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Brasil

O genocídio do diferente

No ano passado, mais de 260 brasileiros foram executados por escolherem uma relação afetuosa com parceiros do mesmo sexo, um recorde registrado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

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No ano passado, mais de 260 brasileiros foram executados por escolherem uma relação afetuosa com parceiros do mesmo sexo. De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o número de vidas ceifadas aumentou 113% em relação a 2010. A marca atingida é um recorde registrado pelo órgão. Antes do relatório divulgado pelo Governo Federal, o Grupo Gay da Bahia (GGB) já havia levantado que, no Brasil, uma pessoa é eliminada a cada 36 horas por não ser heterossexual. Além dos assassinatos, o número de denúncias de agressões contra homossexuais é bastante expressivo. São 1.259 denúncias anônimas registradas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100), mantido pela SDH. Em média, 3,4 ligações por dia. Centenas de cidadãos são atingidos, brutalmente, pela violenta ignorância de uma sociedade que ainda não aprendeu a respeitar o próximo e conviver com as diferenças.

A morte desses cidadãos representa um quadro de retrocesso absoluto e radical. Porque não adianta o quanto avancemos economicamente. Não importa o quanto respeitemos o meio ambiente. E daí que os nossos políticos não são mais corruptos? Nós somos apenas estúpidas bestas digladiando em razão de paradigmas criados em períodos obscuros e perversos da história da humanidade. O que quer que façamos será engolido e destruído pelo nosso egoísmo. Será queimado pelo preconceito e pela discriminação.  A realidade desenhada por esses números deveria deixar qualquer brasileiro envergonhado, perplexo, enojado e de luto. Afinal, somos todos responsáveis por permitir que em nosso país os Direitos Humanos não sejam respeitados, e centenas de pessoas tenham suas vidas cruelmente encurtadas pela intolerância. No Brasil, muitas pessoas morrem porque outras cruzam os braços.

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Lá atrás...

Muito antes de os lusitanos abarcarem Pindorama*, erguendo cruzes cristãs e arrastando cofres vazios, já havia homossexuais no território que seria, mais tarde, explorado pela coroa portuguesa, dominado pela cultura ibérica e intitulado Brasil. Entre as comunidades indígenas, o comportamento que hoje classificamos como "homossexual" era comum. Aliás, poderia ser qualificado como um componente essencial da cultura de muitas organizações nativas.

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Mas os homossexuais causavam temor e incompreensão aos portugueses colonizadores. Investidos pela "ideologia" cristã, os exploradores logo encontraram uma interpretação religiosa para submetê-los a punições físicas e verbais. Índios que mantinham relações sexuais com nativos do mesmo sexo passaram a ser classificados como criminosos e pecadores. Foram socialmente excluídos pelos ensinamentos transmitidos e impostos por missionários jesuítas (para "salvar" a alma do índio) e tornaram-se alvo da truculência pregada pela espada portuguesa. Alvorecia, em território nacional, o preconceito formal, histórico e cultural contra o homossexual.

O nível de crueldade contra estas pessoas era, e ainda é, inimaginável. Estupros e outros constrangimentos físicos e psicológicos eram rotineiros. O preconceito crescia a cada dia e os homossexuais eram exterminados da Ilha de Vera Cruz. Não demorou muito, também, para que a Congregação do Santo Ofício (Inquisição) iniciasse sua caça particular àqueles que se relacionassem com pessoas de sexo idêntico ao seu. Porém, apesar dos índios perseguidos, a maioria dos gays assassinados pela Inquisição, no Brasil, chegou junto com os navios europeus. Isso devido ao fato de que na inquisição, o denunciante lucrava com 1/3 do que pertencia ao denunciado.

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Após a independência, os homossexuais, todos eles, deixaram de ser classificados como criminosos, mas continuaram sofrendo ataques da moral cristã ou do preconceito já indevidamente plantado em solo verde-amarelo. A esta altura já não bastava apenas a eliminação de nomenclaturas, classificações e punições destinadas aos gays e lésbicas. Já estávamos inseridos em um  universo criado e alimentado por anos, e que persistiria no imaginário do brasileiro. Pode-se dizer, portanto, que os homossexuais, no Brasil, encaram mais 511 anos de preconceito, exclusão e práticas de extermínio. Bem como em outros assuntos, as perversidades históricas persistem sendo reverenciadas e reproduzidas pela sociedade contemporânea.

