Por que o MP goiano não investiga Marconi Perillo?
Procurador-geral de Justiça é o único autorizado a agir (no capítulo improbidade administrativa), mas teria declinado da tarefa, então destinada ao decano, mas... nada. Razões para investigar não faltam, como o estranho caso da venda da casa. E o que faz ainda um promotor que investigava o patrimônio público no governo Marconi Perillo? E onde está a ‘organização criminosa’ que, segundo Ivana Farina, existe na instituição ligada a Cachoeira?
Vassil Oliveira _Goiás 247 – As perguntas correm de boca em boca entre os goianos. Está também no silêncio constrangedor dos promotores do Estado, incomodados com a situação de um Ministério Público que hoje é:
a) comandado por um procurador-geral de Justiça suspeito de ajudar o irmão, senador Demóstenes Torres (ex-DEM), em negócios de interesse do contraventor Carlinhos Cachoeira;
b) ‘representado’ no governo Marconi Perillo (PSDB) – também ligado até à casa a Cachoeira – por um promotor que, até minutos antes de assumir o cargo de secretário do Meio Ambiente, era responsável por investigar atos de improbidade administrativa do poder público, incluindo do governo Marconi;
c) alvo de suspeita levantada pela ex-procuradora-geral de Justiça, Ivana Farina, cujo marido está no governo Marconi e que, ao Correio Braziliense, afirmou que existe uma “organização criminosa” dentro do MP goiano.
Três fatos que carregam três perguntas:
1) com tantos fatos mostrando ligações perigosas e altamente questionáveis de Cachoeira com o governo e com o governador Marconi Perillo, por que até agora o MP não abriu investigação contra ele?
2) por que Umberto Machado insiste em permanecer no governo? O que tem lá de tão especial que o faz se agarrar tão fortemente ao cargo, em detrimento do desgaste que causa aos colegas?
3) Ivana Farina vai denunciar a “organização criminosa”, dando nomes, ou vai deixar todos sob suspeita?
Quer dizer. Se ninguém explica, nem o próprio, a razão por que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não manda investigar o governador goiano, em Goiás também ninguém explica por que o MP está empacado. A não ser que...
Aos detalhes.
Será o Benedito ou Pedro Tavares?
O procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, bem que tem tentado mostrar que nada tem a ver com as trapalhadas de seu irmão, Demóstenes Torres, que usou seu nome e sua presença em questões de interesse de Cachoeira. Deu declarações e até divulgou notas duras contra Demóstenes. Da mesma forma, ele procura de todo jeito desvencilhar-se de qualquer ligação com o governador Marconi Perillo (PSDB), que o escolheu em lista tríplice e que está cada vez mais atolado nas ligações perigosas com Cachoeira.
Tanta preocupação, porém, cai por terra quando se atenta para uma questão simples: sendo ele o único que poderia pedir investigação por improbidade administrativa relacionada ao governador por conta de jurisprudência que retirou competência direta dos promotores e também por previsão da Lei Orgânica do Ministério Público, por que não o fez ainda?
Razões para investigar não faltam. A começar pelo esclarecimento sobre a venda da casa do governador. O negócio foi feito no ano passado, e está longe de esclarecido. Reportagens do 247, Estado de S. Paulo e O Globo deixam em aberto várias questões, entre as quais a origem do dinheiro para a quitação da casa.
Outra: a casa onde Marconi mora hoje é mesmo alugada? Quem paga o aluguel? Os gastos dele são compatíveis com o salário que recebe? O patrimônio dele é compatível com sua trajetória na vida política, já que não consta outros rendimentos para justificarem seus bens? E que história é essa de R$ 500 mil entregues no Palácio das Esmeraldas?
Também há casos de suspeita de contratação de funcionários com possível autorização do governador. Benedito Torres poderia, ainda, verificar o uso de aviões do Estado pelo governador, ou a possível presença de Marconi em voos com Cachoeira. Ou isso não é pertinente?
E como é grande o número de citações ao nome do governador nas gravações da Polícia Federal na Operação Monte Carlo, em boa parte das vezes em temas que tem a ver com negócios envolvendo o Estado, isso também poderia ser alvo de investigação do MP. E a troca de SMS com Wladmir Garcês, ex-presidente da Câmara de Goiânia pelo PSDB e braço direito de Cachoeira.
Poderia ele, por fim, verificar como está a situação do ex-procurador geral do Estado, Ronald Bicca, e de Marcelo Marques Siqueira, ex-superintendente de Loterias e ex-procurador-chefe administrativo da Procuradoria Geral do Estado.
