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Brasil

PT erra ao não pensar na transição de Lula, diz Fornazieri

"Um PT pós-liderança carismática teria que ser um PT diferente, planejado com antecedência. Não existe partido carismático sem liderança carismática. Não há um novo líder carismático para o PT do futuro próximo. Lula é uma singularidade rara na história dos partidos e dos povos. Sem o planejamento da transição, o caos pode sobrevir ao corpo político - seja ele um partido ou um Estado - quando o líder desaparecer ou quando for gravemente derrotado", diz o professor Aldo Fornazieri

"Um PT pós-liderança carismática teria que ser um PT diferente, planejado com antecedência. Não existe partido carismático sem liderança carismática. Não há um novo líder carismático para o PT do futuro próximo. Lula é uma singularidade rara na história dos partidos e dos povos. Sem o planejamento da transição, o caos pode sobrevir ao corpo político - seja ele um partido ou um Estado - quando o líder desaparecer ou quando for gravemente derrotado", diz o professor Aldo Fornazieri (Foto: Leonardo Attuch)
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247 – "Um PT pós-liderança carismática teria que ser um PT diferente, planejado com antecedência. Não existe partido carismático sem liderança carismática. Não há um novo líder carismático para o PT do futuro próximo. Lula é uma singularidade rara na história dos partidos e dos povos. Sem o planejamento da transição, o caos pode sobrevir ao corpo político - seja ele um partido ou um Estado - quando o líder desaparecer ou quando for gravemente derrotado", diz o professor Aldo Fornazieri.

Leia, abaixo, seu artigo:

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O PT e Lula: carisma e transição

Por Aldo Fornazieri, no GGN

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Toda periodização temporal de um povo, de um país, de um partido ou da própria História envolve um grau de arbítrio daqueles que formulam os períodos. De modo geral, historiadores e estudiosos se valem de momentos cruciais, de mudanças paradigmáticas, para definir os períodos. Assim, a história do PT pode comportar diferentes periodizações, segundo quem as formula e de acordo com os critérios escolhidos. Uma das periodizações possíveis consiste em dividir sua história em dois períodos: o que vai do seu surgimento até a chegada ao poder com a eleição de Lula para a Presidência da República, e a que vai de 2003 até hoje.

Embora as categorias que definem os períodos geralmente se caracterizem pelos conceitos de "progresso" ou "declínio", talvez seja mais adequado adotar a categoria de "diferença". A diferenciação no tempo, claro, pode incorporar subalternamente as noções de evolução e progresso, assim como a de declínio.

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Sinteticamente, pode-se caracterizar o primeiro período do PT (do nascimento à chegada ao poder), como o período da consolidação, da luta, do combate, da ascensão e da virtude. Até porque não existe virtude sem combate e, quase sempre, o combate requer a condução de uma virtude moral definida pela liderança. Neste período, o PT, corretamente, empunhou a bandeira da ética na política e da moralidade pública, de combate à corrupção e pugnou pela justiça social, pelos direitos, pela cidadania e pela igualdade.

Foi um período de vida interna e externa prolífica. O debate intelectual e programático era intenso, a democracia partidária era significativa, as ideias eram plurais e as tendências (grupos organizados) eram o centro dinâmico da formulação de programas, de arregimentação de militância e de equilíbrio de poder. Lula era o líder principal, sem dúvida, mas exercia uma liderança temperada e retificada pela presença de um José Dirceu, de um Genoíno, de um Tarso Genro, de um Raul Pont, de um Olívio Dutra e de tantos outros líderes regionais ou de correntes significativos. O Diretório Nacional do PT e sua Executiva eram os verdadeiros centros dirigentes e os Diretórios Estaduais e Municipais, assim como os setoriais e os núcleos de base, expressavam centros de dinamismo e de poder democrático interno.

