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Brasil

Universidades em risco

O modelo da universidade pública tradicional do Brasil parece enfrentar graves problemas e a greve dos professores é um claro sinal disso

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A justa greve dos professores das universidades federais já leva algum tempo sem haver um claro desfecho para o imbróglio. Os professores lutam por duas questões essenciais para qualquer profissão: estrutura de carreira condizente com o trabalho que executam e remuneração adequada e justa. A greve das federais é apenas o sintoma no momento mais aparente dos problemas do ensino superior brasileiro. Nas últimas semanas, foi divulgado um dado que mostra o tamanho da encrenca: 38% das pessoas que concluem uma faculdade no Brasil são analfabetos funcionais. O ensino superior no Brasil é feito por instituições privadas e públicas.

Salvo honrosas exceções, o ensino nas faculdades privadas deixa muito a desejar. São instituições que tratam ensino e conhecimento como mercadoria. Com isso, a preocupação central da maioria delas é gerar resultado pecuniário e nada mais. Nos cursos de graduação, na grande maioria de tais instituições, alunos são tratados como clientes e, com isso, precisam ter suas necessidades momentâneas satisfeitas. Isso tende a significar que os cursos devem ser pouco exigentes e os professores devem ser coniventes com um ensino bastante leniente, para dizer o mínimo. Os cursos em sua grande maioria são noturnos desde o primeiro ano, o que em geral limita muito a possibilidade de estudo dos alunos. Os professores de graduação das faculdades privadas tendem a ser pessimamente remunerados e o ensino é apenas mais uma dentre as inúmeras atividades profissionais que desempenham.

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Tal fato geralmente indica pouca formação acadêmica do professor e baixa dedicação para sua própria qualificação, preparo de aulas e demais atividades acadêmicas. Enganam-se os que acham que as faculdades privadas não têm dinheiro público. Programas como o Prouni financiam com dinheiro da viúva milhares de brasileiros em busca do tão sonhado diploma, estudando em cursos cuja qualidade é questionável, prova disso é o número de analfabetos funcionais que persistem mesmo após conseguir um diploma universitário. Aliás, um analfabeto funcional com um diploma universitário é a marca do absurdo.

Infelizmente, o governo tem feito muito pouco para exigir qualidade do ensino privado nacional, apesar de colocar muito dinheiro público nas faculdades privadas. Por mais elitista que seja, diploma universitário não é para todo mundo e fazer faculdade e trabalhar ao mesmo tempo sempre compromete a formação. Por isso, seria fundamental ter um ensino básico e médio de qualidade para que as pessoas que não nasceram em lares com recursos financeiros pudessem ter acesso a cursos superiores de qualidade. Hoje, muitas faculdades vendem um diploma à prestação.

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Há no ensino superior privado um número crescente de cursos de pós-graduação, tanto lato quanto stricto-sensu. Todavia, o cenário da pós-graduação nas universidades privadas não é desprovido de dificuldades. Por necessidades de sobrevivência, a maioria dos alunos trabalha enquanto estuda. Embora seja possível e até desejável fazer uma especialização trabalhando, trabalhar e fazer mestrado ou doutoramento é muito complicado. Trabalho diligente de pesquisa e estudo a sério exige tempo, dedicação, cuidado e atenção. Para a maioria das pessoas, não se faz uma tese ou uma dissertação decente nos finais de semana. Não é à toa que nas principais universidades do mundo mestrado e doutorado são cursos de dedicação exclusiva.

Além disso, a preocupação das faculdades privadas tem sido cumprir à risca as regras de avaliação da CAPES. Os professores são bem remunerados e geralmente bem formados, mas vivem em um clima de trabalho cheio de cobranças apropriadas para empresas, mas contraproducentes para a produção de pesquisas acadêmicas de qualidade. A imensa maioria das faculdades privadas brasileiras se comporta como empresas e tal comportamento é antagônico à lógica de ensinar e produzir conhecimento com qualidade. Produção de conhecimento requer um ambiente sem pressões excessivas por resultado, tempo para reflexão, liberdade para pesquisar, tempo para ler, estudar, adquirir cultura etc. Somente sob estas condições teremos bons pesquisadores, ao menos em ciências humanas.