Os dois deixaram os cargos comissionados que exerciam por conta de suspeitas de ligações com Cachoeira, mas, como são funcionários efetivos, não deveriam estar de volta ao serviço público? Voltaram? Por que não voltaram? Segundo o que foi noticiado, Bicca pediu licença para fazer curso no exterior. E é só o que se sabe. E Marcelo Siqueira?
Uma explicação para Benedito não ter tomado qualquer iniciativa ainda seria a declinação da competência, justamente pelas suspeitas que pesam sobre ele. A tarefa teria ficado então para o decano da instituição, Pedro Tavares.
Outra é de ordem técnica. No dia 8 de março, o procurador-geral disse em coletiva à imprensa que o MP iria “encaminhar ações judiciais sobre atos de improbidade e relativas à defesa do patrimônio público e o controle externo da atividade policial no caso da chamada Operação Monte Carlos”, como está registrado em seu site (leia aqui).
E quando seria isso? “Tão logo obtenha posse das provas compartilhadas pela Justiça Federal, já solicitadas por meio do ofício nº 45/2012, datado de 05/03/2012, o Ministério Público do Estado de Goiás manejará todas as ações pertinentes ao caso, no que diz respeito à defesa do patrimônio público e ao controle externo da atividade policial”, explicava o informe da instituição citado na entrevista.
E o que aconteceu, desde então? Para os promotores ouvidos pelo 247, as explicações, somadas à demora na ação, soam mais como desculpa. Imperdoável, para quem não vê o MP agir – ou vê, mas em relação à Prefeitura de Goiânia, por exemplo, cujo prefeito é oposição ao governador. Incômoda, para quem está acostumado a agir e nada pode fazer, a não ser esperar decisões superiores.
A situação é do tipo: o tempo passa, o tempo voa... E o Ministério Público, vai continuar se desgastando à toa?
Umberto, pede pra sair!
Umberto Machado protagoniza talvez o ato de maior inconveniência gratuita que uma instituição poderia viver. No dia 28 de fevereiro ele tomou posse como secretário do Meio Ambiente no governo Marconi Perillo. No dia 29, Cachoeira foi preso e vieram à tona as primeiras denúncias envolvendo os nomes do contraventor e do governador.
Umberto não se abalou. Umberto continua secretario. Umberto não dá mostras de que os fatos deixam Marconi e o seu MP em xeque.
Apadrinhado por um articulado conselheiro de um dos tribunais de contas no Estado – que chegou ao tribunal pelas mãos de Marconi Perillo –, Umberto comemorou o novo cargo antes mesmo de assumir, em eloquentes entrevistas em que falava sobre temas candentes, como inspeção veicular.
Ele assumiu o lugar do deputado federal Leonardo Vilela, pré-candidato a prefeito de Goiânia pelo PSDB e que também apareceu na teia de Cachoeira pedindo emprego para a filha e buscando apoio de Demóstenes para seu nome na capital.
A posse de Umberto no governo já era um incômodo; com o caso Cachoeira, passou a ser um espinho na garganta de uma instituição que tem como um de seus deveres – aos olhos da população – exatamente incomodar os poderosos.
A saber: como o MP vai investigar um governo no qual agora está o seu integrante que era responsável justo por investigar atos de improbidade administrativa? E como será vista qualquer ação do MP contra a atual administração de Goiânia, de Paulo Garcia (PT), adversário do grupo do governador? E o que pensarão os outros pré e, depois, candidatos a prefeito em Goiânia e nos outros 245 municípios?
A primeira pergunta leva a outra: será isto também – mais o cuidado com Benedito – que trava o MP de pedir investigação contra o chefe maior de Umberto, Marconi Perillo? A segunda, faz pensar em razão dos fatos recentes.
Por recomendação do MP e resultado da Operação Monte Carlo, Paulo Garcia suspendeu os contratos com a construtora Delta, braço financeiro do grupo de Cachoeira, o que só foi possível com a assinatura de um termo de ajuste de conduta (TAC).
O Estado, com suspeitas muito maiores envolvendo a Delta, não atendeu à recomendação do MP. Restou ao promotor do caso, Fernando Krebs, um ato inusitado: elogiou o prefeito e criticou o governador. Marcou, pelo menos, posição. E ficou por isso mesmo.
Outra coisa. Por que não foi aberta nenhuma investigação para apurar se é verdade que Cachoeira mantinha uma bancada na Câmara de Vereadores de Goiânia?
Dentro do Ministério Público, há mais um questionamento, simples, feito em tom de enfado: por que Umberto ‘não se toca’ e deixa logo o governo? A resposta vem em seguida, um tom acima, o da raiva incontida: pura vaidade! O procurador Waldir Lara Cardoso chegou a se posicionar oficialmente contra o afastamento de Umberto do MP para assumir cargo no governo.
