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Brasil

"Não basta Bolsonaro cair e continuarmos com a política genocida de Paulo Guedes", diz Eduardo Moreira

"Não tenho a menor dúvida que já estamos no processo do fim do governo Bolsonaro. Alguns dizem que a pergunta não é se já entrou no fim, mas quando vai ser o fim. Essa não é a minha maior preocupação. A minha maior dúvida é como vai ser esse fim", diz o economista Eduardo Moreira

Eduardo Moreira, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Ravi Santana | Marcos Correa/PR)
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Márcia Bechara, RFI - Ex-banqueiro, o economista carioca Eduardo Moreira nasceu no "berço esplêndido" da elite econômica do Brasil, um grupo restrito e altamente exclusivo, que hoje se tornou um dos alvos principais de suas críticas. Com a ambiciosa missão de fazer a ponte entre base e topo da pirâmide social, sobrevoando o “fosso histórico de desigualdades”, Moreira criou o movimento #Somos70porcento, que se multiplica nas redes sociais.

Ele diz não querer se candidatar, mas “arrumar a casa”, numa adaptação pertinentemente livre da origem grega da palavra “economia”: “eco” sendo casa, e “nomos”, ordem.

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O correspondente do jornal francês Le Monde no Brasil, Bruno Meyerfeld, disse, em análise do contexto brasileiro, que a pandemia seria uma aliada do presidente Jair Bolsonaro na criação do “caos”, elemento indispensável para remobilizar a base bolsonarista e manter as rédeas do governo. Você concorda?

Não concordo inteiramente e acho que existe uma percepção, ao meu ver, equivocada, de imaginar que esta base de pessoas que apoiam fortemente o governo, que, segundo uma pesquisa da Quest desta terça-feira (23), contabilizaria apenas 21% de cidadãos [que consideram a gestão Bolsonaro ótima ou boa], seria capaz de bancar esse governo. Se a gente imaginar que a base de sustentação do Bolsonaro está só nas classes mais pobres, como muita gente vem falando, por causa do auxílio emergencial, que o apoio do Bolsonaro teria mudado dos empresários para as camadas mais pobres, eu lhe pergunto: você conhece no mundo algum governo que tenha conseguido se manter no poder com uma base de apoio de 20% da população mais pobre, sem ter o suporte das forças que comandam o poder econômico do país? Não existe isso. O caos para Bolsonaro funciona apenas se ele se mantiver com o apoio das famílias e dos grupos que detém o poder econômico do Brasil. Algo que até hoje ele teve. O grupo que tem o poder econômico e da mídia se sente satisfeito com [o ministro da Economia, Paulo] Guedes no poder. Guedes é o representante deles, sem intermediários. Guedes era dono de banco de investimentos, era sócio de vários empreendimentos.

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Você conhece bem essa elite econômica, você veio dela. Na sua opinião, o que mais se lucra no alto da pirâmide com o governo Bolsonaro?

Duas coisas. Em primeiro lugar, eles não lucram apenas dinheiro, é um erro as pessoas imaginarem que a guerra que existe é por dinheiro. Dinheiro é um meio. A guerra é por poder. Em países tão desiguais, como o Brasil, aqueles que concentram o capital querem o poder. Vamos lembrar que, no Brasil, 1% dos donos de terra têm quase 50% das terras e o 1% mais rico da população concentra quase 30% da renda anual, é o país democrático que mais concentra renda no mundo. Os cinco brasileiros mais ricos estocam quase metade da riqueza do país. Como o capital é tão acumulado na mão de poucos, esse fosso que divide os que não têm capital, com total dependência e aceitação das regras impostas para continuar sobrevivendo, e os donos desse capital, esse fosso é aquilo que tem que ser preservado [pelas classes dominantes]. Mais do que o tamanho do castelo. O fosso que impede de chegar ao castelo é mais importante do que o próprio castelo. Tivemos nos governos de esquerda e centro-esquerda do Brasil, tivemos os mais ricos ficando muito mais ricos, com um crescimento anual médio de quase 4%, grandes impérios foram criados. (...) Mas por que então eles não estavam satisfeitos com esses governos?  Porque o equilíbrio de forças e do poder no Brasil começou a mudar. Como você tinha as pessoas das classes mais baixas ascendendo socialmente, estava-se devagarzinho mudando o balanço do poder, fazendo com que as pessoas mais pobres começassem a ter acesso ao capital, perdendo a dependência das pessoas mais ricas, que não conseguiam mais emprega-las a qualquer preço. O jogo não é de dinheiro, é disputa de poder. Para a classe mais alta [do Brasil] é melhor um pouco menos de dinheiro e muito mais poder, do que um pouco mais de dinheiro, e muito menos poder.

