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Brasil

Mulheres têm o que celebrar, mas é preciso avançar, diz juíza

Na Semana Internacional da Mulher, que comea hoje, a juza Mrcia Lisboa, da Vara de Violncia Domstica e Familiar de Salvador, diz, em entrevista ao Bahia 247, que elas tm o que comemorar, mas que ainda h muito a avanar

Mulheres têm o que celebrar, mas é preciso avançar, diz juíza (Foto: Karol Azevêdo - Bahia 247)
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Victor Longo _Bahia247

Mulheres denunciem
O medo acabou
A Lei Maria da Penha chegou
Não veio para prender o homem
Mas para punir o agressor
Cordel de Tião Simpatia

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A juíza Márcia Lisboa, da Vara de Violência Doméstica e Familiar de Salvador, recita os versos acima de cor e salteado. Em seu gabinete, nos Barris, ela exibe, num porta-retrato, uma foto ao lado de Maria da Penha, mulher que ficou conhecida pelo engajamento na luta pelo fim da violência de gênero depois de ser espancada e torturada durante anos pelo marido. De tanto ser agredida, até ficou paraplégica. Tomou coragem, denunciou e lutou tanto a ponto de levar seu nome à Lei.

Nesta entrevista ao 247, a juíza diz o que ‘elas’ têm a comemorar na Semana Internacional da Mulher, que começa hoje. Ela aposta na Lei Maria da Penha como arma para modificar os valores patriarcais com origem milenar. A magistrada ainda disseca a violência doméstica em Salvador, avalia Dilma Rousseff e comenta o engajamento da corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, no combate à corrupção. Lisboa ainda fala sobre temas como o acúmulo de processos na vara projeto de Lei Antibaixaria.

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Bahia 247 – As mulheres de Salvador têm o que comemorar no dia 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher?
Márcia Lisboa
– Sim, não tenha dúvida. A mulher deve comemorar muito os avanços conseguidos com a Lei Maria da Penha [lei número 11.340, que tipifica o crime da violência contra a mulher], que completou cinco anos em 2011 e hoje é uma das leis mais conhecidas do Brasil. Essa lei tem ajudado a prevenir e punir todas as formas de violência [doméstica] contra a mulher. Com essa lei, a mulher pode ter coragem de denunciar quando sofre violência e o Estado tem o dever de protegê-la, o que é uma grande vitória.

247 – E o que ainda há para melhorar?
ML – Apesar dos avanços, nota-se que 90% das mulheres ainda têm muito medo e vergonha de denunciar quando sofrem violência. Isso tem origem num sistema patriarcal, sexista e hedonista milenar que ensinou que a mulher é um objeto do homem. A mulher ainda é vista como um objeto sexual e propriedade do homem. [Segundo esses valores], somos mulheres ou esposas, nunca seres humanos.

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247 – A Lei Maria da Penha modificou isso?
ML
– Os valores persistem, mas estão mudando aos poucos. A Lei Maria da Penha toca nessa questão e fala, em seu artigo sexto, da violência contra a dignidade humana da mulher, superando a ideia de que as lesões corporais leves contra as mulheres são crimes de menor potencial ofensivo. Antes, tinha-se apenas a Lei 9.099 [Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, de 1995] que dava pena máxima de um ano para lesões corporais leves. Mas, e no caso de mulheres que levam um tapa todo dia, um murro aqui, um empurrão ali? Achava-se tudo isso natural, que era normal apanhar do marido. A Lei Maria da Penha modificou isso [a nova lei aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos e prevê medidas como a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher]. Antes, o homem agredia a mulher todos os dias e não podia ser preso. Nas audiências de conciliação, os agressores eram condenados a pagar duas cestas básicas, dois quilos de feijão... Teve até um juiz que mandou o marido dar uma flor à mulher... de uma ironia tremenda!

247 – Mas como identificar se há violência de gênero?
ML
– A mulher sofre violência única e exclusivamente por ser mulher. O homem sofre todo tipo de violência – por ser negro, homossexual, pobre –, mas por ser homem ele não sofre. A mulher sofre pelas mesmas razões e, além disso, por ser mulher. Para ilustrar isso, John Lennon dizia que a mulher era a negra dos negros. Com disse, o sistema patriarcal é milenar, vem lá do Código de Hamurábi [código de leis da antiga Mesopotâmia, datado de 1700 a.C.].