Waldir Lara Cardoso pediu ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que reconsiderasse a dispensa concedida a Umberto. Argumentou que a Constituição Federal proíbe integrantes do Ministério Público de exercerem outra função pública, salvo de magistério. Umberto reagiu com dureza. Qualificou o pedido de “inapropriado”, já que obteve a autorização do Conselho.
O impasse só será resolvido quando o Conselho voltar a se reunir, nos próximos dias. O que prevalecerá: uma resolução do Conselho Nacional (CNMP) ou a Constituição? O MP vai continuar carregando este desgaste ou será poupado?
A presença de promotores em cargos políticos não é de todo condenada pelos próprios. Há a avaliação de que, em muitos casos, ela tem importância estratégica, pois ter força e presença política ajuda o MP a se defender dos ataques contra a instituição. Ilusório desconsiderar este fator para a sobrevivência da instituição. Em todo caso, cada caso é um caso – eis o que argumentam.
Aqui, duas visões. Uma: o caso de Umberto é o típico ‘inconveniente e inapropriado’. Isso quer dizer que ele teria escolhido a hora errada e o lugar mais errado ainda para estar, levando junto, por tabela, toda a instituição que, querendo-se ou não, representa. A outra visão: o MP deve se esquivar de qualquer participação na vida política, sem exceção.
Uma saída seria Umberto pedir para voltar para o MP, deixando por vontade própria o governo. Aliás, esta é vista como a melhor saída. Mas ninguém acredita que ele tomará esta decisão. O mais provável é que continue brigando pelo cargo. Seu destino então será de fato definido na próxima reunião do Conselho Nacional. E é aqui que entra Ivana Farina na história.
Duas vezes Ivana: vai falar?
Ivana é secretária do Conselho Superior do Ministério Público de Goiás. Já foi procuradora-geral de Justiça, escolhida em lista por Marconi Perillo em outro governo. Hoje seu marido é presidente da CelgPar e Celg GT. No ano passado, era diretor financeiro da Celg Distribuição e chegou a vice-presidente.
Para muitos no Ministério Público, o posicionamento dela em relação ao caso de Umberto Machado será decisivo. Ela é a favor ou contra a permanência do promotor na secretaria, o que significaria contrariar o governador, chefe maior de seu marido? Mais: ela vai se posicionar publicamente? Quando?
Ivana, é sabido, liderou um grupo dentro do MP goiano de oposição ao de Demóstenes Torres e Benedito Torres. Nesse sentido, sua reação quando surgiram as primeiras notícias sobre uma possível associação dos irmãos com Cachoeira foi tida mais como a de alguém que vê à sua frente uma oportunidade de ir à forra. É o que explicaria esta declaração que deu ao jornal Correio Braziliense: “Existe uma organização criminosa no Ministério Público, que vem sendo investigada desde 2000, comandada por Cachoeira.”
Depois disso, Ivana se calou. Ficou, no entanto, a pergunta: que ‘organização criminosa’ é essa? Natural entender que a promotora falava das denúncias da Operação Monte Carlo que vieram à tona e que deixam Demóstenes e Benedito em situação difícil. Mas ‘organização criminosa’? Saberia ela de mais coisas? Sobre quem? Por que nunca denunciou nada? E por que se calou agora?
Na verdade, os questionamentos mostram muito mais a contrariedade dos promotores com o comportamento de Ivana do que crença na existência de uma ‘organização criminosa’ no MP. A declaração dela, portanto, assim como a decisão de Umberto, se encaixa na categoria ‘inconveniente e inapropriada’.
O MP que age contra Marconi
Em outros tempos, o MP goiano agiu contra o governador Marconi Perillo, quando foi preciso. O jornal digital Diário de Goiás destaca cinco ações de improbidade administrativa referentes aos governos anteriores do tucano.
Destaca o site: “As denúncias do MP foram feitas à Justiça nesta época (no período em que Marconi era senador) porque, enquanto estava ocupando o cargo de governador, o único membro do MP que poderia processá-lo ou investigá-lo era, e é, o Procurador-Geral de Justiça. Este também é o único integrante do MP que é nomeado pelo governador. Essa regra, questionável por muitos, está no art. 29, VIII, da Lei Federal 8.625/93. O Diário de Goiás publica um resumo destas ações e a íntegra das iniciais das denúncias.”
No site do Diário de Goiás podem ser conferidas na íntegra as cinco ações:
1 – Nomeação de amigo para o cargo de procurador-geral do TCE;
2 – UniRio;
3 – propaganda eleitoral para Sandes Júnior candidato a prefeito de Goiânia;
4 – gastos vultosos do governo com publicidade;
5 – uso da máquina em campanha.
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