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Oposição frontal à ditadura é a essência de nossa geração, dizem idealizadores do sequestro do embaixador estadunidense

Os jornalistas Franklin Martins e Cid Benjamin, que participaram do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, realizado em 1969, afirmam que "a oposição frontal tem uma força extraordinária" e que "isso alimentou a luta pela retomada da democracia depois”

Presos políticos libertados em troca do embaixador: Agnaldo Pacheco da Silva, Flávio Aristides Freitas Tavares, Gregório Bezerra, Ivens Marchetti de Monte Lima, João Leonardo Silva Rocha, José Dirceu de Oliveira e Silva, José Ibrahim, Luiz Gonzaga Travassos da Rosa, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Mário Roberto Galhardo Zaconato, Onofre Pinto, Ricardo Villas Boas de Sá Rêgo, Ricardo Zaratini, Rolando Fratti e Vladimir Gracindo Soares Palmeira. Na foto não aparecem: Gregório Bezerra e Mario Roberto Galhardo Zanconato, que embarcaram no Recife
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Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no Tutaméia - Os jornalistas Franklin Martins e Cid Benjamin estão de novo reunidos no bairro Botafogo, no Rio de Janeiro, perto de onde, há cinquenta anos, os dois conversavam quando viram passar um carrão embandeirado com as cores dos Estados Unidos. Foi a inspiração para uma das mais espetaculares ações da resistência à ditadura militar no Brasil: o sequestro do embaixador norte-americano, realizado no dia 4 de setembro de 1969.

“Foi um acaso”, diz Cid Benjamin nesta entrevista ao TUTAMÉIA, em que ele e Franklin rememoram a captura de Charles Burke Elbrick, debatem o período da resistência armada contra a ditadura e analisam as opções da luta democrática no Brasil de hoje. Mas deixemos que a palavra continue com Benjamin, lembrando aquela tarde de meados de agosto de 1969:

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“Nós estávamos aqui mesmo nesse bairro, Botafogo, conversando, era um ponto de rua, o ponto era um encontro dos militantes clandestinos, a forma como nós chamamos. Estávamos eu e o Franklin, e tinha havido um pouco antes um atentado contra o embaixador americano na Guatemala. Ele tinha sido metralhado. Quando estávamos conversando, e vimos passar o carro do embaixador americano, sem segurança, só o motorista, aquilo chamou a atenção. Não nos passou pela cabeça metralhar o cidadão, mas começando a conversar. Nós vimos que talvez fosse uma forma de libertar presos.”

Desde dezembro do ano anterior, com a edição do AI-5, o governo ditatorial tinha optado abertamente pelo regime de terror para tentar calar qualquer forma de resistência. Nos cárceres, a tortura corria solta, brutal, assassina. Era preciso soltar as lideranças, tentar diminuir o sofrimento de figuras históricas da luta democrática.

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Da inspiração passaram ao planejamento e à execução, contam Franklin e Cid nesta entrevista realizada na alameda Carlos Marighella –carinhoso nome dado à varanda do apartamento onde TUTAMÉIA conversou com os dois idealizadores do sequestro do embaixador norte-americano –-que eles preferem tratar como captura (na manifesto, transcrito abaixo, usam a palavra “rapto”, o que é também comentado na entrevista).

“Nós fizemos a avaliação política correta, vamos dizer, no micromundo daqueles dias, de que a ditadura não teria outra alternativa senão libertar os presos para que o embaixador fosse libertado”, diz Franklin. “Ou seja, então o risco de ter um desastre, não libertar seus presos, o embaixador fosse morto etc., nós achávamos que não iria existir. Politicamente isso se confirmou. Do ponto de vista prático, a operação deu certo. Do ponto de vista estratégico, foi outra coisa.”

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Mas o que levou essa geração –ou pelo menos parte dela—a optar pela luta armada? Para Franklin Martins, que, depois da redemocratização, atuou em praticamente todos os grandes órgãos de imprensa do país e foi ministro da Comunicação no governo Lula, a decisão de partir para o enfrentamento direto foi uma espécie de acerto de contas com a capitulação ocorrida no golpe de 1964.

“Eu acho que o impulso fundamental, que você tem, no fundo é um acerto de contas com 1964. Nossa geração cometeu erros muito grandes, eu sempre digo o seguinte: Eu cometi erros imensos lutando contra a ditadura. Eu não cometi dois erros: eu não cometi o erro de não lutar contra a ditadura, e eu não cometi o erro de dizer eu só luto até aqui. Eu estou disposto a lutar de todas as formas que forem necessárias. Eu acho que depois de 1968 o que você tem é uma geração que no fundo ela está dizendo: ela vai enfrentar o inferno, a situação terrível, que é de terror de Estado, buscando aniquilar fisicamente, moralmente, a todo mundo que se opusesse a ditadura. Como é que ela reage? Ela reage assim:  Você pode me bater. Você pode me prender. Você pode me exilar. Você pode me torturar. Você pode me matar. Mas você não vai me fazer ficar calado debaixo da ditadura. Eu acho que essa oposição frontal, que eu acho que é a essência da nossa geração, ela tem uma força extraordinária, isso alimentou a luta pela retomada da democracia depois.”

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Cid Benjamin concorda com as críticas –e autocrítica—feita por Franklin, mas ressalta que o aprofundamento da violência ditatorial ocorreu antes –e não por causa—do sequestro.

