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Brasil

O caso da médica acusada de abreviar a vida de pacientes do SUS

No futuro, demonstraremos, esta conduta poderá ser relativizada recebendo uma reprimenda menos gravosa em nossa ordem penal. Polêmica? Certamente

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A mídia discute a conduta execrada pela opinião pública de médica que ordenava sob códigos o desligamento de aparelhos que mantinham pacientes ditos em "estado terminal". Inquérito comprova que havia uma seleção artificial, censitária, onde sempre eram eleitos os pacientes do SUS para darem lugar a pacientes particulares através de uma morte ou facilitada ou provocada. Indicam as investigações que a indiciada e processada médica se investia nos poderes de Deus, a sua revelia, escolhendo que teria e que não mais era conferido o direito a vida. O processo precisará os exatos termos.

Hoje esta conduta revela-se insofismavelmente, caso comprovada nos termos expostos nos autos, crime de homicídio privilegiado. No futuro, demonstraremos, esta conduta poderá ser relativizada recebendo uma reprimenda menos gravosa de nossa ordem penal tipificando-se a conduta no tipo da eutanásia. Polêmica? Certamente, até por se tratar de uma conduta de uma inegável apelo social negativo.

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Impelido pelo descrito, peço vênia para mais uma vez adentrar a uma senda árida e fértil de possíveis argumentos defensáveis. Procurarei ser ao máximo sucinto, sem descurar-me da qualidade do conteúdo trazendo os argumentos da posição que defendo e que me são mais caros. E do que afinal tratar-se-á? Perquirirei a seara da eutanásia e da ortotanásia, possibilidades em que a bioética e o biodireito jamais encontrarão o "consensus societatis", como em grande parte das questões que toque ao campo da fé religiosa, principalmente em se tratando da relação vida X morte sem que se vislumbre a direta "participação divina" como fundamento, que vale dizer, também é por vezes contestado.

O que seria a eutanásia? Em amplos termos é a provocação intencional da morte de certa pessoa que sofre de enfermidade extremamente degradante e incurável, visando privá-lo dos suplícios decorrentes da doença. Por sua raiz grega quer significar "boa morte", forma digna de falecer. Diferente conceito reverbera-se, quando se fala de ortotanásia. Por esta forma de morte, não há interferência ativa de terceiros. Por esta prática, abdica-se do prolongamento da vida que só se mantinha graças às modernas tecnologias dos aparelhos que a medicina dispõe. Uma expressão revela o melhor significado para ortotanásia: "Desliguem os aparelhos". Por isso, pode-se dizer tratar-se de uma morte natural. Há quem a chame de "eutanásia por omissão".

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Por último, a fim de completar as possibilidades, extrai-se do conceito de distanásia como sendo literalmente o oposto da eutanásia. Revela-se a prática defendida pelos homens mais ortodoxos da fé e pelos mais apegados à vida terrena, custe o que custar (sem qualquer analogia ao programa televisivo). Prolonga-se a vida da pessoa enferma, incurável, que agoniza, de forma muitas vezes indignas sobre seu leito, que será inevitavelmente o de sua morte.

O ordenamento pátrio ainda não aceita nem a ortotanásia nem muito menos a eutanásia, tratando-as no Código Penal na figura de homicídio privilegiado, dada a inexistência de um tipo penal individual para essas práticas. No entanto, perspectivas de mudanças avistam-se, ainda que a passos de cágado, e estão sendo discutidas no anteprojeto do CP, fazendo uma leitura mais humanizada e aceitando-se que no conceito de vida digna está o de morte digna, em uma dicção mais consentânea, inclusive, com o Estado laico, ao qual constitucionalmente, ainda que de firma implícita nos filiamos, onde as razões impulsionadas pela fé religiosa, seja qual for, devem ser respeitadas pelo Estado, desde que se respeite a dignidade da pessoa humana. O direito comparado é rico em exemplos, alguns a serem seguidos e outros a serem rejeitados com máxima veemência.

