STJ anula decisão que reconheceu posse de fazendeiro em área localizada em terra indígena no MS
Corte Superior acolheu parecer do MPF pela nulidade do processo e determinou retorno do autos ao TRF3, para nova análise
247 - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que havia mantido uma sentença contrária aos indígenas Guarani Kaiowá em relação a uma ação de reintegração de posse movida por um particular. A ação dizia respeito à propriedade conhecida como Fazenda Shekiná, localizada no município de Paranhos, no sudoeste de Mato Grosso do Sul. A anulação ocorreu em resposta ao parecer do Ministério Público Federal (MPF), que argumentou que o processo estava comprometido devido à falta de citação da comunidade indígena como parte interessada na ação judicial. A área da fazenda está situada dentro dos limites da Terra Indígena Arroio-Korá, que foi homologada em dezembro de 2009.
O subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, responsável pela manifestação do MPF, destacou que a omissão do Poder Judiciário em envolver os povos indígenas no processo não só contraria a Constituição Federal, mas também viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Código de Processo Civil. Ele esclareceu que a notificação da União e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), como previsto no Estatuto Indígena (Lei Federal 6.001/1973), não exclui a necessidade de ouvir diretamente a comunidade indígena. Bigonha ressaltou que o artigo 232 da Constituição Federal de 1988 garante a capacidade processual dos indígenas.
O MPF também argumentou que durante o processo, que teve início em 2001, a área em disputa já havia sido oficialmente reconhecida como território indígena, o que deveria encerrar qualquer debate sobre a posse da região. Foi mencionado que em 2006 o Ministério da Justiça emitiu uma portaria que confirmou a posse permanente dos indígenas Kaiowá e Ñandeva sobre a Terra Indígena Arroio-Korá, localizada em Paranhos, Mato Grosso do Sul. Em 21 de dezembro de 2009, um decreto presidencial foi publicado, homologando definitivamente a área.
O MPF também relembrou que o processo de demarcação administrativa do território indígena havia sido questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de um mandado de segurança apresentado pelo mesmo autor da ação de reintegração de posse. O subprocurador-geral Antônio Carlos Bigonha enfatizou que em novembro de 2021, após um longo período de tramitação, o STF reafirmou a validade plena do Decreto Presidencial de 21 de dezembro de 2009, confirmando a demarcação administrativa da Terra Indígena Arroio-Korá, localizada em Paranhos, Mato Grosso do Sul.
Portanto, considerando esses elementos, o subprocurador-geral concluiu que não havia base factual ou jurídica para conceder proteção possessória ao autor da ação, tanto devido à falta de legitimidade de sua propriedade, que era considerada nula de acordo com a Constituição, quanto à falta de legitimidade de sua reivindicação de domínio. O STJ aceitou os argumentos apresentados pelo MPF sobre a nulidade do processo e determinou que o caso fosse reexaminado pelo TRF3, o tribunal de segunda instância. Segundo a decisão, o TRF3 deverá levar em conta todas as questões levantadas nos embargos de declaração – um recurso que foi rejeitado anteriormente pelo TRF3 –, bem como os pontos destacados pelo MPF no parecer ao STJ. O ministro Francisco Falcão, relator do processo, afirmou que, se essas questões tivessem sido devidamente analisadas, o TRF3 poderia ter chegado a uma conclusão diferente, já que o reconhecimento da demarcação da terra indígena torna as reivindicações do autor infundadas.