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247 – E em Salvador, qual o tipo de violência que a mulher mais sofre?
ML
– Sobretudo a violência doméstica. De cada dez mulheres, sete sofre algum tipo de violência dentro de casa – ou seja, a violência doméstica contra a mulher está em 70% das famílias. Elas sofrem agressões principalmente dos seus maridos, ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros. A cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil. Cinco mulheres morrem no Brasil por dia, e a Bahia é o segundo estado mais violento com relação à mulher. O Nordeste, de uma maneira geral, é muito problemático em relação a isso.

247 – O Nordeste é a pior região?
ML
– Há muita violência também no Rio de Janeiro, por exemplo, mas com uma diferença: lá são 11 varas de violência contra a mulher, enquanto Salvador só tem uma.

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247 – Há acúmulo de trabalho na vara de Salvador?
ML
– Para você ter ideia, são 10 mil processos em andamento em menos de quatro anos de vara [a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher só foi criada em novembro de 2008]. É mais processo do que as varas de família juntas. Recebemos 40 inquéritos policias por dia, o que significa 40 processos por dia. Você sabe o que é isso? Todos esses processos vão chegando aqui, se acumulando! Nós aqui somos duas juízas e duas promotoras, além dos psicólogos e assistentes sociais, em boa parte voluntários! A vara tem competência híbrida, ou seja, responde pelas áreas cível e criminal. Ou seja, fazemos aqui separação, divórcio, sentenças sobre guarda de crianças, além dos casos de violência criminosa. Isso porque muitas uma separação corta a violência contra a mulher pela raiz.

247 – O que a mulher que sofre violência deve fazer?
ML
– O primeiro passo para cessar a violência é a denúncia, a queixa na delegacia. É preciso ter coragem e procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, que é o início de tudo. Ela também pode pedir, de acordo com a Lei Maria da Penha, a medida protetiva de urgência. Ou seja, solicitar que o homem ou saia de casa, ou seja, proibido de se aproximar dela. Para se enquadrar na Lei Maria da Penha, basta que exista qualquer tipo de relação de afeto entre o agressor e a agredida. O Estado deve proteger a mulher no momento em que ela pede ajuda.

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247 – Mas existe uma estrutura para que essa mulher que chegue à delegacia fazendo uma denúncia seja protegida de imediato? A medida protetiva impede que o marido persiga a mulher e a agrida ou a mate, por exemplo?
ML
– Nós fazemos toda a nossa parte. Eu dou a medida protetiva, que é a minha parte, mas não posso evitar que ele a descumpra. Caso isso aconteça, a minha parte é mandar prender imediatamente. Dizem que quando o homem é preso e sai da cadeia, ele sai com mais raiva, mas isso não é o que ocorre normalmente. Vemos casos de homens que saem mudados e que refletem sobre as atitudes, com a ajuda dos psicólogos e assistentes sociais, assim como dos grupos como Alcoólicos, Narcóticos e Neuróticos Anônimos. Indico também, para as mulheres, o grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada).

247 – O álcool e as drogas são a causa da violência contra a mulher em muitos casos?
ML
– Não. O álcool e as drogas não determinam a violência. Em 50% dos casos, eles potencializam a violência. O homem que bebe muito na rua não briga com ninguém na rua. Ele chega em casa e atinge as pessoas mais vulneráveis, que são, em geral, as mulheres. Mas, como disse antes, a causa da violência é o sistema de valores patriarcal e machistas.

247 – Os críticos da Lei Maria da Penha dizem que homens também sofrem violência doméstica da mulher, mas não denuncia por sentir vergonha. Por que ignorar esses crimes?
ML – Não tenha dúvida de que existem homens que sofrem violência, mas esse argumento não procede porque estatisticamente há muito mais mulheres que o sofrem. As leis e políticas públicas devem se basear em dados estatísticos, não em exceções. Mesmo assim, o homem também está protegido pelo Código Penal, e pode ir a qualquer delegacia e denunciar. O processo criminal será aberto normalmente. A Lei Maria da Penha não modificou isso, apenas agravou a violência contra a mulher, tornando lesões corporais antes consideradas leves em lesões corporais qualificadas. A Lei tipificou um crime muito recorrente, baseada em números, na grande quantidade de mulheres que sofrem com a violência. O argumento contra a Lei Maria da Penha não procede por isso.

