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Jurista Lênio Streck diz que decisões como a de Fux ainda podem matar o Direito no Brasil

"Esse relativismo interpretativo ainda acaba com o nosso Direito. Isso tem de ser dito", diz o jurista, ao se referência à decisão do ministro do STF Luiz Fux, que derrubou a decisão de Ricardo Lewandowski e proibiu o ex-presidente Lula de conceder entrevistas a órgãos de imprensa

Jurista Lênio Streck diz que decisões como a de Fux ainda podem matar o Direito no Brasil (Foto: Dir.: embaixo (Ueslei Marcelino - Reuters))
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Por Lenio Luiz Streck, no Conjur - Andava eu pela Itália e, no meio de uma conferência sobre hermenêutica, uma professora me interrompe e diz: “Está bem, professor. Nós dois vemos um barco e cada um vê um barco diferente. Logo, onde está a resposta correta?”. Respondi-lhe, candidamente: “Professora, aleluia. Perfeito. É um barco. Estamos juntos. Não é um avião. Então, agora, podemos começar a ver o tamanho do barco”.

Conto isso para falar do que venho dizendo há 20 anos ou mais: interpretar têm limites. Capitu traiu ou não Bentinho? Vamos discutir. Mas Capitu era uma mulher. Nenhuma interpretação comporta a tese “Capitu era homem”. Pois a decisão do ministro Luiz Fux cassando a decisão do ministro Lewandowski é similar ao que Eco chama de superinterpretação. Na metáfora ou alegoria do barco, Fux disse que não era um barco e, sim, um avião.

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Vamos lá. A história quase todos já conhecem: houve a decisão — monocrática — do ministro Lewandowski na Reclamação 32.035, atendendo a pedido formulado pela Folha de S.Paulo e Mônica Bergamo, em insurgência contra decisão da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba que negou a realização de entrevista jornalística com o ex-presidente da República Lula. Ou seja, a decisão permitiu que Lula concedesse entrevista, coisa que qualquer presidiário tem direito, inclusive Beira Mar e até Adélio Bispo (que esfaqueou Bolsonaro).

O Partido Novo ingressou com um inusitado pedido de Suspensão de Liminar, com fundamento no artigo 4º da Lei 8.437/1992. O ministro Luiz Fux, no exercício da Presidência do STF, cassou a liminar do colega. Eis o dispositivo utilizado, o qual, aliás, não foi transcrito na decisão do Ministro Fux. Leiamos:

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Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Em que parte esse dispositivo autoriza o ministro Fux a cassar a decisão do ministro Lewandowski? O Partido Novo é pessoa jurídica de direito público interessada diante de flagrante ilegalidade? E qual a grave lesão à ordem?

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Mas tem algo mais grave na equivocada decisão de Sua Excelência: ele não suspendeu uma liminar no sentido técnico da palavra. Na verdade, Fux suspendeu uma decisão monocrática que julgou procedente a reclamação, como bem lembra o jurista Marcio Paixão. Portanto, nem se tratava de liminar, sendo incabível a suspensão. Por isso cabe facilmente — para dizer o menos — um mandado de segurança ao presidente do Supremo Tribunal, ministro Dias Toffoli.

Mais grave: o artigo 1º da Lei dos Partidos Políticos diz que o partido politico é PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO (isso está claro, por exemplo, na SS 4.928). Pronto. Aqui nada mais seria necessário. O ministro não se deu conta dessa “sutileza”. Logo, o partido nem poderia ter entrado com o pedido.

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Mas tem mais. Há precedentes do STF sobre essa temática. A matéria é pacífica. Leiamos parte do voto do ministro Gilmar Mendes (cuja matriz tudo indica ser a SL 381-PR) e que está transcrito em mais de uma decisão:

"A interpretação do referido dispositivo (art. 4º e parágrafos terceiro e quarto da Lei 8.437/1992) não deixa dúvida de que é incabível ao Presidente de um determinado Tribunal conhecer do pedido de suspensão contra decisões prolatadas por membros da mesma Corte.

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Assim, não cabe à Presidência do Supremo Tribunal Federal o conhecimento dos pedidos de suspensão de decisões proferidas pelos demais ministros do STF.
(...)

Isso significa que a decisão liminar impugnada, em sede de Reclamação Constitucional que tramita nesta Corte é ainda pendente de julgamento de agravo, não serve de parâmetro para o cabimento do pedido de suspensão" (SL 381-PR). Vide SL 1118/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia" (...).

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8. Entendimento diverso viabilizaria a atuação do Presidente do Supremo Tribunal Federal como espécie de revisor das medidas liminares proferidas pelos demais Ministros, o que se apresenta inadequado, pelo fato de comporem o mesmo órgão jurisdicional, não havendo cogitar de hierarquia interna.
Nesses termos, eventual erro na prestação jurisdicional deve ser suscitado por recurso próprio taxativamente previsto na legislação processual, sendo descabida a conversão da medida de contracautela, de caráter excepcional, em sucedâneo recursal ".

Simples assim. Ou complexo. Veja-se que só examinei a juridicidade da decisão. Não entrei no seu aspecto político...! Sou apenas um constitucionalista. Sem parentes importantes e vindo lá do interior, da terra do Bagualossauro, o dinossauro mais antigo do mundo (Agudo, RS, da qual Nova Iorque dista 10.893 km).

A professora italiana eu consegui convencer. Com todas as vênias, espero — na metáfora com que iniciei o texto — convencer a comunidade jurídica de que um barco não é um avião.

Esse relativismo interpretativo ainda acaba com o nosso Direito. Isso tem de ser dito.

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