabelecimento de controles internos, pagamento de multa e reparação do dano. A função social da empresa se traduz por criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural de onde atua, respeito ao direto dos consumidores, dentre outros. Em contrapartida, se garante que a empresa não terá restrição para voltar a contratar com o Estado e evita que sofra retaliações dos demais entes públicos, de economia mista, nacional ou internacional. O relacionamento do Estado com a empresa leniente deve se equiparar ao aplicado às demais empresas do setor.

O código Civil brasileiro estabelece que não se pode exigir a prestação da obrigação por aquele que não adimpliu a sua obrigação no contrato. Ou seja, se a empresa não cessou suas práticas ilegais, não pode voltar a pleitear contratos com o Estado. Da mesma forma, se o Estado não restabeleceu as condições de mercado normais para a empresa operar, não pode exigir o pagamento da multa. Com base nos princípios da boa-fé, da função social dos contratos, da a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa, exige-se das partes, comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade. O artigo 422 do Codigo Civil, estabelece que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa fé”. Portanto, celebrado o contrato de leniência, as partes terão a obrigação de cumprir com o pactuado, se uma delas não o fizer, a parte contrária poderá não cumprir sua parte, devido ao fato de que a prestação de sua obrigação ser correlata à obrigação da outra parte. No direito se diz “exceptio nom adimpleti contractus”, que em português quer dizer exceção de contrato não cumprido. O artigo 476 do código civil estabelece, ainda, que “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Assim, o Estado precisa estar adimplente com suas obrigações para exigir a contrapartida das multas das empresas. Porém, é sabido que o Estado não vem cumprindo sua parte no acordo. Várias empresas continuam impossibilitadas de contratar com as empresas publicas, ou com a Petrobras. Persiste o blacklist de algumas empresas que firmaram acordo de leniência. O BNDES extinguiu o crédito a exportação, principal fonte de financiamento de empresas brasileiras no exterior. O mesmo BNDES não honrou com o financiamento já contratado das obras das concessionarias rodoviárias e condicionou a liberação do financiamento à venda das ações nas concessões. O governo paralisou as obras publicas em andamento com as empresas lenientes e não instituiu nenhuma obra nova, o que inviabilizou as empresas de construção pesada no Brasil. Novas exigências foram demandadas dos demais entes públicos nacionais e internacionais, incorrendo em mais custos para as empresas. Somente para se ter um exemplo do absurdo, além dos acordos originais com o Estado brasileiro, as empresas foram obrigadas a cumprir com exigências perante os MPF dos estados, dos municípios, com o TCU, CVM, Banco Central, BID, CADE, CGU. A Petrobras, empresa do Estado, não aderiu aos acordos de leniência e ajuizou ações judiciais e procedimentos arbitrais contra as empresas e seus controladores. O MPF de Curitiba continuou a perseguir e a processar demais executivos das empresas lenientes, mesmo que não envolvidos nos relatos. Não foi respeitada a confidencialidade dos acordos firmados e vídeos foram expostos na internet com exposição de pessoas, em prejuízo até mesmo da segurança delas. Os relatos foram vazados ilegalmente pelo MPF de Brasília para a imprensa. As empresas ainda possuem restrições no TCU.

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O próprio contrato de leniência prevê hipóteses de rescisão do acordo, sem prejuízo dos direitos adquiridos daquele que não der causa à rescisão. Portanto, talvez ainda vejamos, proximamente, empresas desistindo dos acordos firmados, buscando guarida dos tribunais por entenderem que a contrapartida do Estado não foi honrada.

É prática comum do mundo jurídico que contratos firmados num determinado momento e cenário sejam revistos posteriormente para adequá-los a nova realidade fática dos signatários. Os artigos 317 e 478 do Código Civil brasileiro trazem expressa possibilidade de correção das obrigações, assegurando um equilíbrio e justiça nas obrigações contratadas. As empresas quebraram depois dos acordos e a realidade econômica atual não indica avanços em curto prazo da retomada econômica brasileira. Desse modo, para evitar que mais imbróglio jurídico derive desta situação, melhor seria que os acordos de leniência firmados fossem renegociados com ampla transparência para adequá-los a atual realidade jurídica e econômica das empresas lenientes e do País.

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