247 – O Estado pode interferir no que acontece dentro de casa, que é esfera privada?
ML
– Pode e deve, isso está na Constituição Federal e na Constituição Estadual. É dever do Estado proteger a família em cada um dos seus membros. Antigamente, prevalecia aquela máxima: briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Em razão de ações afirmativas oriundas de tratados internacionais, é dever do Estado proteger quem está sofrendo violência onde quer que seja, inclusive dentro de casa. O lar deve ser um lugar de paz e aconchego, não de violência. Tenho certeza, além disso, que a violência nas ruas começa dentro de casa. É preciso cortar o mal pela raiz. O filho que foi agredido vai ser uma agressor, a filha que foi abusada sexualmente pode ser uma abusadora no futuro. Pensemos também em números: quantas crianças são abusadas, vendidas, usadas, espancadas dentro de casa. O Estado não deve fazer nada? A Lei vai em cima das famílias disfuncionais, que têm o núcleo de violência como base.

247 – Você está engajada pela aprovação, na Assembleia Legislativa, do projeto de Lei Antibaixaria, de autoria da deputada Luíza Maia (PT). A lei busca proibir o Estado de contratar bandas que tenham músicas ofensivas contra a mulher, mas os críticos do projeto dizem que se trata de censura...
ML
– Não existe censura. O projeto de lei diz que é vedado ao Estado patrocinado com dinheiro público qualquer banda que venha a denegrir, vilipendiar a mulher, ou instigar a violência contra ela. O Estado não pode contratar uma banda que diz que a mulher é como uma lata, um joga fora e outro cata (referência à música Mulher é igual a lata, da banda Black Style), ou que ela é uma cachorra, ou que eu te machuco de fora pra dentro (Machuca, Saiddy Bamba)... O que é isso!? Uma criança de três anos ouvindo isso vai pensar o quê? Que ela é um objeto! Essas bandas não estarão proibidas de se manifestar, de tocar, cantar e aparecer nos jornais, ser contratada por quem tenha dinheiro. O projeto trata sobre o uso do dinheiro público. O dinheiro do Estado não deve ser usado para incitar a violência contra a mulher. É como se o Estado estivesse estimulando um traficante a vender droga. Não é nada contra o pagode. Há pagodes maravilhosos, mas não se trata de escolher gênero musical.

247 – Mas o critério para definir qual música instiga a violência contra a mulher é muito subjetivo...
ML
– O projeto de Lei Antibaixaria sugere a instituição de uma comissão de especialistas capaz de verificar isso. Quero aproveitar e parabenizar a deputada Luiza Maia (PT) e a vereadora Tia Eron (PRB), que muito têm feito pelas mulheres. Digo sem medo: votem nelas.

247 – O que você acha da luta da ministra Eliana Calmon para ampliar os poderes do Conselho Nacional de Justiça e combater a corrupção no Judiciário?
ML – A ministra Eliana Calmon é baiana, foi colega da minha mãe, é uma mulher muito inteligente, competente e corajosa. Já estive várias vezes com ela e a admiro muito. Ela, inclusive, trabalha muito no combate à violência contra a mulher. Ela já explicou o que ela disse [que há bandidos de toga no Judiciário], não sei se foi a forma mais adequada, mas de certa maneira eu também concordo. É preciso combater a corrupção em qualquer Poder que ela exista. Ela está correta. A posição dela é a minha também. Corrupção tem que ser combatida em qualquer nível. Como diretora da Associação de Magistrados da Bahia (Amab), já saí às ruas em protesto contra a corrupção.

247 – Qual sua interpretação sobre o recente caso da juíza Nemora Jannsen, que foi espancada, em Porto Seguro, pelo promotor Dioneles Filho, já que se trata de um episódio de violência contra a mulher?
ML
– Foi um episódio triste, mas é preciso ter muita cautela, porque não se sabe exatamente o que motivou a agressão e tudo está sendo investigado. Não se sabe se isso se enquadraria na Lei Maria da Penha, porque não há registros de que eles tenham tido algum envolvimento afetivo. Só se característica a violência doméstica se houver relação de afeto ou familiaridade. Seria um caso de lesão corporal comum. Como não sei os motivos e o que ocorreu, não cabe a mim julgar o caso.

247 – Como avalia a presidente Dilma Rousseff?
ML
– Só o fato de ela colocar muitas mulheres nos Ministérios é bastante positivo, porque dá força às mulheres e vai de encontro aos valores patriarcais e machistas sobre os quais falamos antes. Ela está mostrando que mulheres, assim com homens, podem ser competentes no poder. Também gostei da indicação da ministra Luiza Bairros [Promoção da Igualdade Racial], que é minha amiga daqui. É muito importante ela valorizar a figura da mulher no poder e com competência. Dilma Rousseff tem feito isso.

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