“Agora, esse processo do terror de Estado não foi por causa do sequestro do embaixador americano. Mesmo que não tivesse havido o sequestro americano, acho que elas viriam. A ALN teve a principal queda da sua história, foi um mês depois do sequestro, em outubro, um mês e pouco, não teve nada a ver com o sequestro. Pegaram, foram puxando o fio, o interrogatório, tortura, no limite chegaram ao Marighella, dois meses depois. Um retrocesso que foi sendo puxado o fio através da tortura. Nada a ver com o sequestro. A ALN já era alvo da sanha repressiva desde antes do sequestro.”

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fbt

A conversa passa por detalhes de como foi o sequestro, as conversas que tiveram com o embaixador, os caminhos que cada um trilhou mais tarde, o legado que aquela ação deixou.

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“Apesar dos erros cometidos, eu tenho um enorme orgulho de ter feito parte dessa geração”, diz Benjamin. “É um pessoal que jogou a vida nisso aí. Uma generosidade muito grande. É algo que fica na história. Eu, por ter feito um pouquinho parte dessa experiência, tenho muito orgulho.”

E Franklin conclui, procurando tirar lições que ajudem as lutas de hoje:

“A luta contra a ditadura ensina que tem que lutar. Mesmo quando parece impossível, acho que o Brasil está vivendo hoje em dia, momentos terríveis, mas eu pessoalmente, acho que nós temos um acúmulo ao longo desse tempo, inclusive do processo de luta contra a ditadura, que nos ensinou a importância da democracia. O Brasil conseguiu construir uma agenda que acabou enfrentando problemas que em 1964, na verdade, era o que incomodava a direita. Que era a inclusão social, que era soberania nacional. Em 1964 havia a expectativa de começo. Hoje em dia, o povo teve experiência de mudança. A experiência de mudança é algo fortíssimo e voltará. Nós estamos vivendo momento terrível. Mas eu não tenho dúvida que o Brasil e o seu povo são muito grandes, muito complexos, muito diversificados, muito ricos, destinados a ter uma projeção internacional que não têm hoje em dia. Isso não pode ser contido com cercadinho, comandado por um cara como o Bolsonaro. Eu não sei o caminho, eu não sei como vai se dar, eu não sei quanto tempo vai durar, mas nós vamos dar a volta por cima. No período da ditadura, houve uma época ali, 1973, 1974, 1975, que a ditadura vendia o peixe de que ela parecia eterna. 1972, 1973, foi muito isso, um período terrível. Em 1974 houve, abriram as urnas, as eleições do senado quem ganhou foram candidatos da oposição. Não era grande coisa, mas protestavam, a forma de controle de protestar. O Brasil é maior do que esse cara. O Brasil é maior do que o Bolsonaro, e o Brasil mostrará isso daqui para frente. Eu não tenho a menor dúvida. Eu vou estar aqui para ver, você vai estar, como vai ser? Nós não sabemos. Eles não são o Brasil. O Brasil é maior do que eles.”

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Presos políticos libertados em troca do embaixador: Agnaldo Pacheco da Silva, Flávio Aristides Freitas Tavares, Gregório Bezerra, Ivens Marchetti de Monte Lima, João Leonardo Silva Rocha, José Dirceu de Oliveira e Silva, José Ibrahim, Luiz Gonzaga Travassos da Rosa, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Mário Roberto Galhardo Zaconato, Onofre Pinto, Ricardo Villas Boas de Sá Rêgo, Ricardo Zaratini, Rolando Fratti e Vladimir Gracindo Soares Palmeira. Na foto não aparecem: Gregório Bezerra e Mario Roberto Galhardo Zanconato, que embarcaram no Recife

A seguir, publicamos a íntegra do manifesto que anunciou a captura do diplomata e as exigências do grupo de resistência à ditadura militar.

MANIFESTO DA ALN E DO MR-8

4 de setembro de 1969

Grupos revolucionários detiveram hoje o Sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores.

Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural.

Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desapareceremos em seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores, a esperança e a certeza de vitória para o meio dos explorados.

O sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo, que, aliado aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração.

Os interesses desses consórcios, de se enriquecerem cada vez mais, criaram e mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que esta é uma luta sem tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro general no poder, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes exploradores e com a constituição de um governo que liberte os trabalhadores de todo o país da situação em que se encontram.

Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta fogos de artifício e prega cartazes. Com isso ela não quer comemorar coisa nenhuma; quer jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão que vivemos. Pode-se tapar o sol com a peneira? Pode-se esconder do povo a sua miséria, quando ele a sente na carne?

Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da elite e a do povo, a dos que promovem paradas e a dos que raptam o embaixador, símbolo da exploração.

A vida e a morte do sr. Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ele atender a duas exigências, o sr. Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são:

  1. a) A libertação de 15 prisioneiros políticos. São 15 revolucionários entre milhares que sofrem torturas nas prisões-quartéis de todo o país, que são espancados, seviciados, e que amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos exigindo o impossível. Não estamos exigindo a restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a libertação desses 15 homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um embaixador dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de vista da ditadura e da exploração.
  2. b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país.

Os 15 prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado – Argélia, Chile ou México -, onde lhes seja concedido asilo político. Contra eles não devem ser tentadas quaisquer represálias, sob pena de retaliação.

A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos 15 líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um país seguro. Se a resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse prazo, o sr. Burke Elbrick será justiçado. Os 15 companheiros devem ser libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional”. Nas “situações excepcionais”, os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para resolver as coisas, como se viu recentemente, na subida da Junta militar.

As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e oficiais da ditadura de que atenderá às exigências.

O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto por nossa parte. Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em cumprir nossas promessas.

Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)

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