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Amor de vampiro

A saga Crepúsculo está longe de ser sobre vampiros e lobisomens, mas um exercício pop sobre o amor, a perda e a busca da pessoa ideal

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A nova aventura da Saga Crepúsculo, que estreou outro dia nos cinemas do mundo inteiro, soa mais triste e densa do que as histórias anteriores. O que me fez lembrar do velho Braga, o mestre Rubem Braga, que um dia disse que era do tempo em que os telefones eram pretos e as geladeiras eram brancas. No meu tempo, os vampiros e os lobisomens metiam medo, causavam espantos. Hoje eles nos encantam. Talvez seja por isso que fui ver, por mera curiosidade, a “terceira primeira” parte da Saga Crepúsculo, agora intitulada Amanhecer.

Agora casados, o belo par Edward (Robert Pattinson) e Bella (Kristen Stewart) partem em lua de mel para o Rio de Janeiro. Lá, eles descobrem que ela está esperando um bebê, mas a gravidez parece indesejada, encoberta numa nuvem de mistérios macabros e tensões psicológicas que irá envolver o arredio Jacob (Taylor Lautner). O clima soturno da situação, que remete, mesmo que de forma sutil, ao clássico do terror suspense O Bebê de Rosemary, dirigido em 1969 por Roman Polanski, mais uma vez colocará em conflitos os refinados Cullen, contra a tribo Quileute. “Infância é o reino onde ninguém morre”, anuncia o roteiro logo nos primeiros minutos de filme.

Produção impecável, a Saga Crepúsculo, que já vendeu cerca de 120 milhões de livros em todo o mundo, redimensionou a mitologia dos lobisomens e vampiros – os últimos criados a partir da trajetória do conde romeno do século 15 Vlad III -, a uma categoria de estética pop cinematográfica poderosa que tem despertado interesses que vão além do deslumbramento nada pouco seletivo do público teenage. O que não é novidade, tanto na literatura, quanto no cinema, já que o cineasta irlandês Neil Jordan já havia trabalhado com sucesso tal proposta, no soberbo Entrevista Com o Vampiro (1994), baseada em obra de outra escritora norte-americana fascinada pelas lendas desses cavaleiros da treva, a best-seller Anne Rice.

Ambos os projetos partem da desconstrução da narrativa clássica sobre as lendas em torno do vampiro moderno desenvolvida pelo escritor Bram Stoker, em 1897. Mas enquanto o filme de Jordan aposta numa quase erotização dessas criaturas da noite e a obra de Francis Ford Coppola, Drácula de Bram Stoker (1992), potencializa o mito. A saga Crepúsculo humaniza os vampiros de tal maneira que quase podemos encontrá-los bem ali na esquina, chupando um chicabon ou tomando sangue num copo de McDonald.

De modo que, nas tramas da norte-americana Stephenie Meyer, vampiros e lobisomens surgem como pano de fundo para falar de questões essenciais à humanidade como o amor e a perda. Afinal, quem aí não está em busca do amor perfeito, da pessoa certa para estar ao nosso lado o tempo todo?

Em Amanhecer – Parte 1, tais questões afloram de forma contundente a partir de interpretações viscerais dos heróis mutantes. “Há males que nem o nosso veneno consegue combater”, diz Edward, em dado momento, à amada.

Difícil não se comover com o idílio romântico do casal que perpassa a primeira parte do filme, com seu jogo de seduções sensuais movidos por beijos ardentes, corpos arrepiados e sofisticado humor. A cena do banho ao luar, rodada na paradisíaca Paraty, é de uma beleza plástica comovente, talvez com certo exagero da minha parte, uma das mais belas do cinema moderno.

E o segredo da história bem amarrada, por sinal, está no talento do diretor Bill Condon (roteirista de filmes como God and Monsters e Chicago), um sujeito sensível que urde com talento sofisticado tais ingredientes ao sabor de cenários plúmbeos deslumbrantes e uma trilha sonora de tirar o fôlego. É exultante a forma com que o jogo de cores e luzes é trabalhado no filme e gosto, particularmente, da sutil homenagem que o diretor Bill Condon faz, logo nas cenas iniciais de Amanhecer, ao mestre James Whale, diretor dos clássicos filmes de terror dos anos 30, sobre o mostrengo Frankenstein.

Confesso que me comovi com essa versão mais densa e intensa da saga. Fiquei tão nervoso que mordi os dedos a ponto de sair sangue, vejam só que ironia. Não olhe agora, mas de repente vocês estarão lendo um texto de um vampiro. Deu até vontade de ler um dos livros da série ao som de Coldplay, ao de uma faixa de X&Y. Mas acho que, com o meu coração despedaçado do jeito que está, não teria coragem de ver o filme de novo, não. Muitos menos ouvir Coldplay.

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