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Cultura

Bete Coelho interpretará Stalin em nova peça

Atriz mineira encarna o ditador russo em novo espetculo do BR116 baseado em texto do autor espanhol Juan Mayorga

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Por Natália Rangel_247 - Toca o telefone. Quem atende é o escritor e dramaturgo russo Mikhail Bulgákov, que vive recluso em casa com sua esposa. Do outro lado da linha, nada menos que Josef Stálin, ditador que governou com mãos de ferro a ex-União Soviética entre 1924 e 1953. Estamos na Moscou dos anos 1930 e muitos intelectuais são perseguidos pelo regime stalinista. A surpresa pelo telefonema do líder comunista, que se mostra um admirador da obra de Bulgákov, transforma-se em ansiedade: subitamente a ligação cai, sem se saber o motivo da chamada. Baseado neste fato supostamente verídico, Juan Mayorga, um dos mais importantes dramaturgos espanhóis da atualidade, escreveu "Cartas de Amor para Stálin", peça que será encenada pela companhia BR116, capitaneada pelos atores Bete Coelho e Ricardo Bittencourt, a partir de 13 de agosto, no teatro do Sesc Santana, na zona norte de São Paulo.

Na peça, após a ligação frustrada, Bulgákov tenta estabelecer contato com Stálin por meio de cartas, escritas incansavelmente, mas sem obter nenhuma resposta do ditador. Com essa obsessão, o escritor passa por um processo de paranoia, misturando realidade e alucinação. "Eu acho incrível essa brincadeira de verdade e mentira que o texto tem", afirma Bete. "O tempo todo é isso, de ficção e fato real. O Juan Mayorga se apropria disso e traz para o teatro essa brincadeira que já é teatro", comenta ela, que se divide entre a interpretação da esposa do escritor, vivido por Bittencourt, e a do próprio Stálin.

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Convidado pela dupla da BR116 para dirigir o espetáculo, o diretor baiano Paulo Dourado observa que "Cartas de Amor para Stálin" trata de um assunto que está na ordem do dia no mundo e especialmente no Brasil: a interferência do Estado (na figura do líder russo) na produção artística, representada pelo escritor. "Qual é o papel da arte, do financiamento, do patrocínio, de que forma o governo pode interferir na questão cultural e artística de uma maneira que não cerceie, que não seja uma interferência negativa?", questiona Dourado. Com quase 35 anos de carreira, dirigindo, na Bahia, de clássicos a peças experimentais, passando pelo teatro popular, este é seu primeiro projeto com produção em São Paulo.

Carpintaria Cênica - Depois da montagem dos monólogos "O Homem da Tarja Preta", escrita pelo psicanalista Contardo Calligaris, encenada por Bittencourt e dirigida por Bete, e "Terceiro Sinal" texto do jornalista e publisher Otavio Frias Filho, no qual eles inverteram as funções - ela atuou e ele dirigiu -, os dois procuravam uma nova peça para dar continuidade aos trabalhos da companhia. O primeiro a ler a obra de Mayorga, por indicação do assistente de direção José Geraldo Júnior, foi Bittencourt, que a considerou "incrível, mas muito difícil", porém, logo viu que "Cartas de Amor para Stálin" era aquilo que buscavam. Bete elogia o autor espanhol: "O texto é muito bem estruturado, ele domina a carpintaria cênica."

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Na construção da narrativa, Mayorga faz referência a uma das obras mais importantes de Bulgákov, "O Mestre e Margarida", livro que ele levou quase dez anos para terminar e cuja última revisão foi ditada pelo escritor para sua esposa algumas semanas antes de ele morrer, em março de 1940. No romance, o diabo faz uma visita a Moscou, deixando um rastro de destruição e loucura por onde passa. Na peça, a alusão da figura demoníaca a Stálin fica evidente. Um ponto comum aos outros trabalhos da companhia justificou a escolha da peça do dramaturgo espanhol, que ganhou tradução para o português e adaptação do jornalista e escritor Manuel da Costa Pinto: "Tem que ser um texto que seja urgente ser dito. Em todas essas peças da BR116 havia uma urgência em dizer, uma necessidade em dizer coisas que nós achamos extremamente atuais" explica Bete.

Oscip - Além do paralelo entre o conteúdo da peça e a discussão sobre a produção artística atual, o assunto também remete à situação pelo qual passa o grupo teatral. "O Homem da Tarja Preta", por exemplo, ficou três anos em pré-produção até conseguir ter a montagem viabilizada. "Terceiro Sinal" foi bancado pelos próprios artistas. E ainda que tenha conseguido a aprovação para captar recursos por leis de incentivo, como Rouanet e Mendonça, para "Cartas de Amor para Stálin", por enquanto, a produção fez parcerias apenas com o Sesc e a agência de comunicação Tudo.

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Para deixar que os artistas se preocupem apenas com a parte que lhes cabe na companhia, no fim de agosto, após a estreia do espetáculo, será realizado o lançamento da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que fará a gestão da BR116 - incluindo aí a busca de recursos em empresas interessadas em patrocinar os trabalhos do grupo. A organização será presidida pela advogada Cristiane Oliveri. Bete e Bittencourt irão compor o conselho artístico.