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Você vem atuando como um grande interlocutor da base progressista da política brasileira, você se sente identificado com esse grupo?

Sim. Eu não venho desse grupo, venho de um grupo conservador. Trabalhei no mercado financeiro durante 20 anos, era sócio de banco, estudei em faculdade privada, nasci num bairro nobre do Rio de Janeiro, então a história que sempre me foi contada era a da esquerda dos comunistas, do “vai pra Cuba!”, “vai pra Venezuela!”, “bando de corruptos”. Eu sempre repeti esse discurso. A grande mudança na minha vida foi quando, dentro do mercado financeiro, comecei a conseguir me ver como um dos grandes patrocinadores da desigualdade no Brasil. Como é que pode um setor que não produz nada – uma vez que o setor financeiro não produz nada, não é um setor produtivo-, acumular tanta riqueza como acumula no Brasil, e o setores que produzem riqueza viverem um momento tão ruim. Quando comecei a perceber esse ciclo, comecei a estudar a desigualdade. Nesse momento, tive vontade de conhecer um dos grupos que eu criticava, o MST [Movimento dos Sem-Terra]. Fui morar com o pessoal do MST, tendo uma visão crítica, preconceituosa e agressiva. Uma visão agressiva. E fiquei encantado com o que vi.  Como é que não podemos conhecer o MST? O mundo conhece melhor o MST do que os brasileiros. São dois milhões de pessoas que vivem organizadas nessa tentativa de encontrar dignidade humana. Esse mergulho acabou me jogando, de maneira mais ampla, na causa progressista.

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Mesmo que o movimento #Somos70porcento seja suprapartidário, existe uma ambição sua de poder político, a política entendida enquanto “polis”, a “cidade”, um imaginário e uma identidade coletivos. Você se filiou a algum partido, pretende se filiar? Qual é a sua ambição dentro do cenário político brasileiro?

É bom que as pessoas possam entrar em contato com o real significado da palavra política, que é uma preocupação com a polis, com a cidade, o ambiente, com o “eco”, que é a casa. Realmente tenho essa preocupação de poder ajudar nessa “gestão da casa”. Na palavra “economia”, “oikos” é casa, “nomia” é a gestão. Mas eu não tenho hoje nenhuma intenção partidária, nem de me candidatar a algum cargo. Recebi vários convites de vários partidos, por parte de pessoas queridas, mas eu hoje vejo que a chance de uma pessoa que viveu deste lado da bolha sendo dono de banco, ao lado da elite econômica do Brasil, poder viajar e morar em comunidades miseráveis e aldeias onde pessoas estão sendo exterminadas, nos acampamentos rurais, nos quilombos, e poder fazer essa ponte, e ser voz para essas pessoas, acho que é uma oportunidade tão grande para mim, que eu não queria interromper esse aprendizado que, para mim, está no começo. No Brasil há pessoas que querem aprender sobre os pobres, mas não com os pobres. Não temos que impor o mundo que desejamos para eles. (...) Quero ser esse instrumento. Tenho amigos deputados e senadores, discuto com eles soluções que podem ser viáveis. Não preciso me tornar um deputado ou senador. A mudança desejada pode vir com um cargo no Executivo com a caneta na mão ou influenciando pessoas no Legislativo, e agindo através da informação. Eu acredito que a informação liberta.

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Você fez uma ruptura complicada com seu passado, vindo de uma classe alta. Me lembro da crise dos coletes amarelos com o presidente francês Emmanuel Macron, pode-se dizer que os manifestantes tiveram conquistas importantes, mas não conseguiram cravar uma das principais motivações do movimento social: a volta do imposto na França sobre as grandes fortunas. Por que é tão difícil taxar as grandes fortunas, sejam em democracias consolidadas ou naquelas ainda em construção?