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As universidades públicas tendem a reunir muitas das condições necessárias para promover ensino e pesquisa de qualidade. Professores, na sua maioria, são acadêmicos profissionais, ou deveriam ser. Possuem uma formação sólida, já que ter um título de doutor requer muita dedicação, disciplina e trabalho. A questão da qualidade pode ser valorizada na instituição pública de ensino, pois o professor não terá seu emprego posto em dúvida se reprovar os alunos. A estabilidade no emprego garante ao professor liberdade, fundamental para o exercício do pensamento. Os alunos tendem a ser bem qualificados e dedicados. Não é à toa que as instituições públicas sempre são consideradas as melhores. Porém, o modelo da universidade pública tradicional do Brasil parece enfrentar graves problemas e a greve dos professores é um claro sinal disso.

Em primeiro lugar, os professores universitários das universidades públicas são mal remunerados em face de sua necessidade de formação e desenvolvimento. Ser professor requer estar sempre estudando, lendo, atendendo a atividades culturais, viajando o que demanda recursos. Dias atrás, uma amiga da UFMG, excelente professora e pesquisadora, escreveu um desabafo em que dizia que a sociedade aceita que um médico, um advogado e um juiz ganhe bem, mas parece relutar em querer oferecer boas condições de vida a um professor universitário. A ironia está no fato de que são justamente os professores a peça fundamental na qualificação de bons médicos, bons engenheiros e bons dentistas.

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O salário do professor deve ser comparado com o salário de pessoas com qualificação semelhante e não com a média das profissões. A carreira de professor é uma das que menos remunera no serviço público, sendo que muitos cargos que sequer exigem nível superior paga mais do que os professores universitários. Os baixos salários das federais têm feito com que acadêmicos competentes pensem duas ou três vezes antes de prestar um concurso público. Alguns deles deixam o país em busca de melhores condições de trabalho. Os que entram nas federais, muitas vezes começam a desenvolver outras atividades profissionais para poder arcar com a opção de vida. Professor deveria ser encarado como profissão que precisa ser bem remunerada, não como algo que envolve um voto de pobreza.

A estrutura das universidades públicas precisa ser revista. Não é razoável exigir de todos os professores do ensino superior público as mesmas coisas. As necessidades das instituições são variáveis. Um centro de pesquisa internacional localizado em uma universidade pública requer um tipo de professor diferente de um centro de formação universitária regional de uma outra instituição. As condições necessárias para o trabalho são completamente diferentes. Também não é possível supor que os salários devam ser os mesmos. Morar em Juiz de Fora possui um custo de vida muito diferente do que morar em São Paulo.

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As universidades públicas foram, aos poucos, sendo sucateadas por falta de investimento. Apesar da melhoria recente, muitas instituições ainda carecem de salas de aula, escritórios para professores, bibliotecas e laboratórios adequados. Neste ponto, será necessário conseguir novas maneiras de financiar as universidades públicas, além dos cofres do Estado. As principais universidades do mundo, muitas delas públicas, recebem recursos de empresas, vendem cursos de extensão e consultoria que são revertidos para o benefício da universidade. No Brasil hoje, muitas escolas públicas possuem melhores condições pelo fato de usarem recursos de cursos de especialização.

Porém, tais recursos precisam ser distribuídos para promover o desenvolvimento de todos os departamentos e não ser controlados por alguns professores que podem usar a coisa pública para o benefício privado. É preciso um plano nacional de flexibilização das formas de gerir e de angariar fundos nas universidades públicas. Também é fundamental oxigenar as universidades públicas brasileiras, pois há casos em que departamentos inteiros estão limitados a tentar perpetuar a existência dos grupos internos de poder e as suas lógicas de proteção. É preciso repensar o modelo universitário do Brasil, pois estamos muito aquém do desenvolvimento de ensino e ciência necessários a um país que pretende ser uma potência mundial.

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Rafael Alcadipani é professor adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

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