Paulo Sérgio Pinheiro alerta que massacres não combatem o tráfico no Brasil
Especialista critica ação letal no Rio de Janeiro e cobra uso estratégico da inteligência em vez de massacres espetaculares
247 - O professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, criticou duramente a abordagem do Brasil no combate ao crime organizado. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Pinheiro afirmou que “décadas de experiência demonstram que o uso estratégico da inteligência é o caminho mais eficaz para enfrentar o tráfico de drogas e as milícias”, destacando que operações baseadas em informações precisas reduzem riscos tanto para a população quanto para os agentes de segurança.
Apesar desse consenso, o país persiste em realizar ações militarizadas e espetaculosas, incapazes de desarticular redes criminosas ou atingir os fluxos financeiros que as sustentam. O especialista apontou como exemplo a operação recente no Rio de Janeiro, que mobilizou cerca de 2.500 agentes e resultou em 117 mortes — muitas delas com sinais de execução, tortura e queima de corpos — além de quatro policiais mortos. Segundo ele, a ação demonstra que ainda é preciso “fazer cessar um sistema que perpetua racismo, discriminação e injustiça”, frase destacada pelo Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk.
Pinheiro condenou a continuidade do uso da força letal pelo Estado, ressaltando que é “intolerável que a governança democrática não consiga garantir que forças de segurança cumpram padrões internacionais de uso da força”. Ele relembrou o massacre do Carandiru, ocorrido há mais de 30 anos, e lamentou que governos estaduais ainda recorram a execuções sumárias como ferramenta de combate ao crime. Mais alarmante, acrescentou, é perceber que parte da população apoia a brutalidade contra moradores de comunidades vulneráveis.
O especialista também criticou a postura do governo do Rio de Janeiro diante das evidências de crimes nas operações policiais. “Não há nenhuma expectativa realista de que o governador Cláudio Castro promova laudos de necropsia independentes”, afirmou, defendendo que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal assumam as investigações sobre execuções sumárias, tortura, fraudes processuais e abuso de autoridade. O Ministério Público Federal já cobrou providências nesse sentido.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, determinou que o governador apresente um relatório detalhado sobre a operação, incluindo justificativas para o grau de força empregado e a identificação das forças envolvidas, em cumprimento à ADPF 635, que regula operações policiais no Rio.
A pressão internacional também é intensa. O secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou investigação imediata, assim como relatores especiais de direitos humanos. Organizações civis brasileiras, como Human Rights Watch e Anistia Internacional, reforçaram o apelo por uma apuração independente e rigorosa. Apesar do silêncio inicial do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ele anunciou junto a Castro a criação de um escritório emergencial para combate ao crime organizado, unindo forças federais e estaduais.
Para Pinheiro, o massacre no Rio deve ser compreendido dentro de um contexto político mais amplo, articulado por Castro e outros governadores de extrema direita. Ele alerta que o discurso da guerra ao tráfico é usado para desestabilizar o Estado federal e fortalecer perspectivas eleitorais, em alinhamento com a narrativa continental de combate ao narcotráfico liderada pelos Estados Unidos.
O professor enfatiza que a resposta das instituições democráticas é essencial: “É fundamental uma investigação federal rigorosa, transparente e independente sobre o massacre de Castro”. Só assim, segundo ele, será possível garantir responsabilização dos envolvidos e reforçar o Estado de Direito.