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O segundo período, com a chegada de Lula e do partido ao poder, pode ser caracterizado como o período do domínio carismático de Lula, da subordinação do PT ao governo, da sua acomodação, da sua corrupção e de seu declínio. Além de perder seus principais quadros dirigentes para o governo, o partido foi afetado e fragilizado pela crise do Mensalão. Outras causas concorreram para o enfraquecimento partidário: direções fracas e inexpressivas, enfraquecimento das tendências e fortalecimento dos mandatos e dos quadros que estavam no governo, burocratização interna com o esvaziamento dos organismos coletivos, afastamento da intelectualidade que passou a ser chamada apenas nos momentos eleitorais, perda do discurso da ética e da moralidade, declínio do debate programático. A sobreposição de Lula ao partido teve sua expressão máxima no momento da imposição da candidatura de Dilma Rousseff à presidência da República.

É preciso perceber que nenhum grande líder ou corpo político perdura por muito tempo no poder se não exercer permanentemente uma direção moral e cultural, se não for um reformador no sentido forte do termo e se não defender a fundação de uma nova ordem ética. Para que isto aconteça, é preciso criar novos símbolos, uma nova retórica, reinventar o passado interpretando-o como lastro das mudanças e inovações ou buscar os fundamentos no passado de outra civilização. A condição da perdurabilidade no poder consiste em ativar de forma permanente os princípios e fundamentos virtuosos da origem, que conferiam a potência da ascensão. Aparentemente, a liderança do PT não tinha consciência da funcionalidade desses mecanismos.

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Na mesma medida em que o PT declinava como estrutura organizada, Lula se agigantava como líder carismático, sobrepujando em muito a força do partido. Rapidamente o PT se transformou em partido-carisma, em partido lulo-depedente, pois o líder passou a exercer uma influência, pela sua força e pelas suas qualidades, quase absoluta. O poder e a legitimidade da autoridade de Lula sobre o PT e seus seguidores é lastreado na sua liderança carismática, na devoção que ela desperta, e na crença de que ele é o único indivíduo, excepcional, capaz de produzir mudanças heróicas.

A necessidade da transição planejada

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Partidos carismáticos normalmente são tomados por um dinamismo mobilizador porque o chefe desperta paixões ativadoras. Veja-se, por exemplo, que no período do impeachment, quando Lula ficou paralisado, houve uma enorme desmobilização política e moral da militância petista. Agora, com a Caravana da Esperança, Lula consegue novamente ativar a paixão, o frenesi e a crença de que teremos o advento de um novo tempo. As massas, por si sós, dificilmente se mobilizam espontaneamente, pois são seguidistas, "massas de manobra" como diz Gramsci,

Mas a liderança carismática, geralmente, provoca um grave problema de continuidade nos momentos de transição geracional, como é o atual momento do PT. São poucos os líderes carismáticos que planejam e preparam a transição. A transição requer uma mudança planejada sem que signifique rompimento. Lula parece  não se preocupar com esse problema. Foi também o caso de Mao Tsé'tung, de Stalin e de tantos outros. Não foi o caso de Fidel Castro, que organizou uma transição interna, retirando-se da cena principal. Também não foi o caso de Deng Xiaping, que preparou, com antecedência, a transição para o advento de uma liderança para conduzir a China globalizada.

Um PT pós-liderança carismática teria que ser um PT diferente, planejado com antecedência. Não existe partido carismático sem liderança carismática. Não há um novo líder carismático para o PT do futuro próximo. Lula é uma singularidade rara na história dos partidos e dos povos. Sem o planejamento da transição, o caos pode sobrevir ao corpo político - seja ele um partido ou um Estado - quando o líder desaparecer ou quando for gravemente derrotado.

Não há sinais de planejamento de uma transição no PT e este é um grave erro de Lula e do partido. A transição implica na organização de um Estado Maior que a planeje, que recrie a ideologia do partido, a sua simbologia, o seu programa. Implica também na transição de liderança. Esta nova liderança teria que conduzir o partido por novos métodos, nova visão de mundo, abrindo-o novamente para a militância e para a sociedade, sabendo combinar uma estrutura vertical desburocratizada comandada por líderes competentes com uma ampla e renovada base participando de forma horizontal. Além de uma nova linguagem e de uma nova retórica, com novos conteúdos, seria necessário criar novos métodos de comunicação, condizentes com a sociedade informacional. Ninguém será capaz de substituir Lula com sua arte de se comunicar diretamente com o povo.

Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP). 

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