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Brasil

Pesquisadora do trabalho apoia greve dos entregadores e atesta piora nas condições da atividade

"A pesquisa nacional que realizamos com os entregadores no contexto da pandemia, assim como outras pesquisas já realizadas tanto com entregadores como com os motoristas via plataforma digital, mostra que a questão central tem sido o rendimento", diz a pesquisadora Ana Claudia Moreira Cardoso, professora visitante no ICH/ UFJF

Entregadores de aplicativo (Foto: Reprodução/Twitter)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

Paulo Lima, (31 anos) e seus colegas de atividades, os entregadores, costumam rodar mais de 12h por dia levando comidas que exalam o cheiro dos pratos que ele não vai comer. No final do mês, o que ganham nunca atinge o salário mínimo estabelecido (R$ 1.045,00) e o tempo à disposição para ser chamado costuma ser maior que o preenchido pelas corridas. Enquanto aguarda ser um da lista a ser acionado, dependem de favor nos bares e lanchonetes para usar o banheiro e compram água, se quiserem matar a sede.

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Por essas e outras foi que no dia 7 de junho, participando da manifestação antirracista e antifascista “Vidas Negras Importam”, no Largo da Batata (Centro-SP), acompanhado apenas de mais 10 colegas, Paulo desinibiu-se. Botou a boca no mundo. Pediu a palavra e assombrou os presentes com sua voz possante: “A minha luta para a gente construir esses entregadores antifascistas, para a gente poder lutar por uma alimentação, por um café da manhã, um almoço e uma janta tem sido tão difícil, companheiros, que vocês não têm noção. Ninguém aqui é empreendedor de porra nenhuma. Nóis é força de trabalho nessa porra!”

Há que deixar registrado. O palavrão, neste caso, é justo. Levar esta vida para receber em torno de R$ 930,00 por mês não deve ser fácil. Todas as suas dificuldades e angústias gritadas ao microfone, com o punho esquerdo cerrado, fizeram eco. Hoje ele lidera o movimento “Entregadores Antifascistas” e vai puxar, com os companheiros, no dia 1 de julho, uma paralisação que em plena pandemia – quando tudo é pedido pelo celular –, fará diferença.

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É o que atesta a pesquisadora Ana Claudia Moreira Cardoso, professora visitante no ICH/ UFJF, doutora em cotutela entre o Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP e a Universidade de Paris, em Ciência Política. Ana Claudia pesquisou no Centre de Recherche Sociologique et Politique de Paris e trabalhou no DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), atuando como formadora sindical e, também, como professora na Faculdade do DIEESE de Ciências do Trabalho.

A pesquisa em que vem trabalhando, sob o título: as “Condições de Trabalho em empresas de Plataforma Digital: os entregadores por aplicativo durante a Covid-19”, realizada pelo Grupo de Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR), observou nos últimos três meses o cotidiano dos que se dedicam a esta atividade. O primeiro relatório técnico já apontou uma piora significativa nas condições enfrentadas pelos entregadores e atestou como justas as principais reivindicações do movimento: a responsabilização das empresas frente à segurança e à saúde deles durante a pandemia, o fim dos desligamentos injustificados, melhores remunerações e melhores condições de trabalho. Os trabalhadores reivindicam também um aumento no pagamento das corridas e da taxa mínima das entregas, seguro de vida, cobertura contra roubos e acidentes, além de um voucher para compra de equipamentos de proteção individual.

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247 – A partir das suas pesquisas, que ponto você identifica como o de maior motivação para levar os entregadores à greve?

A pesquisa nacional que realizamos com os entregadores no contexto da pandemia, assim como outras pesquisas já realizadas tanto com entregadores como com os motoristas via plataforma digital, mostra que a questão central tem sido o rendimento. Ausência de reajuste das taxas há mais de três anos e, no contexto da pandemia, quase 50% dos entrevistados disseram que nos grupos de whats de que participam há muitos relatos sobre a redução dos períodos de tarifa dinâmica. O segundo ponto são as suspensões. Este também é um problema que aparece tanto para entregadores como motoristas via plataforma. A empresa suspende o trabalhador e não informa o motivo. O trabalhador fica sem ter como contra-argumentar se a causa da suspensão é justa ou não. Sem contar que essas plataformas de trabalho não têm meios para que os trabalhadores possam perguntar algo e, com a pandemia, os poucos escritórios estão fechados. Por isso mesmo esses são pontos cruciais da pauta da categoria.

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247 – Com que nível de mobilização eles estão chegando a esta paralisação?

Isso é muito difícil dizer. O que verificamos é que, considerando as mobilizações que eles fizeram ao longo dos meses de abril e maio, essa parece estar mais organizada. O que é natural. Cada evento é um aprendizado para que observem os erros e acertos das paralisações passadas. O que eu também noto de diferente é que a sociedade e a imprensa estão dando mais atenção a esta greve, o que contribui para o seu sucesso. Ao mesmo tempo, sabemos que há muito medo por parte desses trabalhadores de ficarem suspensos ou serem eliminados (demitidos) em função da participação no evento. Afinal, como sabemos, as empresas têm um controle extremo sobre tudo o que esses trabalhadores fazem e em qual momento.