Somente no século XX a homossexualidade deixou de ser classificada pela maioria das vertentes científicas como uma doença, ou um distúrbio (A maioria). E, hoje, quase 100 anos depois, ainda há quem encare um homossexual com a  mesma visão do colonizador português que carregada a cruz cristã no bolso.

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Após os inúmeros avanços alcançados pelo homem, ao longo do desenvolvimento da humanidade, os homossexuais brasileiros ainda carregam o peso de uma "cruz" que lhes foi imposta há tantos anos pela irracionalidade (cultural) portuguesa e cristã, pela decadência de sistemas políticos e também por certa falta de competência científica, em alguns casos.

Ainda hoje...

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Mas 512 anos ainda não foram suficientes para que o brasileiro conseguisse parar de reproduzir as "burrices" do passado. O homossexual ainda sofre para se inserir no mercado de trabalho, principalmente quando os contratantes sabem a sua opção sexual, ainda são responsabilizados por transmitir e espalhar o vírus da AIDS, são expulsos de casa pela própria família, perdem amigos, perdem segurança e se transformam em marionetes para que a mídia divirta o brasileiro amarrado em seu conservadorismo. Ou seja, quando não estão sendo excluídos ou mortos, ainda são desrespeitados em cadeia nacional.

Legislações e "novas interpretações da constituição" têm atendido à algumas expectativas de movimentos LGBTTTs**, como a recente decisão do Superior Tribunal Federal em reconhecer a união estável homoafetiva. Passo importante rumo à equiparação entre casais heterossexuais e os casais homossexuais, e uma clara vitória na luta por direitos iguais. Porém, outras exigências importantes ainda não foram atendidas, como a criminalização da homofobia e o direito ao casamento entre homossexuais.

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O Ministério da Educação (MEC) tenta, há mais de dois anos, estratégias para inserir o tema (ou os temas) nas salas de aula, visando combater o preconceito desde cedo. Os projetos usualmente não têm o apoio popular e nem muito do apoio político. No Brasil, ainda é difícil discutir temas relacionados às minorias históricas, porque o brasileiro não enxerga as dificuldades vividas por esses grupos. O preconceito e a ignorância ainda determinam o comportamento de muitos cidadãos com distintas experiências particulares, mas, certamente, alvos de uma educação escolar e familiar de pouca qualidade.

Milhões de cidadãos aprenderam a perceber o mundo a partir de paradigmas religiosos ou concepções extremamente conservadoras e ultrapassadas. Há pais e igrejas que ensinam crianças a destratar pessoas com diferentes opções sexuais, cores e até formações acadêmicas que não estejam bem qualificadas dentro do padrão estabelecido pelo sistema econômico vigente. O engraçado é que esses mesmos pais e igrejas continuam a reclamar dos rumos tomados pelo país, atribuindo aos políticos uma culpa que também é deles.

É inaceitável continuar arrastando a mesma cruz até o próximo século. O Brasil é um país plural e nós precisamos aprender a respeitar as diferenças, caso contrário, continuaremos promovendo transgressões aos Direitos Humanos e a consequente  destituição do nosso regime de governo. Uma Democracia sem o respeito à dignidade humana não é uma democracia.

*Pindorama: Pindorama (em tupi-guarani pindó-rama ou pindó-retama, "terra/lugar/região das palmeiras") é uma designação pré-cabralina dada a regiões que mais tarde, formariam o Brasil.

*LGBTTTS: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e simpatizantes. Embora refira apenas seis, é utilizado para identificar todas as orientações sexuais minoritárias e manifestações de identidades de género divergentes do sexo designado no nascimento.

Rafael Querrer é jornalista, repórter de política e economia e colaborador da ONG Comitê para a Democratização da Informática

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