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A tirania da poesia e a ditadura das mídias

O digno de ser publicado passa por um turbilhão de interesses, a maior parte deles, alheio à literatura

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Me falam que a leitura, em certos casos, deve ser uma concessão do leitor ao autor. Reluto, mas deve ser verdade.

Porque alguém deveria ler um livro até o fim? Quem redigiu o contrato? Quem assumiu este compromisso? A compra de um objeto como é o caso de um livro não significa absolutamente nada. E com a poesia tudo piora. A poesia é tirânica como certa vez disse Cristovão Tezza. Ele tem razão. Não só por ser concebida de uma forma muito mais livre do que o texto romanesco de ficção ou de um ensaio. A poesia dita seus próprios ritmos, dirige seus próprios passos. Claro que a tendência da contemporaneidade é não aceitar poetas herméticos, místicos ou autores que se deixam entorpecer pela beleza das palavras. Ouvimos bem? Pelo menos a mensagem está dada. Está muito claro. A antimusa contemporânea prefere poetas minimalistas, entusiastas do cotidianocentrismo e elegeram o discurso quase jornalistico, de preferência, que beire o real. Mas quem se importa com o que a contemporaneidade pensa (além de mim)? Importante s aber que ela não passa de apenas um femtosegundo da trajetória cultural dos homens. Um snapshot das tendências do mundo. Tudo para dizer que a poesia -- a mais incompreendida das atividades literárias -- é, por isso mesmo, a mais importante, senão o único ofício relevante do escritor.

A poesia pode misturar tudo, sem se render à ninguém. Seu capricho, que prometia atestar seu despotismo, acaba carregando o quididativo. A poesia faz sentido. A qualidade do texto não pode estar sob a tutela dos professores de literatura -- isso já está devidamente atestado. Seja pela abundância de erros de avaliação pregressos, seja pelos paradoxos entre uma análise formalista e o resultados efetivos de uma criação (os sucessos de público com fracasso de crítica). Também não pode ser dada pelos editores de redação de cadernos culturais, muito menos por criticos de literatura (uma atividade realmente à mingua) não porque falte erudição (na verdade, há excesso) mas porque faltam criticos com formação realmente plurívoca, que enxerguem dotes e talentos para além de suas próprias referencias estéticas e culturais. No dizer de Schopenhauer: talvez falte gente com cabelos próprios; há excessos de per ucas.

A hermeneutica filosófica aponta o flagelo do expertocentrismo como responsável pela desfiguração do conhecimento e, principalmente, pela cisão, prematura, violenta, injsutificável entre ciências humanas e naturais. Criando asim um vácuo incurável entre saber prático e sabedoria, entre homens de ciencia e de letras, entre pensar e ousar sentir. Neste mundo, uma poesia onírica, metafísica, trancendentalista ou simplesmente não concreta não têm sequer o direito de existir.

Como resultado há um ruidoso tribalismo nas revistas especializadas, há arrogância injustificável (sim, pode haver uma arrogância justificável), autoreferencia exagerada, e, há, sobretudo, monopólio. O monopólio jornalístico da cultura, assunto quase caduco, mas persistente. Pois quando a liberdade se faz presente num texto, ele conquista, vale dizer, deveria conquistar, naturalmente, o direito de existir. Deveria ser quase que condenado a visibilidade. Claro que nem todos escrevem bem. E o gosto pode ser discutido. Depende com quem.

Analogamente ao que Georges Canguilhem disse que sobre a filosofia: "não há boa ou má filosofia". Pode-se parafrasear esse mote e dizer que não há boa ou má poesia. Pode haver poesia sem consistência, pueril, imatura, ou que não nos agrada. A literatura, a dramaturgia e as artes estão sob o mesmíssimo dilema.Quando se trata de patrocínio do Estado para projetos culturais as coisas entram na categoria de "espantosas". A coisa pública torna-se praticamente refém das idiossincrasias dos governantes e venham de onde vier, doem a quem quiserem, os critérios serão sempre semi injustos. Todos merecem patrocínio, nestes sentido, o mais justo, seria, talvez, nenhum. A comunidade, ou a avaliação por pares, também resolvem muito pouco este dilema já que endossam a tal "expertocracia" que prioriza, sempre, o próprio sistema digestivo.

Todo poeta convicto do refrão que pede liberdade alardeará (alguns já alardeaiam, só não são ouvidos pela surdez corporativa) sua exclusão do mundo visível. Porque, pelo menos aí, detecta-se a ditadura, o padrão monológico que, talvez supere, com folga, a tirania da poesia. Se trata da ditadura das mídias culturais. Elas travam o debate. Mudam o registro das coisas decidindo o que é bom ou não.

O digno de ser publicado -- do colunista que merece destaque nas páginas iniciais e manchetes ao privilégio editoriais de poderosas companhias -- passa por um turbilhão de interesses, a maior parte deles, alheio à literatura. Assim fica dificil para quem consulta jornais (a mídia eletrônica, a sucessora, segue o mesmo descaminho) ter acesso ao que é produzido no que agora já podemos aqui, a esta altura do artigo, classificar como submundo. As pessoas não escolhem a marginalidade, são guiadas a ela, diligentemente, até que os sons periféricos se infiltrem nas cabeças fechadas e destravem, por dentro, os sentidos abafados do mundo dos espelhos.

Paulo Rosenbaum é doutor em medicina pela USP, poeta e escritor. Tem mais de dez livros publicados. “Verdade Lançada ao Solo”, publicado pela Record, é seu primeiro romance.

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