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Tá me estranhando?

Aos que têm orgulho da opressão heterossexual, fica a dica: se o mundo está estranho, “são seus olhos”

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Outro dia, zapeando pela madrugada, me deparei com um pastor dizendo em um canal alhures: - “Deus quer que você demonstre que depende dele”. Sou avesso a este tipo de concepção, não por intolerância ou qualquer desejo megalomaníaco de ordenar como as coisas devem ser, mas porque nenhum ideário reside ilhado no indivíduo. Toda crença, todo construto intelectual, na medida que causa ações, ultrapassa as barreiras do Eu e adentra o choque de interesses da vida coletiva, presente na intersecção de visões de mundo chamada Política. Mas tudo bem, não preciso dizer isso aos quatro cantos para mostrar desconforto e divergência. Por isso, sem a pretensão de provocar debates, incomodado, apenas publiquei a citação inicial no meu Facebook, sem nenhuma valoração óbvia sobre o tema. Eis que um amigo exclamou: - “Você tá ficando estranho... aliás, o mundo está”.

Meu amigo, no final de contas, estava incomodado com alguém virar e dizer, sem pudor, que é contrário ao que o pastor falou. Mas devo dizer, assim é o processo histórico. Mesmo que os passos sejam de formiga, que existam estruturas que delimitem o percurso, que não se trate em absoluto de evolução, as coisas mudam. Se assim não o fosse, como esta livre crônica poderia ser lida por milhares de pessoas a partir de cliques, como haver cliques, como haver crônicas livres?

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Mas tudo aquilo que vai se tornando obsoleto frente aos novos tempos tem de se segurar pelas paredes, atirar em suposta legítima defesa. E é disso que se trata a criação do Dia do Orgulho Hétero, proposto pelo vereador Carlos Apolinário do DEM – aqui cabe falar nomes, apontar dedos na cara. O que é essa medida, senão o grito desesperado de quem não suporta a estranheza que seus olhos têm com o novo mundo? Esse transtorno com as mudanças vem, antes de mais nada, do desejo de viver numa espécie de eterna infância, na Terra do Nunca. A esperança esvaída e descabida de que o mundo tenha nascido junto com a gente e, portanto, que aguarde nossa partida para que se torne algo que não suportamos conviver.

Ao passo que o mundo muda, histórias se repetem. O conservadorismo contrário aos direitos homossexuais não é lá muito diferente dos movimentos reacionários que digladiaram-se contra todas as outras formas de inclusão. Se é pra parar o tempo e defender o direito daquele que não precisa de direitos, pois é quem estipula as regras do jogo, façamos isso da melhor maneira. Vamos celebrar a estupidez humana! Que o Haiti seja aqui e a escravidão não cesse – e bóias-frias possam ser bestializados na cara do Estado. Que a mulher fique no fogão, uma vez que estamos numa sociedade patriarcal. Que o voto volte a ser por renda, pois a Política é para os sábios de bolsos polpudos. Que se faça ditadura, que se coroe o Eike Batista, que se devaste toda a população nativa deste país de vez – se possível, que taquemos canhotos na fogueira de São João. E criemos dias para tantas vitórias. Se comemoram a abolição da escravatura, pesquisemos o dia que chegou o primeiro navio negreiro, formulemos a lei e soltemos fogos. Aliás, façamos um mês – podemos chamá-lo até de Bolsonarembro. Um mês para lutar pelo direito de oprimir todo grupo que não for capaz de sobreviver aos ataques que julgarmos convenientes. Voltemos à lei do mais forte, da selva. Larguemos a Constituição, sejamos bichos que não largam o osso. Façamos guerra - de paus e pedras.

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O Dia do Orgulho Hétero é a busca de voltarmos à pureza do mundo. É o homem em essência, não o bizarro. O mesmo bizarro que é o negro livre no comando da nação mais rica do mundo, enquanto uma mulher – vejam que disparate! - toma conta das coisas aqui nessas terras onde canta o sabiá. É o desejo de vivermos como o mundo sempre foi. Voltemos à ditadura, a Tv em preto e branco e demos a 10 pro Pelé. Ou será que o mundo já existia antes disso?

Sabe, a roda viva gira e nem sempre é na direção que levaríamos, se controlássemos o volante da História sozinhos. Hoje, sem muito cálculo, o amigo que divirjo em pontos tão fundamentais é uma das pessoas que mais gosto de ter por perto. E suporto os embates exatamente através da tolerância ao direito de sermos diferentes.

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O carro-chefe da contrariedade à homossexualidade vem da religião. Mas vale lembrar que o Estado é laico e caso opte-se por este confronto, é ilegítimo que se dê pela legalidade, já que o papel do Estado é garantir direitos iguais – e qualquer um que incite contrariedade disso terá de ser julgado e punido dentro das regras do jogo. Já a rejeição ao homossexual por parte daquele que se traveste de tolerante, diz ser de gosto, como se a questão fosse assim tátil ou visual. Esse desgostar, se não é propriamente o preconceito – apenas um conceito discriminatório -, é a causa-mor dos preconceitos posteriores. Na realidade, o nojo e o choque que um beijo gay na novela das oito provocaria em tantos brasileiros não é meramente sensorial, mas de valores. O hétero pode beijar, o homossexual não – pois “não é normal” (sic). É por tantos estranharem para o Outro (“diferente”) o que é usual para si, que cabe o Orgulho Gay. É o orgulho de ser debochado no Ensino Fundamental, desprezado na entrevista de emprego, ser alvo de olhares odiosos pelas ruas, negado à religião, agredido de tantas maneiras e, ainda assim, conseguir com toda a doçura, espontaneidade e graça que lhes é peculiar, alcançar seus objetivos – dentre eles, a união homoafetiva, que só foi possível por essa batalha coletiva.

Você pode ser contra o homossexual, mas, independentemente da formulação de argumentos que dispuser, isso se dá pela hegemonia Heterossexual – e não por sua exclusão, como no caso do gay. Portanto, há de se entender que esta discriminação, em termos de cidadania, está no mesmo patamar do machismo, do racismo e do elitismo.

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Aos que têm orgulho da opressão heterossexual, fica a dica: se o mundo está estranho, “são seus olhos”. Cabe então voltar para si mesmo e fazer o movimento contrário. Estranhe-se!

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