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247 – Você acredita que a greve atingirá todos os estados, ou quais os locais onde o movimento está mais forte?

Do que tenho acompanhado nos grupos de Whatzapp dos entregadores e das notícias que têm saído na mídia, me parece que ela atingirá muitos Estados. Não saberia precisar quais, agora.

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247 – É possível pressionar um segmento de empresários com os quais não se tem vínculo empregatício, em uma época em que sobram dificuldades e faltam empregos?

Sim, sempre é possível lutar e pressionar, mesmo que seja mais difícil. E, neste caso, a dificuldade está no fato de se tratar de uma nova lógica de trabalho na qual esses trabalhadores não estão todos reunidos no mesmo local. Mas por estarem todos conectados, isto possibilita outras formas de organização e de mobilização.  O medo, como disse anteriormente, pode fazer com que muitos deixem de participar da greve. Além disso, há os que se aproveitarão da paralisação para, nesse momento em que muitos não trabalharão, ganharem um pouco mais de dinheiro.

Daí a extrema importância da participação da sociedade nesse movimento. Como? Não fazendo pedidos nesse dia, entrando no site das empresas e deixando seus comentários. Para essas empresas, a ação e reação dos consumidores é muito importante. Por isso mesmo os grandes investimentos em propaganda dizendo que elas são maravilhosas etc.

Aliás, é interessante notar que essas plataformas nunca se colocam como empregadores, mas são elas a definirem tudo – o trabalhador que pode entrar, o que irá sair, os valores, os tempos. Sem contar que elas é que fazem a relação inicial com o cliente. Logo, trata-se de uma relação de emprego como outra qualquer. A diferença é que hoje temos uma tecnologia que possibilita o controle extremo do trabalho, mesmo a distância.

247 – Que meios, além das redes sociais, eles estão usando para mobilizar os entregadores? Há uma expectativa positiva para a greve? Ou ela será apenas um pontapé para a consolidação do movimento?

As redes sociais são os espaços prioritários, com lives, vídeos endereçados aos entregadores, mas também aos consumidores. Toda articulação e toda a ação são partes da consolidação de um movimento mais robusto e mais forte. Sempre foi assim, deste a revolução industrial. A grande questão que eu tenho conversado com os entregadores é que muitos se apropriaram do discurso neoliberal que menospreza, e mesmo destrói, as instituições que defendem os trabalhadores (sim, mas eles não destroem aquelas que defendem o capital, claro). E muitos acabam comprando essa ideologia e dizem que s]ao contra sindicatos, legislação etc. Outros, já conseguem perceber que isso é apenas uma armadilha para reduzir o poder coletivo dos trabalhadores.

247 – O que esperar como resultado?

– Acho que temos que pensar no processo e no resultado como um processo de aprendizado de luta, de discussões e de organização. No que se refere aos resultados da greve, esses dependerão da ação dos trabalhadores (e vemos que há centrais sindicais e sindicatos que já manifestaram apoio). Há também o apoio de instituições como o Ministério Público, que tem tido um papel de destaque na defesa desses trabalhadores. O que se espera da sociedade é que ela não aceite que essa forma de trabalho continue a se expandir. Do contrário, outras categorias profissionais serão “precarizadas”. Na academia o papel será mostrar a partir das pesquisas a precariedade e a insegurança dessa relação totalmente desigual de trabalho.

247 – Quais os resultados mais gritantes da pesquisa que apontam para a exploração do setor?

“Os resultados revelados apontam para a manutenção de longos tempos de trabalho, associado à queda da remuneração desses trabalhadores* que hoje arriscam sua saúde e a de suas famílias, no desempenho de um serviço essencial para a população brasileira, ao contribuírem para a implementação e a manutenção do isolamento social no contexto da pandemia. Em relação às medidas de proteção, os trabalhadores as vêm tomando e custeando por conta própria. A grande maioria dos entrevistados afirmou adotar uma ou mais medidas de proteção na execução de seu trabalho, enquanto as medidas adotadas pelas empresas concentram-se apenas na prestação de orientações”.

*De acordo com a pesquisa do REMIR, a remuneração dos entregadores sofreu alterações muito significativas. Os dados apontam que antes da pandemia aproximadamente 50% dos participantes recebiam até R$ 520,00 semanais. Ainda durante a pandemia, houve aumento em 100% dos que recebem menos do que R$260 por semana e, por outro lado, redução para em torno de 25% os que auferem rendimento maior que R$ 520,00 semanais. Finalmente, quase 50% apontaram uma queda no bônus concedido pelas empresas-plataforma de entrega.

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