Trabalhadores em situação análoga à escravidão são resgatados no Lollapalooza
Após o resgate, as empresas foram obrigadas a ressarcir cada um dos trabalhadores em aproximadamente R$ 10 mil pelos salários devidos, verbas rescisórias e horas extras
Agenda do Poder - Apesar de ser um festival multimilionário com atrações de renomados artistas internacionais, o Lollapalooza foi flagrado esta semana submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão. Cinco profissionais que atuavam na preparação do evento foram resgatados na terça-feira (21), no autódromo de Interlagos, zona sul de São Paulo, onde os shows acontecem a partir de sexta-feira (24).
Eles trabalhavam como carregadores de bebidas em jornadas de 12 horas diárias: “Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”, afirma J.R, um dos resgatados.
Os funcionários atuavam na informalidade, sem os devidos registros trabalhistas, como manda a lei. “Com idade entre 22 e 29 anos, eles não tinham dignidade alguma, dormiam dentro de uma tenda de lona aberta e se acomodavam no chão. Não recebiam papel higiênico, colchão, equipamento de proteção, nada”, afirma Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho que participou da operação de resgate, feita pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego.
O Lollapalooza vai de sexta (24) a domingo (26) e o ingresso vai de R$ 1.300, para um dia de evento, a R$ 5.300 para pacotes mais luxuosos, que garantem os três dias de shows e acesso às áreas VIPs, com cadeira de massagem e outros benefícios. Dentre as atrações deste ano estão grandes nomes da música, como Billie Eilish, Lil Nas X e Drake.
No ano passado, o festival movimentou mais de R$ 400 milhões, segundo a prefeitura paulistana. Os cinco resgatados prestavam serviços para a empresa Yellow Stripe, uma terceirizada contratada pela Time 4 Fun, conhecida como T4F, dona do Loolapalooza no Brasil.
Ambas empresas foram notificadas pelas autoridades do trabalho e serão responsabilizadas diretamente pela situação dos cinco trabalhadores escravizados, de acordo com Neiva. Após o resgate, as empresas foram obrigadas a ressarcir cada um dos trabalhadores em aproximadamente R$ 10 mil pelos salários devidos, verbas rescisórias e horas extras. O valor ainda pode aumentar, caso o Ministério Público do Trabalho entre com pedido de verbas indenizatórias, o que não tem prazo para ocorrer.
Os trabalhadores resgatados relataram que eram ameaçados com a perda do emprego caso tentassem deixar o local após o expediente. Eles eram cobrados para que ficassem vigiando a carga nas tendas até o dia seguinte – embora esse serviço não tenha sido combinado previamente com os cinco funcionários.
Segundo os trabalhadores, o combinado era que eles seriam acomodados em um local próprio para hospedagem após a jornada na carga e descarga de bebidas. “O que tinham prometido para mim era um alojamento ou um hotelzinho perto do local do show para dormir enquanto durasse o trabalho, e diária de R$ 100”, diz M. S. “Mas no primeiro dia disseram que eu ia ter que dormir na tenda. Quando perguntei onde, me disseram: ‘desenrola uns papelões aí para você”.
Para tomar banho, os cinco tinham que fazer uma longa caminhada até o alojamento que havia sido alugado para parte da equipe da Yellow Stripe, fora do autódromo de Interlagos. “Mas tinha que ser rápido. Senão eles fechavam o registro de água”, conta J.R.
Não é a primeira vez que o Lollapalooza viola a dignidade dos trabalhadores. Em 2019, moradores de rua foram contratados por R$ 50 para cumprir diárias de 12 horas para montar os palcos, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O trabalho degradante em meio a um dos maiores e mais ricos festivais do país chamou a atenção da equipe de fiscalização.
“A situação que a gente presenciou é emblemática para entender as raízes do problema do trabalho análogo ao de escravo no país. O grande abismo socioeconômico brasileiro provoca esse contraste e deixa algumas pessoas vulneráveis ao trabalho escravo, enquanto outros podem pagar mais de R$ 1.000 em ingressos para um show”, diz Livia Ferreira dos Santos, uma das auditoras fiscais que participou do resgate.
Com informações do Uol.