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A China, por exemplo, traz um modelo absurdo, que carrega nítidos contornos de seu regime absolutista-opressor, que cultiva mais o profundo desrespeito aos direitos humanos. Por lá, o comunismo autorizou a eutanásia em pacientes terminais (único requisito) por mera discricionariedade médica, por mera decisão administrativa.

Neste caso não se cogita, em verdade, do escopo de se poupar o sofrimento desumano, mas sim de incognoscível forma de controle qualitativo-demográfico, onde a vida humana passa a ser inservível por que assim entendeu o médico, onde a vida humana se assemelha a de um bovídeo, assim mesmo em não se considerando o gênero localizado em países que os veem como figura sagrada, ocasião que a vida humana valerá menos que a de uma vaca.

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No Uruguai a eutanásia é uma espécie de crime permitido. Há a figura penal do homicídio piedoso, que permite ao juiz isentar de pena o agente que dolosamente provocar a morte de terceiro preenchidos os requisitos de bons antecedentes, motivos altruístas voltados às condições objetivas de padecimento da vítima e a manifestação reiterada da mesma pelo fim de sua vida.

Na Holanda e posteriormente na Bélgica vislumbramos um modelo que posso alcunhar como ideal-progressista. Por lá, a ortotanásia é permitida por decisão médica, tratando-se penalmente de fato atípico. Já a eutanásia é uma excludente de ilicitude, mas que para que não seja considerada crime deverá ter preenchidos específicos requisitos (que o doente seja mentalmente capaz, que reitere expressa e voluntariamente seu desejo de morrer, esteja acometido de doença incurável suportando sofrimento agonizante, atestado por médico). O caso é submetido à comissão multidisciplinar, que em deferindo o pedido será remetido para ratificação e acompanhamento do MP.

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Conforme firmei, entendo o modelo holandês como o mais fidedigno com os direitos humanos, que pugna por um fim de vida digno através de uma morte digna. Inelutável considerar ser o Brasil um país subdesenvolvido na maior parcela da prestação de seus serviços públicos. Somos mais próximos da República do Congo que do Canadá quando se afere, por exemplo, nosso sistema público de saúde, indefectivelmente indigno e degradante. Por isso, faço uma ressalva ao sistema holandês quanto ao procedimento da ortotanásia de se dar por mera decisão administrativa. Entendo que para nossa realidade, de um serviço público em sua maioria ainda selvagem, há que se ter uma maior garantia, um maior controle para não se ceifar vidas por negligência (ou outra modalidade culposa) e se colocar na conta da ortotanásia. Com isso, defendo o mesmo modelo da eutanásia para a ortotanásia, havendo um controle do MP e do Estado-Juiz para uma decisão mais responsável.

O anteprojeto do novo CP está discutindo pela possibilidade de em preenchidos os elencados requisitos permitir-se a ortotanásia, mas continuará entendendo como crime a eutanásia, aplicando-se uma pena menos gravosa que a aplicada ao homicídio privilegiado. Ainda pairam discussões. Não se tem por certo se serão tratados no CP em tipos distintos e da forma clara que se espera, como discute-se ainda, se os familiares poderão interferir no destino do enfermo pré-morto, que não mais se comunica, sendo certo que a ideia dos debatedores do anteprojeto perfaz-se nesse sentido.

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É sem dúvida uma temática muito rica, que fatalmente serão reprisadas e aprofundadas assim que se revelarem contornos mais nítidos da política criminal que iremos adotar. Espero progresso, mas com respeito ao nosso subdesenvolvimento, às nossas precariedades em matéria de serviços públicos dispensados à sociedade menos abastada, mais propriamente a dependente do serviço público prestado pelo SUS. Maior número de audiências públicas revelar-se-ia medida salutar e consentânea com o espírito do princípio democrático para que possamos conferir os derradeiros contornos desse progresso legislativo.

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