Porque não são democracias de fato. São falsas democracias. Quando se tem consulta pública no Brasil sobre a taxação de grandes fortunas, por exemplo, no site do Senado, mais de 99% das pessoas que votaram são a favor do imposto sobre grandes fortunas, e as pessoas que são contra são menos do que 0,5%. Mas esse 0,5% que votou ali tem quanto por cento dos deputados e senadores? No Brasil, 15% da população mora no campo. Desses, 1% é dono de 50% das terras agriculturáveis. Logo, estamos falando de menos de 1% de donos de grandes pedaços de terra, os grandes latifúndios. Num Parlamento com 513 deputados, eles não deveriam ter mais do que um deputado, proporcionalmente, mas eles têm 300! Isso é uma democracia representativa? Não é. Dezenas de milhões de trabalhadores rurais do agronegócio ou atividades correlatas não possuem nem 10 representantes [na Câmara]. Na questão do imposto sobre as grandes fortunas: vamos conseguir criar massa crítica e um consenso por meio da TV, cujos donos dos canais de TV são pessoas que seriam afetadas por isso? Através das rádios, dos jornais, dos grandes empresários, que são os grandes formadores de opinião no Brasil? Uma das maiores empresas de varejo do Brasil, durante a eleição, falou que se o Bolsonaro não fosse eleito mandaria embora não sei quantas mil pessoas... Isso não é uma verdadeira democracia. É uma situação onde vivemos de joelhos sob constante chantagem deste pequeno grupo que tem acesso ao pão que a gente precisa todo dia para comer.

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Uma plutocracia?

É pior do que uma plutocracia, ao meu ver. É quase uma falsa monarquia, uma pseudomonarquia. Temos uma família [no poder] onde os filhos, sem terem cargo nenhum [no governo], mandam muito mais do que aqueles que possuem cargos, e as pessoas próximas, simplesmente por serem amigas do rei, têm o poder de mandar e desmandar o quanto elas quiserem. É pior do que uma plutocracia. No Brasil, se você tiver muito dinheiro, mas não for amigo do rei, nem com seu dinheiro você consegue mandar.

Em uma live recente que você fez, você disse "a força de um grupo é medida pela força do elo mais fraco da corrente". Qual o elo mais fraco do Brasil?

Isso é interessante, se eu te disser "você vai escolher um país para morar. Você escolhe [como parâmetro] a pessoa mais rica ou mais pobre daquele país para fazer sua escolha? Claro que a mais pobre. Uma corrente de titânio não é nada se um dos elos for de papel. No Brasil, 80% da população tem renda média per capta de até um salário mínimo. Você tem um percentual grande, da ordem de 20%, 30%, que em algum momento da sua vida passou fome. Um país como esse é uma corrente que não levanta nada, que é incapaz de fazer aflorar o seu potencial criativo. 

Se você tivesse que se definir ideologicamente, você diria esquerda, centro-esquerda?  

Hoje em dia, se eu pudesse ser qualquer coisa, eu gostaria de ser um revolucionário. Acho que eu gostaria de mudar o modelo completamente. Mas existem custos para mudar esse modelo, e muitas vezes estes custos são enormes. Estamos falando de vidas, de pessoas, de caos social etc. Dado o que é possível, eu acredito na social democracia, mas na verdadeira, que a gente viu na primeira metade do século passado na Europa, onde você tinha os pequenos proprietários rurais, os sindicatos muito fortes, num modelo que buscava quatro coisas: universalização da saúde, da educação, o pleno emprego e a distribuição de renda. É nisso que eu acredito como algo possível. Agora, do [ponto de vista ] utópico, imagino um mundo que seria muito mais à esquerda.

Lado a lado como a pandemia, o Brasil vive uma grande crise política. Você tem esperanças para além deste momento? Para onde o movimento #Somos70porcento vai?

Eu não tenho a menor dúvida que já estamos no processo do fim do governo Bolsonaro. Alguns dizem que a pergunta não é se já entrou no fim, mas quando vai ser o fim. Essa não é a minha maior preocupação. A minha maior dúvida é como vai ser esse fim. Porque não basta cair Bolsonaro, e continuarmos com essa política genocida econômica de Paulo Guedes, que quer acabar com o acesso da população aos serviços públicos, num lugar onde a maior parte da população não tem a menor condição de acessar os serviços privados, sejam eles quais forem. Estamos falando dos Correios e da água, da coleta de lixo e da saúde. (...) E esse governo não é só Bolsonaro. Então, ter Mourão com Guedes aprofundando a sua política, você resolve um pouco no campo moral desses absurdos, mas não resolve no campo econômico. Então como, se depois teremos um governo oficialmente militar, piora. A grande pergunta que a gente tem que fazer é o “como” [o governo Bolsonaro vai terminar]. Acho que temos uma dica desse “como” agora no processo das eleições municipais. Vamos ver como está a temperatura, quais as forças políticas que vão ganhar mais poder nas grandes metrópoles. Por isso a necessidade de valorizar os grupos democráticos como o #Somos70porcento, o Juntos, o Basta. Vamos defender esse ambiente “pseudodemocrático”  mas onde, pelo menos, podemos discutir, sem ter medo de ter opinião.

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