‘Primeiro ano de Joe Biden foi desastroso’, diz Heloisa Villela
Para jornalista, queda de popularidade do democrata se dá por falhas, como o controle da covid e fracasso em aprovar medidas sociais
Camila Alvarenga, Opera Mundi - No programa 20 Minutos Entrevista dessa quinta-feira (27), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a jornalista e correspondente internacional Heloisa Villela, que fez um balanço sobre o primeiro ano do governo de Joe Biden, dos Estados Unidos.
“Esperar de alguém como Biden, que passou a vida no Congresso, uma grande revolução, seria uma piada. Mas ele mesmo acho que se encantou com a ideia de ser o novo [Franklin] Roosevelt, só que não conseguiu colocar isso em prática, por dificuldades externas e incompetência dele mesmo. Foi um primeiro ano desastroso”, discorreu ela.
Para ela, apesar de bem intencionado seu plano de política interna, principalmente na área social e ambiental, Biden não conseguiu aprová-lo no Congresso por incompetência política: “Ele demorou um ano para ver que não tinha os votos para aprovar o pacote todo. Agora ele começou a falar em picotar o projeto, algo que ele devia ter feito depois de dois meses tentando aprovar o plano. Ele conhece o Congresso. Poderia ter aprovado as partes mais fáceis, por exemplo as que dizem respeito à educação, que a população ia sentir e que o fariam acumular vitórias e força para aprovar o resto”.
A jornalista também criticou o fato do presidente norte-americano não ter optado por ordens executivas para aprovar certas promessas de campanha, por exemplo a suspensão das dívidas estudantis, o perdão para todos os presos no corredor da morte da Justiça federal - passando-os à pena perpétua -, o fim das penitenciárias privadas, entre outras.
“Pode ser que ele não o faça porque não acredita mesmo nisso. Biden não é um progressista, sempre foi conservador, mas a gente sabe que também existe uma pressão conservadora dentro do Partido Democrata e a pressão do Partido Republicano, que é muito forte, e os democratas se deixam dobrar por ela”, refletiu.
A principal derrota, porém, se dá no campo da comunicação, do ponto de vista de Villela. Ela relembrou que, apesar das disputas parlamentares, Biden conseguiu aprovar um importante plano de infraestrutura e outro de auxílio à população durante a pandemia, “só que ele não consegue comunicar isso como vitórias”.
“Quem domina o discurso é a direita, que ressalta o fato de que ele não conseguiu passar o resto do plano e que eram as partes que justamente teriam feito diferença na vida da população. E outra parte da mídia culpa a impopularidade do Biden, para protegê-lo, à ala progressista, que fez uma queda de braço com ele, dizendo que só ia aprovar a parte de infraestrutura do plano se aprovasse primeiro a social e a ambiental, que não tinha como passar”, explicou.
Como resultado, a aprovação pública de Biden está despencando. A última pesquisa da Reuters revelou que apenas 43% aprovam o governo democrata. Quando Donald Trump estava na Casa Branca, com o mesmo tempo de ocupação, sua taxa de aprovação estava em 37%, apenas um pouco pior que a do democrata.
De acordo com Villela, esses dados apontam para uma recuperação do Congresso por parte dos republicanos nas eleições parlamentares de novembro deste ano.
“Se essa perspectiva se confirmar, a única saída para Biden serão as ordens executivas, porque o Congresso não vai passar mais nada. O objetivo dos republicanos é obstruir Biden e os democratas de qualquer jeito, não importa o projeto. O mandato dele vai estar perdido”, afirmou.
Política externa
A jornalista também fez um balanço da política externa de Biden, principalmente diante da escalada de tensões que está ocorrendo na Ucrânia atualmente. Com os EUA e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) apoiando o governo ucraniano e militarizando o país, por um lado, e a Rússia militarizando sua fronteira por outro.
“O projeto hegemônico imperialista norte-americano continua o mesmo. Biden precisa seguir mostrando que o projeto capitalista é o que dá certo, é o que entrega. Só que ele está insistindo num erro histórico de pressionar a Rússia”, ponderou.
Apesar disso, Villela disse achar “impossível imaginar” que uma guerra ocorra, considerando que a Rússia possui armas nucleares, “mas está difícil vislumbrar qual seria o rearranjo diplomático que precisa acontecer”.
Ela acredita que a Alemanha, que já se opôs ao envio de armas à Ucrânia, possa jogar um papel estratégico no diálogo, mas que é possível que tanto Rússia quanto EUA alonguem a situação por mais tempo do que o necessário. No caso de Biden, para inflamar o nacionalismo da população, sobretudo diante de sua queda de popularidade quase às vésperas de uma disputa eleitoral importante.
“Isso se repete ao longo da história norte-americana sempre. Qual guerra o presidente vai usar para subir nas pesquisas? Isso é o que me preocupa. A popularidade baixa de Biden, com Boris Johnson ameaçado de perder o cargo, os líderes dos dois países que têm sido mais vocais na necessidade de enfrentar a Rússia. Além de que Trump tinha a fama de ser amigo dos russos, então Biden precisa criar uma imagem oposta. Só que ele tem que ter muito cuidado, porque se pressionar demais, ele joga a Rússia no colo da China”, discorreu a jornalista.
Ela destacou que os EUA já estão perdendo a disputa com a China, inclusive a nível militar, considerando que o país asiático possui uma tecnologia militar superior à norte-americana, ainda que não tenha a capacidade massiva de invasão que têm os EUA. Assim, Biden não pode se dar ao luxo de acirrar essa disputa.
Já com relação à América Latina, apesar das atenções do democrata estarem voltadas ao Oriente, não há indícios de que os EUA terão uma política menos intervencionista para a região, na opinião de Villela.
“A Venezuela continua sendo o inimigo, por exemplo. Mudança haveria se o Bernie Sanders tivesse sido eleito. Mas, com o Brasil, ele terá uma relação cordial com Lula se ele reeleger, por exemplo. Aliás, acho que Biden marchará com quem tiver viabilidade de derrotar Bolsonaro quem, para ele, é sinônimo de Donald Trump”, concluiu.