A companhia já tem um planejamento estratégico montado para mostrar às empresas, contemplando ações para os próximos três anos, que incluem, por exemplo, turnês pela periferia de São Paulo e pelo Nordeste e um festival com o repertório da BR116, este para o biênio de 2013/2014. "O que a gente tem observado é que é muito mais interessante para o mercado e as empresas apostarem e apoiarem um projeto de longo prazo que tem desdobramentos, continuidades, inclusões", afirma Bittencourt. "Hoje, uma peça consegue a tal da captação, fica dois meses em cartaz e nunca se ouve mais falar dela", critica Bete.

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Cartas de Amor para Stalin Sesc Santana (Avenida Luiz Dumont Villares, 579) De 13 de agosto a 18 de setembro. Sextas, e sábados às 21h, domingos às 18h. Ingressos: R$ 20 (inteira); R$ 10 (usuário matriculado no Sesc e dependentes, +60 anos, professores da rede pública de ensino e estudantes com comprovante); R$ 5 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes)

Grupo BR 116 faz imersão na cultura russa para nova montagem

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Para montar a peça "Cartas de Amor para Stálin", toda a equipe da companhia BR116 fez uma imersão "fascinante" - nas palavras do diretor do espetáculo, Paulo Dourado - na cultura e na história russa. "É como se de repente se abrisse uma cortina para um universo fantástico e que tem uma relação muito forte com o Brasil por causa do modernismo, por causa da arte contemporânea, e com relação aos sistemas políticos, a políticas culturais", comenta Dourado. O resultado da pesquisa do grupo trouxe referências musicais, literárias, cinematográficas e de artes gráficas que ajudam a compor a ambientação necessária ao embate entre o escritor e dramaturgo Mikhail Bulgákov e o ditador Josef Stálin, entre a produção artística e o poder do Estado. "Estou enterrada de história russa", brinca a atriz Bete Coelho, que em cena encarna tanto a esposa do escritor - este interpretado por Ricardo Bittencourt - quanto Stálin.

A concepção da moradia do casal, onde se transcorre a ação, diz a cenógrafa Flávia Soares, fica bem longe do realismo. "Foi uma delícia encontrar uma peça que se passa no auge do construtivismo russo. É um momento que nós designers gráficos idolatramos e estudamos, então eu queria que meu cenário fosse meio que uma homenagem às artes gráficas do construtivismo russo", explica ela. Esse movimento, que toma forma na mesma época em que vem à tona a Revolução Russa de 1917, tem como característica o uso de formas abstratas e geométricas. Projeções de imagens de Stálin e de cenas que remetam ao período em que a história se desenvolve ajudarão a compor o ambiente cênico. Esta parte audiovisual da pesquisa ficou a cargo do diretor de imagens Gabriel Fernandes, que assistiu a filmes e documentários russos, certas vezes até sem entender o que era falado neles, mas cujas sequências impressionavam. "Temos imagens riquíssimas, imagens de Stálin que muitas pessoas no Brasil ainda não conhecem."

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Além de querer construir um clima de insanidade e suspense, Fernandes pretende contextualizar a época com as cenas. "A projeção também tem essa coisa prática de facilitar o entendimento e fazer com quem o espectador possa ter uma catarse com a interpretação dos atores", diz ele. Entre as referências para ilustrar a grandiosidade do pensamento soviético daquele período, representantes do cinema revolucionário russo, como Sergei Eisenstein, diretor da obra-prima "O Encouraçado Potemkin" (1925), e um cineasta contemporâneo a ele, Vsevolod Pudovkin, que fez "A Mãe" (1926).

Theremin

Outro elemento importante para criar a atmosfera do espetáculo é música. O diretor musical Kleber Nigro conta que a trilha sonora original da peça será gravada ao som de piano e de teremim. Este último, um dos primeiros instrumentos eletrônicos, foi criado pelo russo Léon Theremin em 1920. "Ele sofreu também a mesma perseguição política que o personagem Bulgákov sofreu. Acharam que ele estava fazendo uma arma de guerra", diz Nigro. Basicamente, uma caixa com duas antenas - uma que controla o comprimento de onda e outra que controla a amplitude de onda -, o teremim é tocado sem se encostar as mãos nele. "O som é parecido com a voz de uma cantora lírica, é meio sobrenatural", descreve o diretor musical. O instrumento, que serviu de base para os sintetizadores e a música eletrônica contemporânea, já foi usado, por exemplo, pelo grupo Pato Fu, na música "Eu", do CD "Ruído Rosa", de 2001.

Para a vestimenta dos personagens, a figurinista Niura Bellavinha trouxe a inspiração do movimento de arte abstrata encabeçado pelo pintor Kazimir Malevich. "Essa aproximação que a Flavinha quer fazer com o construtivismo, eu estou buscando uma coisa relacionada ao suprematismo russo, que é da mesma época", diz ela. "Embora eu entenda e saiba que eu precisa dar uma característica a esse figurino mais maleável, mais humana, porque as figuras do Malevich não tinham rosto. Mas no final das contas, tinham uma expressão muito forte porque estavam associadas a esse sinal do silencio, do não, da negativa do Stálin."

Bete Coelho gosta de lembrar que o teatro é um trabalho coletivo. Também fazem parte da equipe técnica do espetáculo, o assistente de direção José Geraldo Júnior e o ator Eduardo Estrela, que faz a preparação corporal do elenco. A iluminação é de Wagner Freire. O diretor de cena e o cenotécnico são João Carvalho Sobrinho e Domingos Varela. A direção de produção fica a cargo de Dani Angelottin e Claudia Odorissio. "Se não tem essa gente pensante, essa gente ativa, não existe nem um monólogo", ressalta a atriz.

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