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Versão sobre período Geisel é falsa; ex-presidente era a “tigrada”

A divulgação do memorando CIA relatando que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) sabia e autorizou a execução sumária de opositores à ditadura militar muda a historiografia brasileira, segundo a professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloisa Starling; ela afirma que o ofício altera a visão tradicional de que havia um processo de enfrentamento entre Geisel e os militares que operavam o aparelho de repressão; este grupo foi nomeado como "tigrada" pelo jornalista Elio Gaspari, autor de uma série de livros sobre a ditadura; a tese de Gaspari é insustentável; "O que o documento mostra é que Geisel é a tigrada", diz a professora

A divulgação do memorando CIA relatando que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) sabia e autorizou a execução sumária de opositores à ditadura militar muda a historiografia brasileira, segundo a professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloisa Starling; ela afirma que o ofício altera a visão tradicional de que havia um processo de enfrentamento entre Geisel e os militares que operavam o aparelho de repressão; este grupo foi nomeado como "tigrada" pelo jornalista Elio Gaspari, autor de uma série de livros sobre a ditadura; a tese de Gaspari é insustentável; "O que o documento mostra é que Geisel é a tigrada", diz a professora (Foto: Mauro Lopes)

247 - A divulgação do memorando da Agência Central de Inteligência (CIA) relatando que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) sabia e autorizou a execução sumária de opositores à ditadura militar muda a historiografia brasileira sobre o período, segundo a professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloisa Starling. Em entrevista ao Valor Econômico, ela afirma que o ofício altera a visão tradicional de que havia um processo de enfrentamento entre Geisel e os militares que operavam o aparelho de repressão. Este grupo foi nomeado como "tigrada" pelo jornalista Elio Gaspari, autor de uma série de livros sobre a ditadura. A tese de Gaspari é insustentável. "O que o documento mostra é que Geisel é a tigrada", diz. Starling afirma, é preciso ir mais a fundo na descoberta revelada pelo pesquisador Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para a professora da UFMG, as acusações contra os presidentes Geisel e Figueiredo são "gravíssimas". "Estou indignada. É uma coisa muito violenta. Tínhamos todos os indícios, mas não tínhamos um documento com tamanha clareza", diz. É a primeira vez, destaca Heloisa, que se tem um registro oficial com o número de assassinados pela ditadura e que mostra o envolvimento direto do presidente da República.

Heloisa Starling afirma que a tarefa agora é avançar na investigação pois o memorando escrito em 11 de abril de 1974 e enviado pelo ex-diretor da CIA, William Colby, ao então secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, indica a existência de outros documentos, ainda sigilosos, nos quais se registra a política de assassinatos comandada diretamente pelos presidentes Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. "Para que se possa avançar na discussão, é preciso que o Brasil tenha acesso à documentação que corrobora a conversa narrada pelo relatório", diz Heloisa.

A historiadora defende ser uma obrigação do governo federal, do Itamaraty e das Forças Armadas exigir do governo americano a liberação dos documentos ainda classificados como sigilosos. Lembra que os Estados Unidos, durante a administração de Barack Obama, já atendeu pedidos neste sentido, solicitados pela Argentina e pelo Brasil, por ocasião dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, em gestão feita pelo ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro. "É o caso de se fazer uma solicitação formal. Só lembrando que o chanceler do Brasil [Aloysio Nunes Ferreira] tem interesse até pessoal nesta história. Ele era da Aliança Nacional Libertadora. Tem obrigação e interesse de fazer isso. Ele não lutou numa organização da esquerda armada? Não custa lembrarmos a ele da história dele", afirma.

Em segundo lugar, Heloisa diz que as autoridades brasileiras precisam solicitar a retirada das tarjas pretas que impedem a leitura de dois parágrafos do ofício. Sua suspeita é que os trechos registram o nome de pessoas eliminadas, indicam mais documentos sobre as execuções ou apontam o nome do agente da CIA que passou as informações para a agência de inteligência americana.

Segundo a Agência Brasil, o Ministério das Relações Exteriores vai pedir ao governo dos Estados Unidos a liberação dos documentos produzidos pela CIA. O ministro das Relações Exteriores teria instruído a embaixada brasileira em Washington, nos EUA, a solicitar a liberação completa dos registros sobre esse tema. A medida é em resposta à solicitação do Instituto Vladimir Herzog, que enviou uma carta na última sexta-feira (11) ao Itamaraty pedindo que o governo federal solicite a liberação dos documentos que registram a participação de agentes do Estado brasileiro em ações de tortura ou assassinato de opositores do regime.

O memorando descreve reunião de 30 de março de 1974 - 15 dias depois da posse de Geisel - entre o presidente e três generais que comandavam a repressão: Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, que chefiavam o Centro de Informações do Exército (CIE), e João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).

De acordo com o ofício, o general Milton Tavares de Souza comunicou a Geisel, durante a reunião, que o CIE no governo anterior, do general Médici, havia executado sumariamente 104 pessoas. Souza pedia autorização ao novo presidente para continuar a política de assassinatos de opositores à ditadura. Geisel pediu um tempo para decidir, durante o fim de semana, e no dia 1 de abril deu o aval a Figueiredo, dizendo que a "política deveria continuar".